O lugar da fruta

Público 20110730  Miguel Esteves Cardoso

Quando eu era um catraio e não sabia ou suspeitava que o mundo inteiro estava à minha frente - ou ao meu lado, ou atrás de mim -, havia mercearias e havia praças (a que agora chamam mercados), mas, sobretudo, acima de tudo, ali perto de onde vivêssemos, havia lugares de fruta. Eram mais essenciais do que as padarias ou os talhos. Nos lugares de fruta compravam-se frutas, hortaliças, queijos e fiambres. Matavam-se coelhos. Lembro-me de ir ao lugar de frutas em São Pedro do Estoril mais perto da minha casa, a menos de cem metros, para comprar um coelho.
O homem do lugar de frutas ouviu-me e saiu de cena para dar uma pancada de morte, que ouvi. Voltou com um coelho despelado, ainda morno no saco de plástico. Senti-me um assassino encomendado. Desde então, só como coelho com a maior das culpas e a cada vez mais amarga memória daquele dia: quanto mais disfarçado e culturalmente justificado, melhor. Isto é, só como à caçador: a coisa, hipocritamente, que menos sou.
Faltam-nos nomes. Como se chama o lugar onde compramos os jornais e as revistas? É um quiosque? É uma tabacaria? É uma papelaria? É um ardina? Não é nada dessas coisas. O lugar de frutas diz tudo, recusando-se a dar-lhe um nome. Não é nem uma frutaria nem uma hortaliceira. É um nome agradavelmente errado - mas suficiente próximo. Sugiro, consciente que é horrível, "lugar de impressos". Dá para jornais, revistas, livros e panfletos. O segredo - o centro essencial - é lugar.

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