Não há cura
NUNO ROGEIRO 13.01.2019 FACEBOOK
Pode-se ser católico e jornalista.
Ou psicólogo e católico.
O que não se pode é confundir o público, nem usar meios não consentidos de gravação, a não ser que se prove a defesa do interesse geral e o risco de segurança para os envolvidos (a.14 f, do Estatuto do Jornalista).
Essa é a barreira deontológica.
A mais grave, porém, é a do 199 do Código Penal, que proíbe a gravação e tomada de imagens sem consentimento de conversas não destinadas ao uso público.
Não há aqui excepções.
No fundo, trata-se de proteger uma série de direitos fundamentais, incluindo o da imagem, bom nome, religião, profissão, reserva da vida privada, etc.
O que seria se estes travões de uma sociedade decente passassem a ser alegremente violados, transformando-se o meio nacional numa tribo de alcoviteiros?
O que seria, por exemplo, se as televisões ou jornais rivais gravassem secretamente conversas privadas, confidências, pilhérias, vilipêndios e desabafos das redacções?
Cala-te, boca.
O crime, diga-se ainda, é extensível ao que divulga o acto ilícito. De nada serve não identificar o autor material directo da delinquência.
Estes os pecados mortais. Depois, os veniais:
*A televisão em causa causou alarme ao falar de uma «sociedade secreta» que pressionaria os homosexuais à «cura», sem que tenha demonstrado o secretismo, a coacção ou sequer a menção de uma «cura». Cheguei a pensar que não era incompetência mas gralha, e que se queria dizer «grupo do cura».
*É caricato que a palavra «conversão», no seio de um grupo pastoral católico, tenha sido interpretada como «terapia».
*É caricata a referência ao grupo «secreto» de «cura», quando a única clandestinidade foi a da gravação ilegal por um falso jornalista.
*É mentiroso referir-se que o encontro pastoral, numa igreja, fosse uma sessão profissional de terapia psicológica ou psiquiátrica.
*É também mentirosa a insinuação de que o conteúdo que foi gravado, «nalguns países é tratado como crime». Os autores da reportagem sabem que só há um delito aqui, o da própria.
*O crime agrava-se com a gravação também ilegal de uma consulta profissional.
Tudo isto é independente da concordância ou discordância com as palavras, as opiniões e os conteúdos proferidos pelas pessoas agredidas, que não conheço aliás de sítio nenhum, e às quais nenhum interesse ou doutrina me liga.
Tudo isto é também independente de grandes tiradas sobre as intenções - aparentes ou últimas - do programa, dos acusadores e dos agredidos. Não vou por aí, nem me interessa.
Por fim, sei muito bem o que penso sobre o assunto central debatido, mas não o digo. Não vem a propósito.
A televisão em causa pode estar irritada com a perda de audiências, pela transferência da sua maior estrela. Mas só perde mais se recorrer a estes métodos desesperados, menorizando o grande jornalismo que se sabe fazer em muitos sectores daquela casa.
Tenho muitos amigos na TVI, e respeito muito a estação, com a qual aliás já colaborei, mas ficava de mal comigo se não escrevesse isto.
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