Um Prémio Nobel com cada vez menos valor ?
José Pacheco Pereira
Público, 20091010
O que é que fez Obama a favor da paz, ou melhor, da Paz com letra grande? Nada
A atribuição do Prémio Nobel da Paz a um presidente americano muito em voga, mas desprovido de qualquer obra significativa quer a favor da paz, quer a favor de qualquer outra grande palavra daquelas que usou na sua retórica para ser eleito, mostra até que ponto a atribuição destes prémios está cada vez menos valorizada, quando não é contraditória. Esta decadência do valor simbólico dos prémios Nobel, muito evidente nos prémios mais politizados, ou dito de outro modo, mais subservientes ao politicamente correcto, como o da Literatura e da Paz, não é novidade, mas este ano exagerou-se até ao limite do absurdo. Obama recebe o Prémio Nobel porque é Obama, nada mais.
O que é que fez Obama a favor da paz, ou melhor, da Paz com letra grande? Nada. Pode-se até argumentar que exactamente a sua retórica pode ter feito mais mal à paz do que bem e é por ela, por essa retórica, em plena "obamania", que é premiado. Melhorou as relações transatlânticas? Sem dúvida, mas longe de lhes dar, também por incapacidade europeia, qualquer dinâmica de fundo a favor de um papel activo na prossecução da paz. A NATO permanece mais inerte do que viva, e partes substanciais do mundo continuam à espera de uma definição clara da política americana. As relações com a Federação Russa melhoraram? Alguma coisa, na base dos mesmos interesses comuns que já permitiam uma cooperação com a administração Bush. Mesmo África, onde se esperava maior investimento americano, não conheceu progressos.
Paz? Só no título do Prémio Nobel. Em todos os conflitos importantes em que os EUA, como a única grande democracia armada, tem um papel decisivo, ou não se avançou, ou se recuou para níveis mais perigosos de confrontação. Obama acelerou a retirada americana no Iraque, que tinha prometido imediata. Não cumpriu porque era impossível cumprir. E embora se esteja longe da imediaticidade das suas promessas, é possível duvidar se essa retirada apressada favorece mais a paz do que uma retirada atempada e programada, que consolidasse o novo regime iraquiano. Ainda não é possível fazer um balanço justo sobre a política de Obama no Iraque, mas isso não lhe fazia merecer qualquer Prémio Nobel.
O mesmo acontece no Afeganistão, o país onde Obama considerava prioritário investir os recursos que estavam comprometidos no Iraque. Pode ser que aí possa haver, a prazo, uma melhoria da situação militar e um aumento da estabilidade política, mas também é prematuro fazer qualquer julgamento. A grande diferença com a administração Bush é que agora, quando há "danos colaterais", ou seja mortes de civis inocentes em cenário de guerra, deixou de haver o clamor internacional que havia no tempo de Bush. Os jornalistas tornaram-se mais compreensivos com os americanos e os seus aliados na NATO, porque à frente está Obama e Obama, mesmo quando faz o mesmo que Bush, é um homem de Paz e não o cowboy texano sempre pronto a puxar da arma.
O mesmo preço perigoso da demagogia pacifista pode ser pago no caso do conflito israelo-palestiniano, onde o impasse continua e onde a tendência da actual administração para "punir" Israel com mão mais pesada do que o Hamas favorece um maior isolacionismo do Estado judaico e a instabilidade a prazo na região. Se associarmos a situação de impasse no Médio Oriente ao relógio, que marca as horas em negro, do programa de armamento do Irão, prestes a tornar-se uma potência nuclear, então não se avançou no caminho da paz. Bem pelo contrário, a aproximação diplomática frouxa, europeia e americana, unida no mesmo espírito "obamiano", está a permitir que o Irão caminhe no sentido de alterar completamente a balança de forças nessa parte mais que volátil do mundo, e a colocar Israel na obrigação de intervir militarmente para preservar o seu interesse vital.
O mesmo acontece no outro pólo de confrontação clássico da guerra fria, com o avanço do programa nuclear e de mísseis norte-coreano, com a realização de testes à revelia da comunidade internacional, ameaçando os países limítrofes, como a Coreia do Sul e o Japão. Aí também Obama pouco mais tem feito do que obter acordos conjunturais de muito curta duração, com quase nulo efeito sobre a beligerância norte-coreana. Como no Irão, há também aqui um relógio negro, cujos ponteiros avançam no caminho de dar um tempo precioso a um dos países do "Eixo do Mal" (lembram-se?) para fazer umupgrade da sua capacidade militar nuclear. É verdade que aqui Obama segue os passos de Bush, que também não avançou significativamente para travar os norte-coreanos. Só que Bush nunca receberia o Prémio Nobel da Paz pelo impasse político de significado estratégico na medida em que envolve a China, na região.
Pode dizer-se que nalguns destes conflitos houve circunstancialmente recuos e acordos pontuais de curta direcção, mas eles não são substancialmente distintos daqueles que a administração, tida como mais beligerante, de Bush tinha conseguido. A diferença substancial é que, mal ou bem, Bush era temido até por ser errático e não afastar a possibilidade de retaliação militar e Obama não o é de todo. Obama é "estimado", até ao dia em que a sua administração fique acossada e ele tenha que fazer alguma coisa após muita hesitação. É uma péssima atitude, porque a última coisa que é preciso no mundo dos dias de hoje é um presidente americano vedeta de todos os preconceitos "olímpicos" da esquerda europeia,bon chic bon genre, cheio de "atitude", mas dando um tempo precioso a estratégias confrontacionais nucleares, como a do Irão e da Coreia do Norte. Na verdade, Obama pagou este Prémio Nobel, enfraquecendo a capacidade dos EUA de funcionarem como um poder de dissuasão político e militar capaz, ou seja, favorecendo a guerra em vez da paz. Quando, mais cedo ou mais tarde, este período de aparente graça e vazio terminar, a fasquia do conflito estará muito mais elevada e nessa altura o diploma sueco do inventor da dinamite estável atribuído ao Presidente na moda pouco lhe servirá.
Historiador
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