A Europa e Portugal ficaram mais pobres
Público 2011-07-11 João Carlos Espada
Otto von Habsburg simbolizava um mundo liberal e democrático, conservador e aristocrático, a que a I Guerra pôs termoOtto era o príncipe-herdeiro do Império Austro-Húngaro, filho do imperador Carlos I e da imperatriz Zita de Bourbon-Parma. Mas o império desagregou-se com a I Guerra e a nova república austríaca, muito zelosa dos seus imaginários pergaminhos igualitários, baniu os Habsburgos dos seus títulos nobiliárquicos. A família exilou-se na Madeira, onde o antigo imperador morreu em 1922.
Otto permaneceu toda a vida católico, liberal, democrata e europeísta, além de atlantista. Admirava a monarquia constitucional inglesa e a tradição gradualista dos povos de língua inglesa, incluindo a República americana. Mas, se foi possível importar para o continente europeu os princípios constitucionais da língua inglesa, não foi possível replicar no continente o sentido de humor, o horror ao fanatismo e o espírito de compromisso e moderação dos ingleses. A Europa do século XX caiu vítima de líderes ordinários de sinal contrário: Hitler e Mussolini de um lado, Lenine e Staline do outro, competiram entre si na manipulação de massas ululantes, de braço estendido ou de punho erguido, com trajes de mau gosto.
Otto denunciou com horror os dois totalitarismos de sinal contrário. Recusou-se a cumprimentar Hitler na sua Áustria natal - que em breve iria acolher de bandeja a anexação pelo cabo Hitler. Otto foi condenado à morte pelo III Reich e exilou-se em França, de onde escapou das tropas germânicas para novo exílio nos EUA.
Após a II Guerra, Otto regressou à Europa e, com Winston Churchill, encabeçou os movimentos favoráveis à reunificação europeia e à reconciliação franco-alemã. Presidiu à União Pan-Europeia, entre 1973 e 2004, e foi deputado ao Parlamento europeu, pelo partido social-cristão da Baviera, entre 1979 e 1999. Em 1960, aderira à Mont-Pélerin Society, um clube euro-americano de liberais, fundado em 1946 por Friedrich A. Hayek e Karl Popper, entre outros.
Tive o privilégio de o conhecer, ainda que fugazmente, quando discursou na Universidade Católica em Lisboa, em 2005, a convite do reitor, Manuel Braga da Cruz. Foi uma intervenção memorável, em defesa da liberdade, da democracia, da dimensão cristã da civilização europeia, e da nova União Europeia alargada aos países da Europa central e oriental.
Otto von Habsburg era um dos últimos grandes representantes de uma nobre tradição liberal e aristocrática europeia, de que Winston Churchill foi líder no século XX. Ambos aceitavam - e defenderam com vigor - a democracia moderna, sem contudo se renderem às modas igualitárias e às vulgaridades ideológicas. Conta-se que um dia, em Bruxelas, quando alguém lhe disse que ia assistir a um jogo de futebol, Otto terá perguntado "entre quem?". "A Áustria e a Hungria", foi a resposta. Ao que ele terá ripostado: "Contra quem?"
A notícia da morte de Otto von Habsburg colheu-nos na mesma semana em que duas personalidades marcantes nacionais faleceram prematuramente: Maria José Avillez Nogueira Pinto e Diogo Vasconcelos.
Conheci mais de perto o Diogo, que foi meu aluno num dos primeiros programas de mestrado do IEP-UCP, em 1997-98. Era um jovem brilhante, cheio de energia e espírito empreendedor, com uma larga visão e uma grande ambição para Portugal.
Conheci Maria José sobretudo através do marido, Jaime Nogueira Pinto, e de sua filha Teresa, que também foi aluna do IEP. Mas todos conhecíamos a sua personalidade pública, afirmativa e inspiradora, de uma grande senhora.
Parafraseando um "post" de João Vacas no blogue 31 da armada, é bem verdade que, nesta semana, a Europa e Portugal ficaram mais pobres. Director do Instituto de Estudos Políticos da Universidade Católica Portuguesa; titular da cátedra European Parliament/Bronislaw Geremek in European Civilization no Colégio da Europa, Campus de Natolin, Varsóvia
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