Uma semana de reflexão
DN, 20090606
Alberto Gonçalves
Liberdade de expressão? Tem dias. Dado que esta crónica será publicada em dia de eleições, a lei não me permite deixar aqui quaisquer "comentários ou análises" às mesmas.
À primeira vista, a proibição, extensível a sondagens, propaganda e tudo o que possa influenciar o voto, assemelha-se a uma abolição temporária da própria democracia, como se o legislador lamentasse o regabofe da campanha e, quase a título de desculpa, quisesse ilustrar a pacatez de uma existência sem comícios, arruadas, tempos de antena, debates, "slogans", "caravanas", editoriais assertivos, crónicas empenhadas e aquelas delícias que enfeitam as semanas prévias ao acto eleitoral.
À segunda vista, a proibição é adequada e apenas responde à sofisticação do eleitor nacional. Em democracias pouco desenvolvidas, género EUA, as manifestações políticas prolongam-se até ao momento e, às vezes, até ao local do voto. Trata-se, evidentemente, de gente rude, incapaz de alcançar as exigências de uma escolha consciente. O português alcança, logo reflecte.
Todos sabemos que o português médio aproveita o sagrado período de reflexão para reler os programas partidários e a rever os discursos dos candidatos que gravou em dvd. Fechado na biblioteca particular, a salvo de interferências ilícitas, analisa medidas, sublinha propostas, pondera promessas, compara currículos e, se tiver tempo, decide. Inclusive, é possível que os portugueses mais reflexivos não tenham tempo e estiquem a reflexão pelas "pontes" e feriados da próxima semana, o que, se os impede de votar, faculta-lhes uma iluminação cívica sem paralelo.
Mal estejam disponíveis, repare-se nos números da abstenção: ao contrário do que se faz constar, são, também, os números do esclarecimento, embora não só pelo motivo citado.
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