Começou a queda da casa de Sócrates

PÚBLICO, 11.06.2009, Helena Matos

Ao primeiro sinal de que o efeito Sócrates se estava a extinguir, as cadeiras do Altis ficaram vazias

João Cravinho deu o tiro de partida: "o efeito Sócrates só por si já não chega". E de Santarém chegaram-nos imagens de um primeiro-ministro que sabe que a corrida já começou. Nem sequer é a corrida ao seu lugar. O que sempre seria um combate aberto. É sim este desmarcar-se. As derrotas nunca são bonitas de se ver e são ainda mais penosas as derrotas de um líder que em vez de apoiantes tem dependentes.
O PS nunca apoiou Sócrates por aquilo que ele pensava ou defendia, mas sim porque ele lhes garantiu o poder. Sócrates não é para o PS um líder. Como diz Cravinho, Sócrates é um efeito. Um efeito que, valha a verdade, deu uma maioria absoluta ao PS. Mas, sem poder, Sócrates não tem qualquer préstimo para os socialistas - não tem o mundo internacional de Soares e dificilmente lhes pode trazer o prestígio da colocação numa agência internacional como aconteceu com Sampaio e Guterres. O PS está disposto a fechar os olhos a todos os equívocos de Sócrates enquanto existir poder. Assim que o poder se acabar, os socialistas serão os mais violentos nas críticas a tudo aquilo que até agora fizeram de conta que não viram. Sem poder, Sócrates é um embaraço. Por isso, ao primeiro sinal de que o efeito Sócrates se estava a extinguir, as cadeiras do Altis ficaram vazias.
Desconheço que explicações deram ao líder do PS para o desastre dessa noite os muito celebrados especialistas em marketing político que terá contratado e que lhe têm sabido encher os pavilhões dos comícios e escolher o enquadramento em que deve surgir. Mas que muito provavelmente contribuíram para acentuar o seu afastamento das bases do partido e sobretudo para o tornar cada vez mais dependente dessa mesma máquina de propaganda. Durante algum tempo resultou, mas progressivamente o primeiro-ministro foi ficando em delay com o país. Tal como numa novela mexicana, em que os movimentos dos lábios não coincidem com as frases que ouvimos, também o país em que vivemos não coincide com o país de que fala José Sócrates.
Esta captura do discurso político pelos especialistas do marketing levou a este desacerto entre o país real e o país do discurso governamental. Mas não só. Mais do que falar do país, dos seus problemas e discutir seriamente as soluções que propõe, José Sócrates passa de sessões de anúncio para sessões de anúncio, invariavelmente abrilhantadas com figurantes, e fala obsessivamente de notícias, jornalistas, directores de jornais... como se o seu mundo não fosse mais do que isso: ser um efeito. Mas agora que já se ouve que o "efeito Sócrates só por si já não chega" talvez seja o momento para que no Largo do Rato se passe para part time a agência de comunicação e se arranje tempo para ouvir os políticos. Jornalista, helenafmatos@hotmail.com

