A Família, o Trabalho e a Festa
Voz da Verdade 2012-06-03
PEDRO VAZ PATTO
PEDRO VAZ PATTO
O Encontro Mundial das Famílias, que decorre em Milão de 30 de Maio a 3 de Junho, com a presença do Papa Bento XVI, tem por tema: «a Família, o Trabalho e a Festa». Um tema de particular actualidade entre nós, quando cresce o desemprego de forma acentuada, quando se perspectivam alterações profundas da legislação laboral, quando se vai ganhando consciência da extrema gravidade da crise demográfica, quando se difunde cada vez mais o trabalho ao Domingo, quando se suprimem feriados religiosos e civis…
Muitos recordarão a insistência com que João Paulo II exaltava a dignidade do trabalho como meio ao serviço da realização da pessoa. «O trabalho para o Homem, e não o Homem para o trabalho» - este seu mote ecoou por todo o mundo várias vezes, entre outras quando esteve no Porto em 1982. E abordou a questão, de forma aprofundada, na encíclica Laborem exercens.
Mas o ser em função da qual deve ser concebido o trabalho não é o indivíduo isolado, é a pessoa que se realiza na comunhão. E a primeira expressão dessa comunhão é a família. Por isso, como salientou Bento XVI na audiência de 16 de Maio, o trabalho não deve ser «obstáculo para a família, mas apoiá-la, uni-la e ajudá-la a abrir-se à vida».
A Laborem exercens (n. 10) realça como «a família é uma comunidade tornada possível pelo trabalho e, ao mesmo tempo, a primeira escola interna do trabalho para todos e cada um dos homens».
Se a família é uma comunidade que se torna possível pelo trabalho, não pode deixar de ser afectada pelo desemprego e pela precariedade laboral. Estes fenómenos, que atingem particularmente os jovens, em nada ajudam a constituição de famílias abertas à vida (sendo certo que uma cultura de valorização da vida não depende só, ou fundamentalmente, de contextos sócio-económicos).
E se a família é a primeira escola de laboriosidade, também é na saúde das famílias que reside uma das chaves para superar crises como a actual. Disse-o o cardeal Antonelli, presidente do Conselho Pontifício para a Família, quando, em Abril, esteve entre nós: «para sair da crise económica actual, todos se dão conta de que há necessidade, por um lado, de inovação, investimentos e maior produtividade e, por outro, de equilibrada alternância de gerações e, consequentemente, taxa mais elevada de natalidade e melhor educação. Das pesquisas sociológicas resulta que são precisamente as famílias sadias que asseguram poupança, responsabilidade e eficiência, procriação generosa e compromisso educativo. Por isso, vê-se claramente, também agora, que é do interesse da sociedade sustentar a família, oferecer oportunidades de trabalho, harmonizar as exigências e os tempos da família e da empresa, harmonizar maternidade e profissão, ajudar as famílias numerosas.»
Há que valorizar o trabalho, mas o trabalho não é tudo para a pessoa e para a família (como muitas vezes se diz, há que «trabalhar para viver e não «viver para trabalhar»)). A dimensão da festa, isto é, do encontro, da alegria e da gratuidade, é igualmente importante para a realização da pessoa e para a saúde da família. Há que evitar a absolutização da lógica da produção, e do consumo, da utilidade e do lucro. Nos países de raiz cultural cristã (ou noutros, sob essa influência), tem sido esse o papel do Domingo, como dia para Deus, para a pessoa, para a família e para a comunidade. Um papel que é assim descrito nos documentos preparatórios de encontro de Milão: «tempo de confiança, de liberdade, de encontro, de descanso, de partilha, de oração, da palavra de Deus, da eucaristia, de abertura à comunidade, de caridade»; que permite «menos dispersão e mais encontro, menos pressa e mais diálogo, menos coisas e mais presença».
Hoje, está a ser posto em causa esta dimensão do Domingo, que há quem queira substituir por um qualquer dia de folga variável em função das exigências da economia. Mas isso é assumir uma perspectiva individualista e esquecer a dimensão familiar e comunitária da pessoa, que exige um tempo de lazer comum.
É da relação harmoniosa e equilibrada entre as dimensões da família, do trabalho e da festa que depende a saúde física e espiritual de pessoas e sociedades. Seria bom não esquecer isso quando entre nós se pensa em “reformas estruturais”.
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