As três lições da crise
JOÃO CÉSAR DAS NEVES DN 2011-09-26
Há três anos, o mundo mudou. A falência do Lehman Brothers e as semanas incríveis que se lhe seguiram criaram uma nova realidade económica. Este é o mito oficial, mas de facto as coisas não são assim. O mundo continua mais ou menos como era: sempre em mudança. Esses momentos de tensão apenas nos relembraram algumas lições que andavam muito esquecidas, e que são também muito úteis no actual momento da crise nacional.
A primeira coisa que aprendemos é que a humanidade não consegue evitar cair em períodos de delírio colectivo. Por mais sofisticadas que sejam as leis e instituições, por mais avançada que esteja a civilização e a sociedade, uma euforia será sempre imparável; até ao colapso fatal. A história regista múltiplas bolhas especulativas, alimentadas por ilusões infantis. Este tempo tecnológico, com sofisticadíssimos mercados de hipotecas e derivados, esqueceu a lição e caiu de novo na esparrela. Temos de admitir que se trata, não de uma doença evitável, mas de um traço de carácter da raça humana que sempre ressurgirá.
Mas o mal tem cura. Os últimos anos também mostraram que a política económica, se não consegue evitar a crise, possui meios que lhe reduzem muito as consequências. O maior choque financeiro de sempre acabou com efeitos muito inferiores ao previsto. Os actuais sofrimentos sociais, indiscutivelmente violentos, nunca atingiram a justamente anunciada derrocada estrutural.
A terceira lição, que domina a situação presente, é o valor da solidariedade, pois conflitos e suspeitas podem criar recaídas. A luta partidária no Congresso americano gera a incerteza que já levou à histórica descida do rating soberano. Na Europa, após o endividamento excessivo de alguns, que constituiu forte quebra de solidariedade dentro do euro, vive-se hoje a dificuldade de encontrar uma solução solidária que salve o projecto comum.
Portugal é um dos protagonistas da crise global. Apesar de alheio ao subprime americano que precipitou o estoiro original, a fragilidade da sua "década perdida" acabou por colocá-lo no centro do segundo episódio, o dominó das dívidas soberanas. Agora, enfrentando a difícil terapêutica de ajustamento, as mesmas três lições são muito úteis a cada um dos três grupos nacionais: público, governantes e analistas.
A euforia que alimentou a nossa bolha foi mais longa e subtil que a americana. O País viveu acima das suas posses durante quinze anos, desde que a candidatura ao euro lhe deu acesso a crédito fácil. Agora, a mesma tolice da facilidade manifesta-se na frase mais repetida: "Portugal tem de cortar despesa, mas aqui é injusto." Ora é precisamente aí, e em todo o lado, que se deve cortar até doer. Só assim voltaremos a ser um país equilibrado.
Os novos governantes vêm embuídos de espírito reformador e apostados em cumprir o forte programa de austeridade. Mas só terão êxito se conseguirem evitar cair nos dois extremos fatais: ser capturado pela máquina ou triturado por ela. Um ministro só consegue resultados através do seu ministério. A fraqueza dos antecessores acabou dominada pelos interesses instalados, criando a espiral de dívida. Agora é preciso retomar o propósito do bem comum, mas sem hostilizar os mecanismos públicos que o servem. É preciso emagrecer o Estado, não só para perder peso mas para ser mais eficaz.
Finalmente, todos temos de aprender a lição da solidariedade. Aqui, o pior veneno são as pomposas análises que repetem vir aí forte conflitualidade nacional. Tais afirmações, além de irresponsáveis, são simplistas. Explosões sociais acontecem, não quando se perde muito mas quando não há mais nada a perder. A maioria dos portugueses, apesar do que sofre, sabe que não deve arriscar o resto em aventuras tolas.
