Austeridade?
JOÃO CÉSAR DAS NEVES
DN 2012-06-11
O país não aguenta mais austeridade", "O programa de ajustamento está a falhar". Frases como estas são crescentemente subscritas. A cada passo se repete que a receita não funciona, Portugal não voltará aos mercados em 2013 e a Alemanha tem de exigir menos aos pobres lusitanos.
Um programa de ajustamento é sempre controverso. Medidas duras e grande sofrimento suscitam variados reparos e correcções Muito do que se diz contra as medidas faz sentido. Mas alguns detalhes mostram os limites da crítica.
Primeiro, seria bom saber como podem ter tanta certeza no que dizem. Se os últimos anos mostraram alguma coisa foi a difículdade em fazer previsões num meio tão volátil e complexo. Tantos já anunciaram a grande depressão, o fim do euro, convulsões sociais em Portugal e várias desgraças que nunca se realizaram. Por outro lado ninguém conseguiu antecipar a verdadeira trajectória.
De facto muitas certezas dos jornais são insustentáveis. Portugal sempre mostrou mais resiliência e sensatez que os nossos políticos imaginam. Os dois anteriores planos do FMI, ainda mais simplistas e brutais que o actual, tiveram excelentes resultados. Como se pode garantir algo sobre os mercados em 2013, quando ninguém os entende a duas semanas? E se o regresso for em 2014 ou 2015, qual é o mal? Porquê acusar a Alemanha, único país sensato no meio da loucura europeia?
Depois, há razões de calendário. Portugal tem, quando muito, seis meses de austeridade a sério. Não é possível fazer já balanços. Década e meia de alegre endividamento a custos baixos, aproveitando os descontos do projecto do euro, trouxe a nossa dívida externa bruta de 28% do PIB em 1992 para quase 250% hoje. Pior que o peso dos créditos, essa longa euforia criou enorme distorção na actividade produtiva. Centenas de milhar de trabalhadores foram desviados para sectores e empresas sustentáveis apenas pela ilusão financeira. Com a travagem súbita da crise mundial, a tarefa de ajustamento e saneamento é enorme, e demorará ainda muito tempo. Alguns meses de dureza nunca bastariam para um buraco destes.
Pior, fomos o último país a assumir os problemas. A crise mundial, adivinhada há anos, rebentou em Setembro de 2008. Então Irlanda, Grécia, Espanha e outros começaram os cortes e apertos. Portugal passou 2009 em delírio eleitoral, subindo loucamente a despesa, e viveu 2010 em enganos, com sucessivos PECs falhados. Após esgotar todos os expedientes e levar a negação aos limites do possível, só a 6 de Abril de 2011, quase três anos após o colapso, se assumiu a necessidade da verdadeira austeridade. Ainda foram precisas eleições, aprovar o programa do novo Governo a 1 de Julho e rever o orçamento a 26 de Agosto. Ou seja, apenas nos finais do ano passado começaram as verdadeiras medidas. O aperto que tantos já consideram demais ainda mal começou. Um ano de programa, do qual pouco mais de metade de verdadeiro corte, é ridículo como austeridade.
Entretanto, essa longa espera foi criando brutal injustiça, maior que as tão criticadas medidas da troika. Largos sectores da sociedade - desempregados, falidos, imigrantes - sofrem e muito desde 2008. Por isso é escandaloso que quem protesta e faz greve sejam precisamente aqueles que foram durante durante tanto tempo poupados, e até favorecidos pelo eleitoralismo, só agora começando a pagar a sua parte.
Tudo isto mostra também como a questão é alheia à Alemanha. Foram os nossos erros, não as exigências germânicas, que obrigaram à reforma. Atirar as culpas para Merkel, FMI ou banqueiros americanos seria tolice se não fosse rematada desonestidade. Qualquer análise séria e ponderada mostra que, por muitos erros que essas forças tenham cometido, e não estão inocentes, as principais culpas das dificuldades portuguesas, como gregas, espanholas ou italianas, ficam em casa.
Agora Portugal não tem escolha, e limita-se a seguir o caminho indispensável. Quando tiver, então poderemos dizer se o Governo é bom e tem políticas sensatas. A dieta mal começou e já se pede alívio!
naohaalmocosgratis@ucp.pt
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