A política de emergência


Público, 20100720 Pedro Lomba

Bem sei que a cena tem sido explorada para cantigas de escárnio e mal dizer. Paulo Portas, no Parlamento, chefe de um partido com 11 por cento dos votos, a pedir à maioria do mais prepotente Governo que já tivemos que mude de primeiro-ministro para abrir caminho a uma coligação PS-PSD-CDS. Estávamos mesmo a ver que a proposta iria ser recebida com o cinismo de serviço; e estávamos mesmo a ver que PCP e Bloco de Esquerda iriam gostar dela, por se sentirem desconvidados.

Já fui crítico de Paulo Portas muitas vezes. Isso não importa agora. Digo-vos porém que este apelo de Portas a que o Parlamento crie condições para uma grande coligação me pareceu tudo menos digno de riso. Podemos discordar do momento e do método como ele a apresentou. Podemos discutir as suas intenções. Mas, cálculos à parte, penso que Portas verbalizou o sentimento de muitos portugueses que estão fartos do estado de impotência e chantagem a que chegou a nossa política.

O raciocínio desses portugueses é o seguinte: se estamos a passar por um período de austeridade económica sem precedentes, se vamos perder nível de vida, se vamos sofrer na pele desvios persistentes em relação à Europa, se nos preparamos para atravessar um período difícil, não haverá motivos de sobra para sermos governados também em circunstâncias extraordinárias? E por que esperam os partidos? Para tempos extraordinários, não bastam governos triviais fazendo a politiquice de sempre. São precisos governos em condições de emergência.

Estas condições indubitavelmente existem. Depois de uma década perdida, preparamo-nos para outra a marcar passo. Não iremos crescer nada que se veja, nada que sustente o nosso modo de vida. O destino é o empobrecimento das classes médias, a acentuação da desigualdade social e, como para muitos já está a ser, a nova emigração.

O Governo, entretanto, gastou-se. Sócrates não consegue governar em minoria, ou não quer governar em minoria. Prometeu, antes das eleições, o paraíso e acabou a oferecer o inferno dos PEC, do aumento de impostos, da subida do desemprego, da dívida, da sensação difusa de que o pior ainda está para vir. E podíamos acrescentar os factos mais desprimorosos da sua conduta que, fosse a política uma profissão sujeita a um código deontológico, dariam para o primeiro-ministro sofrer o seu próprio exílio de Elba, inibido de exercer cargos públicos durante largos anos.

Se estas não são condições para uma emergência política, não sei que condições podem existir. De certa forma, o espírito de emergência já existe na cabeça do PS e dos seus dirigentes. Foi assim que Teixeira dos Santos pretendeu justificar o aumento retroactivo dos impostos. Mas, perante isto, o PS adia o problema. É ele, Sócrates, o primeiro interessado numa instabilidade política que possa envenenar o país e permitir o passar de culpas. O PSD segue à risca o seu calendário. E Bloco e PCP acenam com a expectativa do "governo da rua". O eleitorado está dividido e apático, como o demonstram as sondagens. E um eleitorado dividido não é bom para a governabilidade.

Aquilo que Portas formulou foi nem mais nem menos do que um apelo a uma política de emergência. Dificilmente essa política poderá ser monopartidária, porque nenhum partido sozinho, sobretudo se for o PSD ou o CDS, conseguirá a legitimidade necessária para a impor ao resto do país sem grandes resistências do "governo da rua". Uma política de emergência tem de se basear num consenso de emergência intrapartidário. É verdade que esse consenso deveria estar aberto a todos os partidos. Mas não tenhamos ilusões: estarão PCP e Bloco em condições para o aceitar?

Num tempo extraordinário, corremos o risco de temos um governo que não quer governar (como o actual) ou um governo que pode ser impedido de governar (um PSD em minoria), sabotado em permanência pelo "governo da rua". A escolha que temos pela frente é só uma: ou teremos governo, ou não teremos. Em vez de olharem para o próprio umbigo, seria bom que PS, PSD e CDS tratassem de fazer o consenso que permitisse formar um. Jurista

Comentários

Mensagens populares deste blogue

OS JOVENS DE HOJE segundo Sócrates

Hino da Padroeira

O passeio de Santo António