Dez anos depois
Público 2011-09-12 João Carlos Espada
Em primeiro lugar, vale a pena recordar que, há dez anos, todos pensávamos que os ataques de 11 de Setembro tinham sido apenas o início de uma vaga incontrolável e imprevisível de atentados contra a América. A verdade, todavia, é que os terroristas não conseguiram repeti-los em solo americano - embora o tenham feito em Bali, Madrid e Londres.
Qualquer que seja a opinião que possamos ter sobre a actuação do Presidente Bush na sequência do 11 de Setembro, um ponto tem de ser reconhecido: a sua administração, bem como a do Presidente Obama que se lhe seguiu, conseguiram evitar novos ataques (escrevo antes de terminado o dia 11 de Setembro deste ano, não sabendo, por isso, se os terroristas terão desta vez conseguido cumprir mais uma ameaça de atentado). Esse não é um facto de somenos: o primeiro dever do Estado para com os cidadãos é a garantia da sua segurança; e esse dever foi cumprido.
Muitas vozes se ergueram na altura dizendo que a administração Bush queria garantir a segurança da América à custa das liberdades e da própria democracia. Alguns descobriram mesmo que a democracia americana não era bem uma democracia, mas apenas uma oligarquia dominada pelo dinheiro e pelos militares, o chamado "complexo militar-industrial" - um tema que aliás dominara a propaganda soviética durante a Guerra Fria.
A verdade, todavia, é que o debate americano sobre as medidas do Presidente Bush foi tão ou mais livre do que é possível imaginar. E o resultado foi a eleição de um candidato presidencial que se opunha a boa parte dessas medidas e que, ainda por cima, foi o primeiro chefe de Estado não branco a ser eleito no Ocidente. Afinal, a democracia americana, mesmo sob ameaça terrorista, mostrou que não precisa de lições de democracia.
Também tinha sido dito que a invasão do Iraque e o derrube da ditadura respectiva iriam aumentar a hostilidade do mundo árabe para com a América, o Ocidente e o ideal democrático. Curiosamente, ainda a década não tinha terminado e uma Primavera Árabe irrompia surpreendentemente aos olhos do mundo. O destino democrático desses movimentos é ainda altamente incerto. Mas já ficou à vista de todos que o ideal democrático não conhece fronteiras, incluindo fronteiras árabes.
Num ponto, no entanto, os críticos do Presidente Bush tinham alguma razão: a sua administração alimentou depois do 11 de Setembro uma retórica vanguardista que desprezava o internacionalismo multilateral definidor do Mundo Livre. Esse tom desagradável começou a ser corrigido por Condoleeza Rice, e foi definitivamente superado pelo Presidente Obama.
O internacionalismo multilateral e a solidariedade entre as democracias não são hoje menos importantes do que há dez anos. A crise das dívidas soberanas que afecta as democracias liberais - com particular, mas não exclusiva, incidência na zona euro - reclama uma resposta solidária e de vistas largas. A condução da Primavera Árabe para caminhos democráticos requer uma coesa liderança da diplomacia ocidental. E a gestão da emergência da China na arena internacional só será possível com uma sólida coesão das democracias liberais.
Estes são motivos acrescidos para recordar o 11 de Setembro como um ataque vil, não só contra a América, mas contra todo o Mundo Livre.
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