OS HIPÓCRITAS QUE VÃO À MISSA
P. Gonçalo Portocarrero de Almada
A Voz da Verdade , 2012.06.17
OS HIPÓCRITAS QUE VÃO
À MISSA
A propósito do despropósito dos católicos não praticantes
Foi há já
algum tempo que uma pessoa, algo impertinente, disparou contra mim, à
queima-roupa, a razão da sua não prática religiosa:
- Eu não vou à Missa porque está cheia de
hipócritas!
Apesar de não
ser um argumento propriamente original – na realidade, nem sequer é um
argumento – o tópico deu-me que pensar, sobretudo porque é esgrimido, com frequência,
pelos fervorosos «católicos não praticantes» que, como é sabido, abundam. São,
em geral, fiéis descomprometidos, ou seja, pessoas baptizadas que dispensam a
prática religiosa colectiva, com a desculpa de que nem todos os praticantes são
cristãos exemplares.
Alguns
praticantes são, no sumário entendimento dos que o não são, pessoas duplas, porque
aparentam uma fé que, na realidade, não vivem, enquanto outros há, como os
ditos não praticantes, que mesmo não cumprindo esses preceitos cultuais, são
mais coerentes com a doutrina cristã. A objecção faz algum sentido, na medida
em que a vida cristã não se reduz, com efeito, a uns quantos exercícios
piedosos.
Mas o
cristianismo é doutrina e vida: é fé em acção, esperança viva e caridade
operativa. Portanto, a prática comunitária é essencial à vida cristã e a praxe
litúrgica, embora não seja suficiente, é-lhe necessária. Assim sendo, mesmo que
os praticantes não vivam cabalmente todas as virtudes cristãs, pelo menos não
descuram a comunhão eclesial, nem a prática sacramental e a vida de oração. Deste
modo, cumprem uma das mais importantes exigências do seu compromisso baptismal,
ao contrário dos não praticantes, não obstante a sua auto-proclamada superioridade
moral.
Os fiéis que
não frequentam a igreja, à conta dos fariseus que por lá há, deveriam também
abster-se de frequentar qualquer local público, porque provavelmente está mais
pejado de hipócritas do que o espaço eclesial. Estes novos puritanos deveriam
também abster-se de ir aos hospitais que, por regra, estão cheios de doentes, e
às escolas, onde pululam os ignorantes. É de supor que o único local digno da
sua excelsa presença seja tão só o Céu, onde não consta qualquer duplicidade,
pecado, fraqueza, doença, ignorância ou erro. Mas também não, ao que parece,
nenhum católico não praticante…
Segundo a
antropologia cristã, todos os homens, sem excepção, são bons, mas nem todos
praticam essa bondade. Um mentiroso não é uma pessoa que não acredita na
verdade, mas que não é sincero, ou seja, não pratica a veracidade. Os ladrões
são, em princípio, defensores da propriedade privada, mas não a respeitam em
relação aos bens alheios. Um corrupto não o é porque descrê da honestidade, mas
porque a não pratica. Aliás, as prisões estão repletas de boa gente, cidadãos
que crêem nos mais altos e nobres valores éticos, mas que os não praticam.
Mas, não são
farisaicos os cristãos que são assíduos nas rezas e nas celebrações litúrgicas,
mas depois não dão, na sua vida pessoal, familiar e social, um bom testemunho
da sua fé? Talvez. Só Deus sabe! Mas, mesmo que o sejam, convenhamos que são
uns óptimos hipócritas. Os hipócritas são bons quando sabem que o são e
procuram emendar-se, e são maus quando pensam que o não são, justificam-se a si
próprios, julgam e condenam os outros. Os crentes que participam assiduamente
na eucaristia dominical, sempre que o fazem recebem inúmeras graças e
reconhecem, publicamente, a sua condição de pecadores, de que se penitenciam,
com propósito de emenda. Mesmo que não logrem de imediato a total conversão,
esse seu bom desejo e a participação sincera na celebração eucarística é já um
grande passo no caminho da perfeição.
Foi por isso
que, com alguma ironia e um sorriso de verdadeira amizade, não pude deixar de
responder àquele simpático «católico não praticante»:
- Não se preocupe por a Missa estar cheia de
hipócritas: há sempre lugar para mais um!
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