Cavaco, tão perto e tão longe?

Expresso, 20100731,  José Ribeiro e Castro

Para a direita, o centro-direita, e o centro não capturado pela esquerda, estes meses surgiram diferentes do que se previa: um futuro sem Cavaco, ou com Cavaco cativo do eleitorado PS. Não é famoso. Se Cavaco Silva tivesse vetado a lei do casamento homossexual, a questão provavelmente não teria surgido. Mas, após 17 de Maio, tudo ficou mais incerto: não porque se apresentasse outro candidato, mas porque Cavaco Silva deslocou-se de sítio, de referência e de eleitorado.
Em 2006, Cavaco ganhou à primeira volta por 35 mil votos. Não foi grande folga. E alguns inquéritos mostram duas coisas: um declínio do apelo eleitoral e a deslocação para a esquerda do seu eleitorado, tornando-o mais dependente de votos PS para uma reeleição.  Os inquéritos Aximage/Correio da Manhã ilustram-no: Cavaco vencia com 60 por cento em Janeiro, com 56 em Março, só com 53 em Junho; e o voto socialista em Cavaco fez-se indispensável, havendo mais eleitores PS a votar Cavaco (36,6%) do que Alegre (34,2%).
Muitos repetem que, numa 2ª volta, Cavaco perde. Isso demonstra uma confrangedora falta de confiança. E assenta em premissas totalmente falsas. Nestes sistemas eleitorais, pode dizer-se quase de ciência certa que quem não ganha uma segunda volta, não é eleito certamente à primeira – e quem ganha logo à primeira, ganharia seguramente a segunda. A questão verdadeira é, portanto, outra: se, pelos seus actos, Cavaco Silva enfraqueceu ou alienou a possibilidade de ser reeleito à primeira volta, o que é melhor para fortalecer as hipóteses de eleição à segunda? Mais candidatos nesse espaço? Ou o monopólio cavaquista? A resposta temo-la na dinâmica natural destes sistemas, incluindo no único caso ocorrido em Portugal: a pluralidade de candidaturas representativas num dado espaço eleitoral favorece a sua mobilização e competitividade; e potencia a sua vitória à segunda volta. Em 1986, Freitas do Amaral não teve mais ninguém no seu espaço de captação eleitoral: liderou folgado à primeira volta; mas perdeu à segunda. Em 1986, só houve segunda volta à esquerda – resultado: a esquerda ganhou.
Ou seja, se o centro e a direita querem vencer as próximas presidenciais e, depois, terem um Presidente do seu espaço e não do outro, podem ter mais hipóteses com diferentes candidatos do que com a suave espera cavaquista. Pode ser mais seguro ser da maioria presidencial à segunda do que à primeira.
O caso simbólico do não-veto não foi apenas isso, mas o despertador de mais desapontamentos adormecidos: a forma como visitou a Madeira, recebendo a oposição regional numa sala de hotel; o modo como se desenvolveu o diferendo no Estatuto dos Açores; o caso das escutas em Belém e o seu estrondo em cima da campanha do PSD, nas últimas legislativas; a não exigência do referendo ao Tratado Europeu, ao arrepio de todas as promessas eleitorais de 2005; o consentimento do governo minoritário de Sócrates. E, quando Marcelo Rebelo de Sousa, conselheiro de Estado designado por Cavaco, comentava, a propósito do funeral de Saramago, que "é mais importante ser-se Presidente do que os netinhos" – isso ilustra outra fraqueza: a quebra de autoridade externa.
Os desapontamentos feriram os sectores que mais acreditavam em Cavaco e que mais se bateriam quando as coisas apertassem. Agora, as coisas ficaram mais dependentes do cinismo dirigente e do calculismo de ocasião. Isto é mais fraco do que uma candidatura enraizada em convicções, sinceridade, identificação e esperança. Sobretudo é mais vulnerável e incerto. E, por isso, ficou mais complicado. E mais em aberto.
A seis meses de vista, num país em crise, confundido e descrente, estamos perto, mas tudo parece ainda tão longe. Falta entusiasmo, esperança, energia. E falta verdade.

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