Constituição e a liberdade do presente e do futuro
DE, 31/07/10 00:01 | José Ribeiro e Castro
Com uma Constituição que, a caminho de 2011, afirma, no Preâmbulo, a “decisão” (sic) de “abrir caminho para uma sociedade socialista”, só podemos sorrir com a fingida indignação de José Sócrates contra a “ameaça ultraliberal” na revisão constitucional de Passos Coelho. A frase, aliás, é de gargalhada.
O PS perdeu a noção das proporções. Pratica o superlativo no gargarejo , como cosmética do seu Governo negativo. Flagela todos os dias o Estado Social, mas aprecia pretextar-se seu único paladino.
O PSD não foi feliz no tempo de entrada. Falhou nas propostas para o sistema político, contraditórias e desnecessárias ou negativas. E também quanto à Constituição económica e social, ao confundir planos. Mas daí até favorecer o discurso do PS vai a distância entre a esclerose do passado e a esperança de um futuro melhor. Passos Coelho tem a coragem de enfrentar o problema.
O discurso do PS exibe-se entre o Neandertal e o Cro-Magnon do pensamento constitucional. Eu não sou liberal, mas tomara Portugal ter uma Constituição liberal, como muitas democracias do mundo - incluindo as mais antigas e estáveis. E prósperas. Há boas razões históricas para isso: no Estado moderno, liberalismo e constitucionalismo são irmãos gémeos, contemporâneos. Com uma Constituição liberal, podem governar sem problemas não só liberais, mas também conservadores, democratas-cristãos, socialistas, sociais-democratas, até comunistas. Ao passo que, com uma Constituição socialista, só socialistas e comunistas estão no seu ambiente - todos os outros ficam amputados na sua acção política.
Uma Constituição liberal é a mais aberta e inclusiva que existe. Aquela que reserva o essencial das decisões políticas programáticas para o povo - em vez de para os juízes.
Em 2002, o Tribunal Constitucional chumbou a reforma do Rendimento Mínimo Garantido para não ser atribuível aos 18 anos de idade, mas apenas aos 25. Fê-lo em nome de um tal "princípio de não-retrocesso social", a fatiota jurídica das "conquistas da Revolução". Concorde-se, ou não, com aquela ideia, um país em que um Governo legítimo e uma maioria parlamentar não podem regular o rendimento mínimo respira democracia? Não! É de sentido único. Tem o destino traçado.
Uma Constituição liberal não impõe o liberalismo - e esse foi o estrabismo de certas propostas PSD. A questão não é substituir termos ditos "socializantes" por "liberalizantes". Não é trocar uma cartilha por outra. É não ser cartilha. Exemplo: é absurdo substituir por "razão atendível" o conceito consagrado de "justa causa" - um princípio geral de Direito, mesmo se não escrito na Constituição. Mas já faz sentido discutir se o Direito do Trabalho deve estar fixado na Constituição e, portanto, se essas matérias devem continuar lá ou serem desconstitucionalizadas. Essas e outras.
Uma Constituição liberal é uma Constituição que percebe isto: quanto mais escrever, mais serão os juízes a decidir e menos os cidadãos. Opta pela cidadania, pelo povo. Acredita nas eleições. Liberta o presente e o futuro. Abre a política para a política, em vez de a encerrar no Direito. Não impede o devir democrático da História.
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José Ribeiro e Castro, Deputado pelo CDS
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