O Amor ao Próximo

Fernando Alves
TSF 17 NOV 11

Já lá vão uns cinco anos, o jornalista brasileiro Bosco Martins, entrevistou o poeta Manoel de Barros, seu amigo, para o blog Overmundo. A conversa vadiou amavelmente: falaram de Guimarães Rosa, da infância (o lugar "de onde vem o conhecimento"), do mistério das coisas, do amor, da inveja e do ódio. Sobre o amor ao próximo, escutem Manoel de Barros: "Algum tempo sonhei meu socialismo. Seria baseado nas palavras de Cristo "Amar o próximo como a nós mesmos". Logo enxerguei que o sonho era utópico. Porque o ser humano nasce com ambições diferentes. Ambição de poder. Ambição de dinheiro. Como então amar ao próximo como a ele mesmo? A palavra de Cristo é genial e por isso utópica. A ambição destrói qualquer amor ao próximo. A inveja e o ódio também".
Fui recuperar estas palavras do poeta Manoel de Barros sob o efeito de uma perturbadora entrevista de António Pinto Leite, anteontem, ao Diário Económico. O presidente da Associação Cristã de Empresários e Gestores sustenta que "os valores cristãos podem ser extremamente lucrativos". É uma fala terrena, Pinto Leite refere-se a lucros, reais, tangíveis, das empresas, não a ganhos de uma redenção futura num reino dos céus de empresários que souberam cuidar caridosamente dos seus pobrezinhos.
António Pinto Leite remete para a doutrina social da Igreja com um discurso desconcertante, provocador. Ele diz simplesmente que "o amor ao próximo é um critério de gestão empresarial". E em que é que isso se traduz? Ele explica: " Usar o despedimento apenas como último recurso e pagar o salário mínimo mais elevado possível, de forma a retirar da pobreza todos os que integram a comunidade empresarial". Pinto Leite dá outros exemplos: o pagamento pontual aos fornecedores é "o mínimo ético empresarial" que ajuda a evitar problemas de liquidez noutras empresas, "nomeadamente nas mais pequenas". "Não vale a pena ter políticas de responsabilidade social muito cheias de marketing - como limpar jardins ou pintar paredes de IPSS - diz Antonio Pinto Leite -,se depois não se paga a horas". E o presidente da Associação Cristã de Empresários e Gestores diz isto: "Se nove em cada dez gestores são católicos, no centro da sua ética tem de estar o amor ao próximo".
António Pinto Leite chama-nos para uma prática que está no avesso da obsessão do lucro, no avesso "do despique trimestral da economia de elite" que nos conduziu a uma situação de empobrecimento "que não faz sentido".
Não foi ao acaso que lhe chamei desconcertante. Esta entrevista devia ser colocada frente a cada um dos participantes da próxima reunião da Concertação Social.

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