A rainha e os súbditos

Pedro Lomba
Público, 2012-06-05

Por todo o lado, no mundo ocidental, estamos condenando políticos, banqueiros, Lagardes, qualquer criatura que exiba poder, dinheiro ou estatuto.
Ninguém escapa à ira popular.
E, no entanto, no Reino Unido parece que uma mulher que tem poder, dinheiro e estatuto e está à frente de uma instituição antiga e hereditária, e para muitos anacrónica, celebra 60 anos no trono (o seu jubileu) com as mais altas taxas de popularidade de sempre. Em 1897, no jubileu da rainha Vitória os tempos eram bem diferentes, não existiam sondagens nem muitas repúblicas (e pelos nossos critérios nenhuma democracia). Mas os historiadores afi rmam que o jubileu de Vitória, que não gozava de metade da simpatia popular de Isabel II, foi acompanhado de protestos e saturação.
 Com Isabel II, o carnaval do jubileu demonstra que a monarquia inglesa nunca esteve tão bem. Não passa de um carnaval, é certo. Com muita indiferença pelo meio, mas qual é o regime que não gera hoje indiferença? O facto é que o Reino pode estar em crise, os políticos do Reino podem estar a passar vexames; a rainha não. Por isso, com um ou outro queixume insignificante, até alguma imprensa de esquerda foi forçada a reconhecer que Isabel II tem exercido o cargo ao longo de 60 anos com um zelo público de que a maioria seria incapaz. Soube, pelo menos, preservar a monarquia.
Os “súbditos” admitem que não sabem lá muito sobre esta mulher a que chamam Isabel II. O que torna tudo ainda mais intrigante. Um dos grandes “segredos” da rainha, dizem, é nunca fugir da sua política de silêncio e discrição. Parca em opiniões, tem mantido uma pose de esfinge durante décadas. Apesar dos escândalos, de Diana e da rejeição geral que se abateu sobre os políticos, a rainha continuou imperscrutável e distante.
Mas, vendo bem, talvez seja por isso que gostam dela. As democracias são inevitavelmente regimes de muita chinfrineira e exposição. Os políticos, os jornais e hoje os buracos da Internet fazem barulho. Nós fazemos barulho.
Toda a gente é exposta, no pior e no melhor. Ao mesmo tempo, estamos todos supinamente cansados desse ruído e exposição.
Sessenta anos depois, o facto de uma personalidade como Isabel II se ter tornado mais popular do que os mais populares dos políticos, precisamente porque não participa da festa, só mostra aquilo que pensamos da festa.
A presença invisível ajuda ao mistério. E toda a autoridade precisa desse mistério. O que chocou mais no recente episódio em África do rei de Espanha, Juan Carlos, não foi o custo do safari africano para o erário público.
Foi termos percebido que Juan Carlos partilha os mesmos gostos foleiros e burgueses que todos nós. Isso não se perdoa a um monarca. Numa era populista e uniformizadora do gosto, haja alguém ao menos que se eleve acima da mediania, haja alguém diferente de nós e das nossas ambições. Pode ser um rei, um presidente, um escritor. Não importa. Mas tem de existir alguém que viva mais na imaginação do que na realidade.
Longe de ser apenas um produto publicitário, a verdade é que a popularidade de Isabel II não é apenas esclarecedora sobre o que pode ser uma monarquia no século XXI. Ensina-nos algo de mais importante sobre o que se perdeu nas nossas democracias da vulgaridade e do vazio.

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