Um fim de semana em Moscovo

JN 20100711, Zita Seabra
Finalmente voltei a Moscovo numa curta visita de um fim-de-semana maior. Tinha estado na Rússia em plena Perestroika, em 1989, e nunca mais tive coragem de voltar. No ano passado, no Verão, estive muito de passagem em S. Petersburgo e gostei tanto da "nova" cidade que, desde aí, mantive o desejo de voltar a Moscovo, onde tinha estado pela última vez para assistir e escrever sobre as primeiras eleições livres da Rússia (na altura, ainda URSS). O marido ofereceu-me a viagem de prenda de anos.
Chegámos de noite, dormi pouco e numa manhã banhada por um sol acolhedor e uma temperatura magnífica preparei-me para voltar à Praça Vermelha. Partimos do hotel com o amigo de sempre José Milhazes, na disposição de encontrar as mudanças destes anos de Rússia livre. Passei à porta do Museu do Gulag mas comecei a visita, como era obrigatório, pela Praça Vermelha. Ao entrar, deparei com uma igreja nova, de Nossa Senhora de Kazan, pequena e cheia de charme, que lá não existia e onde decorria uma missa de rito ortodoxo, com um lindíssimo coro de "baixos" que só na Rússia se conseguem ouvir. Voltava ao seu local a Igreja de Nossa Senhora de Kazan que Estaline mandou destruir, a do famoso ícone que esteve em Fátima e João Paulo II devolveu aos Ortodoxos. Tinha sido destruída porque incomodava as entradas na Praça Vermelha das paradas militares que assinalavam a Revolução de Outubro.
A seu lado, os Armazéns do Povo, agora transformados num lindíssimo centro comercial cheio de lojas de todas as marcas do Mundo. Os Armazéns do Povo, que tinham um andar reservado à nomenklatura e o resto cheio de coisas horríveis em gosto e em qualidade, podiam agora ser montras da 5.ª Avenida de Nova Iorque.
No centro da Praça, uma espécie de feira de diversões e comida que retirava toda a solenidade ao túmulo de Lenin. Resta pouco da Rússia comunista. É certo que está lá o Mausoléu, mas já não tem a fila das visitas nem os guardas com a pompa e circunstância dos velhos tempos. Mesmo a muralha do Kremlin já não tem a solenidade de encerrar o coração do comunismo mundial, sendo apenas uma sala de visitas onde brilham as cúpulas douradas das igrejas restauradas, guardadas pelo voo de falcões. Na muralha ficaram as estrelas de cinco pontas, velho símbolo do internacionalismo proletário, mas desapareceram as foices e os martelos.
Estão lá os túmulos de Estaline, de Molotov, ou de Suslov (o amigo de sempre de Cunhal), mas agora numa praça onde se pode beber Coca-Cola enquanto se olha um palco com jovens músicos que gritam e dançam ao ritmo de sons iguais aos que se ouvem em qualquer outra praça de capital europeia.
Encontrei Moscovo cheia de esplanadas, de restaurantes, de teatros, de museus onde se pode ver Chagal, ou Kandinsky, ou ícones de Rubluv, uma cidade nova, cheia de cúpulas douradas que tinham sido destruídas. Também as torres dos sinos e os edifícios que serviam de armazéns voltaram a ser abertas ao culto, dando-nos a sensação que Moscovo se encheu subitamente de igrejas. A mais simbólica, a de Cristo Redentor, que assinala a vitória do povo russo sobre Napoleão, foi destruída à bomba por Estaline para lá colocar uma estátua de Lenin, mas acabou numa piscina. Voltou a ser a basílica antiga já não com o mármore inicial (esse serviu para construir estações de metro, com mão-de-obra dos campos de presos políticos) das redondezas, mas numa reconstrução que em muito se aproxima ao que era a basílica-mãe da Igreja Ortodoxa russa.
Não é fácil transitar de mais de 60 anos de completa colectivização dos meios de produção e de ditadura do "proletariado" para a normalidade de um país ocidental. Mas Moscovo é hoje uma cidade com poucas marcas do passado comunista e que vive entre o reencontrar da velha alma russa e a vontade de olhar o futuro assente nos valores da normalidade da liberdade. E no Ballet Bolshoi ainda dançam como mais ninguém no Mundo.

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