«Porquê Ler os Clássicos?» – Entrevista a Teolinda Gersão


Porquê ler os clássicos da literatura portuguesa?

Não os ler significa que somos muito ignorantes sobre nós mesmos. Mas depois de 40 anos de democracia e liberdade, a sensação predominante ainda continua a ser o provincianismo do «lá fora é que é bom». Se alguém disser aos portugueses que a sua literatura é das mais antigas, importantes e interessantes da Europa (e do mundo), claro que eles não acreditam. E quem vai acreditar num país que não acredita em si próprio?
Ler os nossos clássicos é um bom caminho para quebrar esse preconceito. Mas há uma espécie de círculo vicioso: é preciso ter alguma cultura geral para ler, sobretudo para ler os clássicos. E, apesar do aumento da escolaridade, a nossa cultura geral é muito pouca.

A definição de clássico está longe de ser consensual. Afinal, o que torna uma obra literária um clássico?

O facto de não envelhecer. Independentemente da época em que foi escrita, uma obra clássica continua a dialogar connosco.

Eça e Pessoa continuam a ser bastante lidos, mas nem todos tiveram tal sorte. Que autor português considera que foi imerecidamente votado ao esquecimento?

Não diria esquecimento, mas menos atenção do que merecem, Nemésio, por exemplo, ou Raul Brandão. E para dar mais exemplos, entre muitos outros possíveis, também Carlos de Oliveira e Cardoso Pires são muito menos lidos do que deviam ser.

«Prognósticos só no final do jogo», mas que obra contemporânea lhe parece capaz de vencer o teste do tempo e vir a integrar o cânone literário português?

Não vou arriscar nomes. Só o tempo o dirá.

A nossa herança literária é importante, mas por vezes a sua influência pesa em demasia na ficção contemporânea. Vivem os autores portugueses na sombra dos seus antecessores?

Creio que não, até porque de um modo geral, à excepção talvez de algumas obras de Pessoa, não os lêem. Como acreditam que «lá fora é que é bom» e o mercado e os mídia corroboram fortemente essa ideia, são os «modelos» estrangeiros que vigoram. Basta entrar em qualquer livraria para ver o que nos oferecem os escaparates. Para o mercado nacional, o que aqui se escreve interessa muito pouco.
Mas ler os estrangeiros não é bom? Claro que sim, mas é preciso ter sentido crítico e saber escolher, e estamos inundados de fogos-fátuos e desinformação. Não é cidadão do mundo quem quer, é preciso fazer uma longa caminhada. E sem se conhecer a si próprio e ao seu país, também não se é capaz de entender os outros.
Escrever é sempre escrever o mundo. Muito poucos autores são capazes disso.

Teolinda Gersão nasceu em Coimbra, estudou Germanística, Romanística e Anglística nas Universidades de Coimbra, Tübingen e Berlim, foi Leitora de Português na Universidade Técnica de Berlim, assistente na Faculdade de Letras de Lisboa e depois de provas académicas professora catedrática da Universidade Nova de Lisboa, onde ensinou Literatura Alemã e Literatura Comparada. A partir de 1995 passou a dedicar-se exclusivamente à literatura.

Além da permanência de três anos na Alemanha viveu dois anos em São Paulo, Brasil, e conheceu Moçambique, onde decorre o romance de 1997 A Árvore das Palavras.

Autora sobretudo de romances, publicou até agora duas novelas (Os Teclados e Os Anjos) e duas colectâneas de contos (Histórias de Ver e Andar e A Mulher que Prendeu a Chuva). Três dos seus livros foram adaptados ao teatro e encenados em Portugal, Alemanha e Roménia: Os Teclados por Jorge Listopad no Centro Cultural de Belém, 2001; Os Anjos por por João Brites e o grupo O Bando, 2003; A Casa da Cabeça de Cavalo ganhou o Grande Prémio do Festival Internacional de Teatro de Bucareste, Roménia, em 2005, com encenação de Eusebiu Stefanescu. Encenada também na Alemanha por Beatriz de Medeiros Silva e o grupo Os Quasilusos, em 2005.

Foi escritora-residente na Universidade de Berkeley em 2004.

O seu livro mais recente é o romance Passagens (2014).

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