Olha a gola

PÚBLICO, 05.06.2009, Miguel Esteves Cardoso

Ainda ontem

Envelhecer é notar as recorrências. Tiram-nos até o prazer da novidade. Só fica o tremelique do déjà vu. Nada de novo é novo: tudo faz lembrar outra coisa antiga. É uma estucha repetitiva; um jogo estúpido de "Note as Parecenças".
Assim é. Fica-se para chato para toda a vida. Não há nada a fazer. Já quando apareceram os Smiths, na Idade Média da nossa consciência Pop (1982), dissemos que eram iguais aos Byrds, aparecidos quase duas décadas antes (1964). Assim se retira prazer a quem precisa de ter. O livro de Eclesiastes está sempre à espreita: Turn, turn, turn. Não há nada de novo debaixo do sol.
Dizer "isto já foi feito" parece ser o nosso lema: "Não te entusiasmes!" É um corte. É invejoso. Não deixamos que os jovens sejam jovens porque a recorrência nos convém: assim já podemos morrer.
Fui a Milão no fim de Maio, entrevistar o José Mourinho; um bom rapaz. Todos os italianos tinham a gola da camisa levantada. Como nos anos 70 aqui em Portugal. Chamávamos aquela manobra "gola de aviador" e o antídoto era perguntar se queria levantar voo.
Ontem, na Praia Grande, vi um russo aprumado com a mesma gola da Aeroflot, a comer sardinhas. E há bocadinho vi a Esquire americana de Junho, com um apontamento acerca da gola e uma atenção à Panama weave (ou não) da mesma. O que é, tornará a ser. É uma desgraça deixar de ser surpreendido. Mas falar nisso ainda é pior. Assim envelhecemos precocemente quem escusava de saber.
Será uma vingança?

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