Portugal ingovernável?

DN, 20090615

João César das Neves

As eleições europeias de dia 7 não podem ser extrapoladas para as legislativas. Se pudessem, a pulverização do espectro partidário faria de Portugal um país ingovernável. A soma dos dois partidos centrais, PS e PSD, foi inferior a 60%, o que só aconteceu uma vez desde 1974, em 1985, no momentâneo surto do PRD. Há 20 anos que esse valor anda acima dos 70%. Nas últimas europeias foi de 81%, e de 79% nas legislativas de 2005. Desta vez ficou pelos 58%. Além disso nenhum dos dois grandes conseguiria maioria absoluta com qualquer dos pequenos.

Outros sinais das eleições apontam no mesmo sentido. Os 5,3% de voto inútil em partidos sem representação parlamentar foram elevados mas normais para eleições europeias. Mas os votos em branco, claramente de contestação, tiveram neste escrutínio o maior peso de sempre, 4,6%, quase duplicando o máximo anterior. A culpa não é da crise internacional. Ela tem as costas largas mas, apesar de grave, a recessão é externa e passará. Muito mais séria é a nossa crise profunda, aquela em que estamos há 10 anos e para onde retornaremos em breve. O problema é estrutural, e, embora evidente, ninguém parece ter força para o admitir, quanto mais enfrentar.

Este velho bloqueio pode ser chamado "a ilusão de Guterres", mas constitui uma versão actualizada de antigas tragédias nacionais. O país após 1995 endividou-se no estrangeiro para alimentar clientelas instaladas em serviços estatais. Subsídios, funcionários, pensões, professores, médicos, organismos e obras públicas são a carga que paralisa o progresso. D. Maria II, D. Luís e D. Carlos reconheceriam os sintomas. Como o liberalismo soube, uma vez criada, a bola de neve orçamental não é fácil de travar.

Este monstro financeiro já fez fugir dois primeiros-ministros desde 2002 e continua tão intratável como antes. O Governo de Sócrates, apesar de maioritário, não tem quase nada para mostrar em troca do descontentamento que gerou. As meras beliscaduras que fez a esses interesses valeram-lhe as maiores contestações na rua e no voto. Mas as tímidas reformas não chegaram de facto a afectar o ritmo de endividamento nacional. Os bloqueios ao desenvolvimento estão hoje tão fortes como eram há quatro anos. As europeias não podem ser extrapoladas para as legislativas. Por isso, o sinal de ingovernabilidade, mais que na eleição pulverizada, está na legislatura desperdiçada.

Por sua vez, PSD e CDS, que enfrentaram o mesmo monstro sem sucesso na legislatura anterior, têm pouca credibilidade na oposição. Será que daí virá afrontamento aos poderes instalados?

O principal sinal da ingovernabilidade é, porém, a subida da extrema-esquerda. Ela não tem o significado ideológico que tantos lhe concedem. É preciso entender que CDU e Bloco de Esquerda não são partidos de proletários, mas de funcionários. A sua acção dirige-se à defesa intransigente de regalias públicas. Os slogans com sabor estatista pretendem não uma mítica sociedade sem classes mas assegurar empregos e benesses aos que dependem dos cofres do Estado. Entretanto fazem prodígios de retórica para esconder, por vezes de si próprios, que servem interesses declaradamente burgueses.

A conclusão é que o País parece ingovernável. Os debates dos próximos meses podem confirmar esta realidade. Haverá propostas e discussões, muitas promessas e vitórias, mas sem que se denuncie o problema que realmente entope o País: os direitos adquiridos. O mais deprimente será constatar a semelhança desses confrontos com os que se desenrolavam no fim da monarquia.

A política anda parecida com os abismos da regeneração. A diferença está na economia e sociedade, que hoje são de-senvolvidas e dinâmicas. Assim, apesar de esmagador, o peso das clientelas públicas acaba inferior ao que foi em eras passadas. Num mundo globalizado, não só é mais difícil manter privilégios injustificáveis, mas a evolução económica tende a marginalizar essas despesas. É nos cidadãos, empresas e mercados, não numa fraca liderança política, que está a nossa única esperança.

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