Um testemunho emocionado das JMJ
Pe. Luis Miguel Hernández
O momento mais impressionante da semana passada em Madrid por ocasião das JMJ foi para mim a vigília do Sábado à noite. A chuva e a trovoada contrastaram com o severo Sol espanhol, que nos acompanhou durante os dias passados na cidade. Mas, sobretudo, viu-se a verdade deste evento de maneira exemplar.
Cheguei ao aeródromo de Cuatro Vientos por volta das 16 horas, acompanhando um grupo de mil e duzentos universitários do Movimento de Comunhão e Libertação [uns 100 portugueses; uma dúzia de Alverca]. Já o nosso primeiro impacto ao chegar foi desarmante: o rio contínuo de jovens era mais do esperado e, na planície, ao tentar alcançar o sector E6 que nos tinha sido assignado, apercebemo-nos de que teria sido impossível entrar nele. A pesar de cada sector estar preparado para acolher umas 40 mil pessoas, e a distância ao palco ser já notável, parecia infinita a multidão de colchonetes e sacos-cama, mochilas e pessoas que os carregavam. Tivemos de nos instalar sobre uma pista de aterragem, próximos duma das saídas do campo militar, onde (acho eu) já não estava previsto alojar peregrinos. E os voluntários diziam-nos que ainda havia muita gente que esperava para entrar nas portas.
Uma vez encontrado o lugar para passar a noite, donde víamos de longe um écran grande como uma unha e ouvíamos pouco (se não fosse pelos rádios), ficámos a descontrair procurando os amigos, preparando os nossos mais ou menos sofisticados leitos e jantando alguma coisa antes da vigília com o Santo Padre. Sem saber o que se estava a aproximar, alegrámo-nos quando algumas nuvens cobriram o riguroso Sol madrileno. Os bombeiros, divertidos a banhar com as mangueiras os peregrinos mais acalorados, tiveram de ir embora.
Pelos altifalantes e pelo rádio anunciam que está a chegar Bento XVI. Percebe-se também pelos gritos de longe: «Esta é a juventude do Papa», canta-se, uma espécie de hino que nos acompanhou em cada encontro. Começam também outros gritos: são as primeiras pessoas a quem o vento está a levar os bonés, o lixo amontoado ou até o saco-cama. De facto, chegam algumas inesperadas lufadas de vento, que nos apanham por surpresa.
Enquanto o Santo Padre dà umas voltas pelos diferentes sectores e se aproxima do palco principal, ajudamo-nos a recolher todas as nossas coisas em pequenos montes, que os mais expertos e generosos cubrem com plásticos ou com lona e depois, não se sabe como chegou até cá, com uma vedação de metal.
Vivemos o momento com grande entusiasmo: enquanto que nos dias anteriores assistimos nas ruas à cerimónia de chegada e à via sacra, sabemos todos que o momento central das Jornadas é esta vigília e a Missa dominical. Esperamos do Papa palavras de conforto, de encorajamento, de fé. Já nos convidou a escutar a voz de Cristo, não como uma voz entre muitas, mas enraízando a nossa existência na busca da verdade. Sugeriu-nos que Deus nos quer responsáveis, inteligentes e livres, para poder falar com Ele e amá-Lo. Mas ainda aguardamos alguma sugestão, como fazer num mundo em que todos e tudo dizem o contrário.
Alguns trouxeram um impermeável ou um polar, mas eu não tenho nada para me cubrir. Sento-me com um chapéu-de-chuva numa mão e com um megafone na outra. Assim poderei traduzir do espanhol para aqueles que não têm rádio ou não conseguem ouvir. Terei à minha volta três ou quatro centenas de pessoas. Os rostos, cinzentos como o céu, olham para mim desejosos de ouvir. Por enquanto, não posso reproduzir os belíssimos cantos que escuto, e que durante a semana nos acompanharam numa liturgia sempre essencial, mas muito bem cuidada. Também ouvimos no fundo o hino desta JMJ: «Firmes en la fé, caminamos en Cristo».
O Papa é recebido segundo o protocolo, cumprimenta as autoridades e agora escuta cinco perguntas colocadas por jovens de todo o mundo: enquanto vou repetindo pelo megafone, a chuva cresce de intensidade de vez em quando, mas aumenta também a tensão para ouvir: são perguntas muito profundas. Um rapaz inglês, convertido, pergunta como ser fiel na procura da verdade; um jovem noivo fala do seu iminente casamento, e de como a moral da Igreja parece por vezes difícil de se viver; uma rapariga pede uma ajuda para permanecer fiel aos ideais que lhe fazem trabalhar em projectos de desenvolvimento, nos quais não vê frutos...
Acabadas as perguntas, a ventania chega também ao palco e ao próprio Santo Padre. Voam os papéis dele, e vemos pelo écran como é coberto por dois ou três chapéus-de-chuva. Aproximam-se dele os secretários e contaram-nos que disse: «Se os jovens ficam, eu também». Que grandeza humana! Alguns grupos de jovens cantam de novo, outros batem palmas; outros permanecem numa espera silenciosa. E Sérgio, sentado ao pé de mim, diz: «Rezemos juntos». Assim pomo-nos a rezar o terço. Era tão grande a minha impotência, que me pareceu uma voz providencial que me apelava à verdade do momento: «Santo Padre, estamos nas tuas mãos... Santa Maria, rogai por nós pecadores... Senhor, somos teus».
No rádio, informam que caiu a estructura duma das entradas ao aeródromo, um dos écrans gigantes e que talvez também o som já não funcionasse. A polícia está espantadíssima, porque não se produz o caos e ninguém sai do seu lugar (ao passo que num festival ou estádio qualquer, uma trovoada destas teria causado mortos, asseguram).
Depois de três dezenas, parece que o Papa recomeça a falar: «Caros amigos, obrigado pela vossa alegria e pela vossa resistência! O Senhor, com a chuva, mandou-nos muitas bênçãos...». Descontrai e toda a gente ri. Mas, num repente, salta as respostas às perguntas anteriores e começa as orações que dão lugar à adoração eucarística. O discurso estava preparado, mas não vai fazê-lo. Quer passar directamente ao tempo de silêncio perante o Sacramento, ao qual convida a todos. E quase dois milhões de jovens, os mesmos que tinham gritado, cantado, feito festa e invadido a cidade de Madrid, agora ficam em silêncio absoluto.
Foi incrível: tinha todos prontos a ouvi-lo, e não pronunciou o seu discurso para nos dizer quem é o verdadeiro protagonista das JMJ, quem é o verdadeiro centro da vida do Papa e a quem dirigir-nos não só hoje, mas sempre. Bento XVI, transparente da Presença bondosa de Deus.
Não houve um só coma etílico em toda a semana, diziam estupefactos os serviços de emergência da sanidade de Madrid. Porque, diante da verdade e da beleza destes dias, ninguém queria esquecer nem sequer um instante.
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