Ainda mais divórcio
PÚBLICO, 24.07.2008, Pedro Vaz Patto
Uma sociedade que não valoriza os compromissos duradouros também não valoriza nem promove a natalidade
Foram recentemente aprovadas alterações legislativas tendentes a facilitar o divórcio. Não se foi tão longe como as propostas que pretendiam introduzir (na linha da recente reforma espanhola) o chamado "divórcio unilateral", que dependeria da simples manifestação de vontade de um só dos cônjuges, contra a vontade do outro, independentemente dos motivos e mesmo que tivesse sido ele a violar os deveres conjugais. Mas as alterações aprovadas vão nesse sentido, uma vez que foi reduzida para um ano (um prazo que começou por ser fixado nos seis anos e foi, depois, reduzido para três) a duração da separação de facto que torna possível uma forma de divórcio que também acaba por ser unilateral. Verificando-se essa separação, o divórcio será decretado contra a vontade do cônjuge não requerente e mesmo que tenha sido o cônjuge requerente a violar os seus deveres conjugais (a violação dos deveres conjugais deixa de ser relevante neste plano).Além de outras questões que estas alterações poderiam suscitar, impõe-se a reflexão sobre o sinal e a mensagem cultural que acarreta, no nosso actual contexto, uma reforma tendente a facilitar ainda mais o divórcio.No contexto europeu, o número de divórcios cresceu 50 por cento nos últimos 25 anos e hoje, em média, um em cada dois casamentos termina em divórcio. Embora Portugal se situe ainda abaixo dessa média, dela se vai aproximando cada vez mais, e a taxa de crescimento do número de divórcios é, entre nós, das maiores da Europa (no referido período mais do que duplicou).Esta situação não deve ser encarada com indiferença, como se estivessem em jogo meras opções individuais sem reflexos sociais. Que se torne regra (e já não excepção) a situação de as crianças não viverem com ambos os pais não pode deixar de ter repercussões socialmente nocivas, por muito que se procure reduzir os danos (o que é louvável), ou por muito que se procure (o que já não pode aceitar-se) mascarar ou "branquear" a crueza dessa realidade. São vários os estudos que comprovam essas repercussões, designadamente os que retratam a situação dos Estados Unidos, pioneiros na difusão acentuada do divórcio (podem consultar-se alguns deles em www.socialtrendsinstitute.org). O crescimento exponencial do divórcio na Europa nos últimos 25 anos, a consideração dos custos emocionais, sociais e até económicos daí decorrentes e a noção de que a estabilidade da família é um verdadeiro capital social estão na base de um documento recente da Comissão dos Episcopados da Comunidade Europeia: Proposal for a Strategy of the European Union for the Support of Couples and Marriage (acessível em www.comece.org).Por outro lado, também vai sendo reconhecido como uma política de família não se confunde com uma política de concessão de subsídios; é, antes de mais, uma política cultural de valorização da família.Uma dimensão onde tal se revela de modo particular é a da natalidade, talvez a mais grave das crises sociais com que, numa perspectiva estrutural que vai para além do imediato, se confronta hoje a Europa. A natalidade não tem crescido mesmo nos países mais generosos no âmbito da concessão de subsídios. Está em causa uma mentalidade de desvalorização da vida. Não é certamente o Estado que influi decisivamente na criação dessa mentalidade, mas dele podem emergir, desde logo pelos sinais e mensagens culturais que difunde (ao colaborar, ou não, na prática do aborto, por exemplo), importantes contributos num ou noutro sentido. Para além da valorização da vida em si mesma, a valorização da estabilidade familiar, do capital social que ela representa, é também uma importante mensagem que o Estado e o seu ordenamento jurídico podem difundir em ordem à promoção da natalidade. Numa sociedade onde a assunção de compromissos duradouros, que vão para além dos impulsos do momento, não é valorizada e promovida, também não é valorizada e promovida a natalidade. E tornar o casamento o mais precário dos contratos (é a este ponto que têm chegado as reformas que cada vez mais têm facilitado o divórcio), facilitando ao máximo a vida de quem não foi fiel aos compromissos que assumiu, não transmite certamente uma mensagem de valorização desses compromissos. São só eles que permitem, de forma salutar e harmoniosa, renovar a sociedade através da geração de novas vidas. Juiz
