A face da mediocridade
João César das Neves
DN 20091012
As legislativas confirmaram o que já se sabia: vivemos uma era de mediocridade. Depois da luta pela liberdade nos anos 70, do esforço para entrar na Europa nos anos 80 e das facilidades dos anos 90, caímos na actual apatia tonta que nos embaraça há dez anos. Sabemos ainda, com a vitória eleitoral, que esta inferioridade tem uma personificação. Se Mário Soares foi o rosto da liberdade, Cavaco a figura da modernidade e Guterres a cara da facilidade, José Sócrates é a face da mediocridade.
Será culpa dele? Não. Essa é precisamente a primeira dimensão da tacanhez actual. Todos acusam outros, sem assumir as próprias responsabilidades. As campanhas eleitorais mostraram que, sem ninguém saber a solução, todos conhecem o culpado e todos são acusados de o serem. Perde-se o tempo em críticas e certezas sem resposta. É verdade que o primeiro-ministro tem mais influência que os demais, mas, como os anteriores, está longe de ser o réu principal da era que não determina.
Será que o mal está na recessão mundial? Claro que não. Essa é a segunda dimensão da mesquinhez. A crise actual é séria, mas não tem efeitos sequer próximos das recessões de há 25 ou 35 anos. Já ninguém se lembra da miséria das quedas dos anos 70 ou 80. Aliás, a actual situação produtiva está longe de ser o problema dominante. Nós já estávamos em crise antes de cairmos na crise e para lá voltaremos depois de sairmos dela.
Portugal é hoje um país rico. Por isso é que não sabe o que há-de fazer.
Quando éramos pobres, achávamos que se um dia atingíssemos a prosperidade os problemas estariam todos resolvidos. Agora que cá chegámos reparamos que afinal os ricos também têm dificuldades. Crises de ricos não são mais agradáveis. São só diferentes e, para nós, desconhecidas. Não sabemos como lidar com elas. Todos notam que, apesar da crise, os divertimentos estão cheios, sem perceberem que falam de coisas diferentes. Vive-se melhor mas sofre-se na mesma. Antes as recessões batiam forte mas acabavam depressa. Desta vez estamos no pântano desde que o Eng. Guterres avisou que para lá íamos. E ele disse-o a 16 de Dezembro de 2001...
Será que a mediocridade é agravada pela futura minoria governamental? É evidente que não. Essa é a terceira dimensão da mesma mediocridade. O problema não é a falta de leis nem a má qualidade delas. A questão não se resolve com portarias ou programas. Se vivermos uns tempos com menos decretos, até somos capazes de melhorar. Os políticos não fazem ideia da causa da pasmaceira, como o mostram os discursos de ministros e candidatos. Nenhum anda sequer próximo de apontar as verdadeiras razões.
A questão é simplesmente que os portugueses deixaram de olhar para fora. Só contemplam o umbigo. Na ditadura, sonhavam com o império ou melhores dias. Depois, na era da liberdade, Portugal empolgou-se de valores abstractos. Na época do desenvolvimento assustou-se com as ameaças europeias. Até na era da facilidade se embebedou com benefícios do progresso. Agora deixou de ter impérios, ambições, desafios ou sequer desejos. Está mergulhado na intriga, palermice, acanhamento.
Portugal não tem projectos, tem direitos. Não enfrenta a globalização, salva empresas. Não aumenta a produtividade, desinfecta as mãos da gripe A. Não se governa o País, aumentam-se a dívida, as polémicas e as manchetes da edição matutina. É a era do crime da Casa Pia, da tacanhez da ASAE e da teima do TGV, da euforia balofa do Euro 2004 e das escutas que nunca houve. São os anos que o gafanhoto devorou. Inventam-se "casos" e depois faz-se um caso de eles serem negados. Os responsáveis são criticados por desmentir o que nunca disseram. E passa-se ao caso seguinte no carrossel da vacuidade.
Portugal viveu outras eras da mediocridade, em que esqueceu sonhos, perigos e até desejos para se perder em conflitos tolos e mexericos baixos, dançando na borda do vulcão. As caras dessa mediocridade foram Palmela e Saldanha, José Luciano e Hintze Ribeiro, Afonso Costa e Brito Camacho. Hoje, que somos ricos, a face é o Magalhães.
Comentários
A face da mediocridade
da nossa democracia,
revela uma sociedade
com faustosa iliteracia.
A mesquinha pasmaceira
deste regime embaraçado,
nutre a cultura trapaceira
de um sistema embaçado.
O carrossel de vacuidade
com animais acanhados,
gira a grande velocidade
sobre valores definhados.
II Parte
Como fraldas descartáveis
assim é a política nacional,
com discursos lamentáveis
de elevado odor irracional.
Por razões semelhantes
a mudança é fundamental,
com posturas humilhantes
da verborreia regimental.
A política “tabernizada”
e em estado miniatural,
tanta prosápia arrasada
pelo desarranjo cultural.
O serviço à comunidade
muitas vezes capcioso,
pois grassa a impunidade
do compadrio faccioso.
Para memória futura
sobre a crise orçamental,
será pesada a factura
do desvairo governamental.
É um défice de milhões
nas contas orçamentais,
com políticos trapalhões
e seus absurdos mentais.
Epílogo
Neste denso arvoredo
da nossa democracia,
um abominável desenredo
revelerá a plutocracia.