O antibiótico

JOÃO CÉSAR DAS NEVES

DN2010.07.26

Portugal sofre neste momento três gripes acumuladas. Daí o mal-estar, dores de cabeça, náuseas, paralisia. Em vez de remédios improvisados, era bom usar antibiótico.

Todos sabemos que apanhámos a gripe grega. Os credores assustaram-se com a dívida pública excessiva e descontrolada e ameaçam perder a confiança. Embora localizada só nas fossas nasais, a constipação influencia toda a economia com subida dos juros, bloqueio financeiro, degradação da credibilidade e falta de dinamismo.

Pior é que também sofremos de uma variante da gripe americana. Não apenas o Estado está endividado, mas toda a economia se deixou deslumbrar com a facilidade do crédito. Nos EUA foi o sub-prime, por cá foi a descida das taxas por causa do euro. Agora os consumidores, apertados pelos juros antigos, não têm poder de compra, como as empresas não se atrevem a investir. Isso cria febre, perda de apetite, tonturas, dores por todo o corpo.

Essas duas gripes, apenas financeiras, são sérias mas passageiras. Pior é termos também uma forma da gripe europeia, estrutural e em dose bastante virulenta. A actividade económica está estrangulada por bloqueios sociais e políticos, num momento de reestruturação mundial em que precisava de agilidade. Não é apenas o peso esmagador dos impostos e o entorpecimento da burocracia, mas toda uma portentosa máquina que, em nome de louváveis finalidades e múltiplos interesses, vigia, ameaça, castiga, multa, prende, amarra quem quer que queira trabalhar e produzir.

As leis laborais impedem o ajustamento das empresas, mas são apenas uma pequena parte do enorme emaranhado de decretos, portarias, directivas e regulamentos que as paralisam. Exércitos de fiscais e inspectores castigam quem produz. Das regras ambientais à defesa do consumidor, das posturas camarárias ao ordenamento do território, do combate ao tabagismo, discriminação, poluição e injustiça à promoção da criatividade, juventude, biodiversidade e cultura, tudo serve para encarecer ou bloquear a iniciativa.

Além disso, para desenvolver a economia, o Estado distorce-a protegendo os sectores que acarinha. Construção, comunicações, bancos e energia têm mercado seguro, benefícios blindados, lucros garantidos. Não admira que prosperem e atraiam os melhores cérebros e investimentos, secando o resto. Quanto mais o Estado promove o desenvolvimento mais ele definha. Atacando o cérebro e o coração, esta gripe gera delírio, palpitações e paralisia, ameaçando a própria sobrevivência nacional.

Embora diferentes na localização e sintomas, as três gripes têm identificado um vírus comum. É a ânsia da vida fácil, o mito da riqueza sem esforço, a ilusão de pertencer ao clube sem pagar a jóia. Isto não é só nos maus e corruptos, mas em todos. Participando na União Europeia, adquirimos exigências sem meios para as suportar. Os sindicatos querem salários europeus, os consumidores ambições europeias, os cidadãos reclamações comunitárias. Há é poucas empresas e produtividades de nível europeu. Leis, despesas públicas, e até os salários e consumos ajustaram-se facilmente aos níveis da União. As capacidades, resultados e serviços é que não.

As gripes juntas criam situação grave. O tratamento eficaz impõe jejum e disciplina para regressar à solidez e credibilidade indispensáveis para relançar o desenvolvimento. Há que cortar ilusões, exigências, mas também salários, pensões, subsídios, benesses, direitos, ajustando à disponibilidade de recursos. Não é preciso cortar muito, apenas equilibrar. Quando mais depressa e mais abrangente, melhor e mais justo.

Todos sabem o que há a fazer mas nenhum político sensato quer as culpas de o aplicar. Por isso se perde tempo em debates espúrios e mezinhas débeis e provisórias. Mas existe um antibiótico para esse vírus: o FMI. A grande vantagem é que ele fica com as culpas. Os cidadãos aceitam a austeridade e não acusam o Governo, deixando incólumes os políticos locais.

O diagnóstico está feito, a terapêutica preparada, o remédio seleccionado. Só falta cumprir a prescrição.

naohaalmocosgratis@fcee.ucp.pt

 

Comentários

Mensagens populares deste blogue

OS JOVENS DE HOJE segundo Sócrates

Hino da Padroeira

O passeio de Santo António