Uma sociedade que não valoriza os compromissos duradouros também não valoriza nem promove a natalidade
Foram recentemente aprovadas alterações legislativas tendentes a facilitar o divórcio. Não se foi tão longe como as propostas que pretendiam introduzir (na linha da recente reforma espanhola) o chamado "divórcio unilateral", que dependeria da simples manifestação de vontade de um só dos cônjuges, contra a vontade do outro, independentemente dos motivos e mesmo que tivesse sido ele a violar os deveres conjugais. Mas as alterações aprovadas vão nesse sentido, uma vez que foi reduzida para um ano (um prazo que começou por ser fixado nos seis anos e foi, depois, reduzido para três) a duração da separação de facto que torna possível uma forma de divórcio que também acaba por ser unilateral. Verificando-se essa separação, o divórcio será decretado contra a vontade do cônjuge não requerente e mesmo que tenha sido o cônjuge requerente a violar os seus deveres conjugais (a violação dos deveres conjugais deixa de ser relevante neste plano).Além de outras questões que estas alterações poderiam suscitar, impõe-se a reflexão sobre o sinal e a mensagem cultural que acarreta, no nosso actual contexto, uma reforma tendente a facilitar ainda mais o divórcio.No contexto europeu, o número de divórcios cresceu 50 por cento nos últimos 25 anos e hoje, em média, um em cada dois casamentos termina em divórcio. Embora Portugal se situe ainda abaixo dessa média, dela se vai aproximando cada vez mais, e a taxa de crescimento do número de divórcios é, entre nós, das maiores da Europa (no referido período mais do que duplicou).Esta situação não deve ser encarada com indiferença, como se estivessem em jogo meras opções individuais sem reflexos sociais. Que se torne regra (e já não excepção) a situação de as crianças não viverem com ambos os pais não pode deixar de ter repercussões socialmente nocivas, por muito que se procure reduzir os danos (o que é louvável), ou por muito que se procure (o que já não pode aceitar-se) mascarar ou "branquear" a crueza dessa realidade. São vários os estudos que comprovam essas repercussões, designadamente os que retratam a situação dos Estados Unidos, pioneiros na difusão acentuada do divórcio (podem consultar-se alguns deles em www.socialtrendsinstitute.org). O crescimento exponencial do divórcio na Europa nos últimos 25 anos, a consideração dos custos emocionais, sociais e até económicos daí decorrentes e a noção de que a estabilidade da família é um verdadeiro capital social estão na base de um documento recente da Comissão dos Episcopados da Comunidade Europeia: Proposal for a Strategy of the European Union for the Support of Couples and Marriage (acessível em www.comece.org).Por outro lado, também vai sendo reconhecido como uma política de família não se confunde com uma política de concessão de subsídios; é, antes de mais, uma política cultural de valorização da família.Uma dimensão onde tal se revela de modo particular é a da natalidade, talvez a mais grave das crises sociais com que, numa perspectiva estrutural que vai para além do imediato, se confronta hoje a Europa. A natalidade não tem crescido mesmo nos países mais generosos no âmbito da concessão de subsídios. Está em causa uma mentalidade de desvalorização da vida. Não é certamente o Estado que influi decisivamente na criação dessa mentalidade, mas dele podem emergir, desde logo pelos sinais e mensagens culturais que difunde (ao colaborar, ou não, na prática do aborto, por exemplo), importantes contributos num ou noutro sentido. Para além da valorização da vida em si mesma, a valorização da estabilidade familiar, do capital social que ela representa, é também uma importante mensagem que o Estado e o seu ordenamento jurídico podem difundir em ordem à promoção da natalidade. Numa sociedade onde a assunção de compromissos duradouros, que vão para além dos impulsos do momento, não é valorizada e promovida, também não é valorizada e promovida a natalidade. E tornar o casamento o mais precário dos contratos (é a este ponto que têm chegado as reformas que cada vez mais têm facilitado o divórcio), facilitando ao máximo a vida de quem não foi fiel aos compromissos que assumiu, não transmite certamente uma mensagem de valorização desses compromissos. São só eles que permitem, de forma salutar e harmoniosa, renovar a sociedade através da geração de novas vidas. Juiz
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