Nos últimos três anos, o mundo reaprendeu três coisas: que quem faz tolices perde, que já sabemos tratar as crises e que no mundo globalizado estamos todos no mesmo barco. Portugal tem agora de mostrar ao mundo o valor dessas lições, vencendo o desafio da austeridade para lançar o próximo ciclo de progresso.
naohaalmocosgratis@ucp.pt
Há três anos, o mundo mudou. A falência do Lehman Brothers e as semanas incríveis que se lhe seguiram criaram uma nova realidade económica. Este é o mito oficial, mas de facto as coisas não são assim. O mundo continua mais ou menos como era: sempre em mudança. Esses momentos de tensão apenas nos relembraram algumas lições que andavam muito esquecidas, e que são também muito úteis no actual momento da crise nacional.
A primeira coisa que aprendemos é que a humanidade não consegue evitar cair em períodos de delírio colectivo. Por mais sofisticadas que sejam as leis e instituições, por mais avançada que esteja a civilização e a sociedade, uma euforia será sempre imparável; até ao colapso fatal. A história regista múltiplas bolhas especulativas, alimentadas por ilusões infantis. Este tempo tecnológico, com sofisticadíssimos mercados de hipotecas e derivados, esqueceu a lição e caiu de novo na esparrela. Temos de admitir que se trata, não de uma doença evitável, mas de um traço de carácter da raça humana que sempre ressurgirá.
Mas o mal tem cura. Os últimos anos também mostraram que a política económica, se não consegue evitar a crise, possui meios que lhe reduzem muito as consequências. O maior choque financeiro de sempre acabou com efeitos muito inferiores ao previsto. Os actuais sofrimentos sociais, indiscutivelmente violentos, nunca atingiram a justamente anunciada derrocada estrutural.
A terceira lição, que domina a situação presente, é o valor da solidariedade, pois conflitos e suspeitas podem criar recaídas. A luta partidária no Congresso americano gera a incerteza que já levou à histórica descida do rating soberano. Na Europa, após o endividamento excessivo de alguns, que constituiu forte quebra de solidariedade dentro do euro, vive-se hoje a dificuldade de encontrar uma solução solidária que salve o projecto comum.
Portugal é um dos protagonistas da crise global. Apesar de alheio ao subprime americano que precipitou o estoiro original, a fragilidade da sua "década perdida" acabou por colocá-lo no centro do segundo episódio, o dominó das dívidas soberanas. Agora, enfrentando a difícil terapêutica de ajustamento, as mesmas três lições são muito úteis a cada um dos três grupos nacionais: público, governantes e analistas.
A euforia que alimentou a nossa bolha foi mais longa e subtil que a americana. O País viveu acima das suas posses durante quinze anos, desde que a candidatura ao euro lhe deu acesso a crédito fácil. Agora, a mesma tolice da facilidade manifesta-se na frase mais repetida: "Portugal tem de cortar despesa, mas aqui é injusto." Ora é precisamente aí, e em todo o lado, que se deve cortar até doer. Só assim voltaremos a ser um país equilibrado.
Os novos governantes vêm embuídos de espírito reformador e apostados em cumprir o forte programa de austeridade. Mas só terão êxito se conseguirem evitar cair nos dois extremos fatais: ser capturado pela máquina ou triturado por ela. Um ministro só consegue resultados através do seu ministério. A fraqueza dos antecessores acabou dominada pelos interesses instalados, criando a espiral de dívida. Agora é preciso retomar o propósito do bem comum, mas sem hostilizar os mecanismos públicos que o servem. É preciso emagrecer o Estado, não só para perder peso mas para ser mais eficaz.
Finalmente, todos temos de aprender a lição da solidariedade. Aqui, o pior veneno são as pomposas análises que repetem vir aí forte conflitualidade nacional. Tais afirmações, além de irresponsáveis, são simplistas. Explosões sociais acontecem, não quando se perde muito mas quando não há mais nada a perder. A maioria dos portugueses, apesar do que sofre, sabe que não deve arriscar o resto em aventuras tolas.
Nos últimos três anos, o mundo reaprendeu três coisas: que quem faz tolices perde, que já sabemos tratar as crises e que no mundo globalizado estamos todos no mesmo barco. Portugal tem agora de mostrar ao mundo o valor dessas lições, vencendo o desafio da austeridade para lançar o próximo ciclo de progresso.
naohaalmocosgratis@ucp.pt
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