Vamos fazer de conta
- Que são deputados. Os grupos parlamentares presentes na AR devem sofrer dum desdobramento de personalidade, pois só assim se entende que nos dias pares os deputados sejam os primeiros a mostrar-se indignados e a declarar que devem ser alteradas as decisões que eles mesmos tomaram nos dias ímpares ou vice-versa. Foi assim com o Estatuto dos Açores e está a ser assim com o financiamento partidário.
- Que aprendem. Primeiro pensei que fosse um azar doméstico. Depois comecei a perguntar a outras pessoas, pois não me parecia que tal pudesse ser verdade. Agora estou mais ou menos convencida que se trata duma prática generalizada. Refiro-me à paixão pela tralha e ao horror à experimentação que se tem instalado nas escolas portuguesas. Como venho duma geração que nas mais comuns escolas públicas fez experiências em laboratórios, desde a electrólise da água à decantação, e percebeu, abrindo pombos e peixes, porque voavam os primeiros e nadavam os segundos, não entendo como é possível que tudo isto e muito mais que anteriormente era prático se tenha transformado numa fastidiosa matéria teórica. Nem sequer umas raízes tipo cenouras à mão de semear em qualquer casa têm entrada nas salas de aulas. Atulhadinhas de manuais aos quais se juntam agora os livros de preparação para os testes e outros de revisões, sem esquecer que muitas salas já têm quadros interactivos e computadores, sejam Magalhães ou outros quaisquer, as criancinhas portuguesas, até ao 9.º ano, frequentam pouco os laboratórios das escolas, fixando os nomes e os resultados de experiências que não fazem. Parafraseando o poeta António Gedeão (ou se se quiser o professor e divulgador científico Rómulo de Carvalho, pois ambos são a mesma pessoa) os alunos de hoje são como Filipe II, o rei que "tinha tudo, tudo" menos "um fecho éclair". Muitos dos alunos de hoje têm "tudo, tudo" menos a possibilidade de aprender.
- Que o nosso voto conta. Cada um lê o que pode ou deve. E a mim, no dia das eleições para o Parlamento Europeu, calhou-me andar às voltas com o discurso feito em Fevereiro de 1975, no Sabugo, pelo então primeiro-ministro, general Vasco Gonçalves, numa sessão do que então se designava como dinamização cultural. Para quem viveu ou estuda o PREC, esta intervenção é fundamental porque, entre muitas outras coisas, comprova-se aí que as eleições eram já assumidas não como uma fonte de legitimidade do poder, mas sim como uma espécie de confirmação tutelada desse poder, que no caso se reivindicava revolucionário: "Nós não vamos perder, por via eleitoral, aquilo que tanto tem custado aos portugueses. "Meses depois viu-se bem como o general Vasco Gonçalves e sobretudo quem o apoiava não estavam de facto dispostos a perder por via eleitoral tudo aquilo que, na sua opinião, se ganhara pela via revolucionária. Lidas hoje, estas afirmações ou outras do mesmo teor como as proferidas por um titular da pasta do Interior em 1931 (Lopes Mateus) a propósito da realização de eleições no Estado Novo - "Se o Governo caminha espontaneamente para o acto eleitoral (...) é porque tem a certeza da vitória" - não diferem nada, mas mesmo nada, da doutrina que está actualmente subjacente à UE: só podemos votar para confirmar o que já está superiormente decidido. Logo, os eleitores são uma espécie de figurantes festivos no discurso sobre a Europa. Nada que não tenha acontecido antes, como se vê pelas frases citadas, mas é sempre espantoso que voltemos a cair no mesmo erro.
- Que falaram disto. O isto chama--se gasoduto. Que o termo não tenha sido sequer pronunciado nesta campanha para o PE denota a transformação destas eleições numa espécie de trailer que antecipa a chegada do verdadeiro filme das legislativas de cada país. Mas falemos então de gasodutos. A UE pretende construir um gasoduto que traga gás da Turquia directamente para a Europa, sem entrar em território russo. Este gasoduto, de seu nome Nabucco, daria portanto à UE uma maior autonomia energética e política. As negociações para a construção do Nabucco são dificílimas porque, entre muitos outros assuntos, está em causa o dossier da adesão da Turquia à UE. Naturalmente, entre os grandes opositores à construção do Nabucco conta-se a Rússia, que tem insistido junto da Turquia para que esta não aposte no projecto europeu Nabucco e privilegie o gasoduto russo South Stream, que levará gás da Turquia para a Europa através do mar Negro. Como explicar que nem uma palavra se tenha dito sobre isto? E como entender que a grande polémica destas europeias tenham sido as fotografias de Berlusconi vestido, despido, acompanhado ou solitário, conforme tem o direito de andar na sua casa, e não o apoio explícito do seu Governo ao gasoduto South Stream? Aliás, praticamente só no blogue de José Milhazes (http://darussia.blogspot.com/) se aborda a história italiana deste gasoduto: conta Milhazes que o Kremlin terá tentado, sem sucesso, contratar Romano Prodi para encabeçar a empresa construtora do gasoduto South Stream. O seu sucessor, Berlusconi, é um declarado apoiante do projecto, coisa que será sem dúvida mais relevante para a UE do que a sua vida privada. E noutras paragens, tidas como mais rigorosas do ponto de vista político do que a Itália, houve quem rejubilasse com um convite idêntico ao que Prodi recusou: o ex-chanceler alemão Schroeder aceitou dirigir o North Stream. E o North Stream, como não podia deixar de ser, é um gasoduto da empresa russa Gazprom que levará gás da Rússia para a Alemanha. Quanto mais não fosse, a questão da contratação de ex-dirigentes europeus por grandes empresas públicas de países como a Rússia deveria ter merecido um bocadinho mais de atenção nesta campanha.

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