Nada mais

PEDRO PICOITO   11.01.2019    CORTA-FITAS.BLOGSPOT.COM

Alertado por alguns comentários no Facebook, fui ver a já célebre reportagem da TVI sobre a não menos célebre terapia da psicóloga Maria José Vilaça para "converter" homossexuais. Antes de mais, duas ressalvas. Primeira: este é um daqueles posts que preferia não escrever porque o tema é complexo, foge à simplificação das redes sociais e só me vai trazer dissabores. Segunda: conheço a Dra. Maria José Vilaça e, mesmo que não conhecesse, tenho fraco apreço por linchamentos públicos, com ou sem fogueiras. Não esperem, portanto, que vá dar uma no cravo e outra na ferradura só para parecer tolerante. De qualquer modo, tenho a pele dura, já perdi a ilusão de agradar a toda gente e prefiro chatices mediáticas a silêncios cúmplices. 
Indo directo ao assunto, a reportagem é sensacionalista (com uma musiquinha de fundo que parece saída do Tubarão do Spielberg), cínica ("salvar almas perdidas"? pleeease...) e ofensiva para os católicos. Chocaram-me, muito em particular, as filmagens ocultas no confessionário. O segredo de confissão é uma das coisas mais sagradas do catolicismo e quebrá-lo é um gravíssimo pecado. É um exemplo de manual do que se pode considerar um sacrilégio. Revelar o que se passa num confessionário sem autorização da competente autoridade eclesiástica (uma situação tão bizarra, aliás, que deu para o Hitchcock fazer um filme) é tão grave como profanar a Eucaristia ou matar a tiro Monsenhor Romero no altar. Que a jornalista Ana Leal não veja isto, ao mesmo tempo que se diz católica praticante, não é só um problema dela. É também um problema meu, que me sinto ofendido pelo abuso de confiança especialmente canalha de quem filmou as imagens e as editou. E duvido que os padres entrevistados às claras, num truque tão velho como pueril para dividir a Igreja em bons e maus, concordem com este tipo de "jornalismo". Já nem falo da violação da confidencialidade relativa às sessões de terapia. Compreendo que nem todos tenham a minha sensibilidade religiosa. O que não compreendo é que, em nome da tolerância, se desrespeitem as convicções mais profundas de milhões de pessoas.
Isto bastaria para tornar a reportagem repugnante. Mas há mais. Pela maneira como é montada, fica-se com a impressão de que as pessoas expostas à terapia são sujeitas a uma espécia de lavagem cerebral. Ora, convém lembrar que, mesmo que a terapia seja discutível do ponto de vista científico (e em psicologia, para não dizer em ciência, o que é que está acima de discussão?), os "pacientes"  seguem-na de livre vontade. Ninguém os obriga a participar nas sessões organizadas, a acatar os conselhos dados ou a concordar com o que lhes dizem. Nem poderia ser de outra forma. Há muito que a homossexualidade deixou de ser crime em Portugal (embora não no Irão, na Arábia Saudita, na Indonésia e em vários países simpáticos que aguardam a visita de Ana Leal). Sugerir que pessoas adultas, livres, conscientes, com uma vida sexual activa, estão a ser forçadas seja ao que for é um insulto à sua inteligência e à nossa. Talvez para espanto de muitos, há mesmo homossexuais que querem deixar de o ser. A TVI autoriza?
Porque, no fundo, o verdadeiro problema é este. A terapia de mudança do comportamento homossexual comete uma heresia: poropõe, imaginem, mudar o comportamento homossexual. Isto é imperdoável nos tempos que correm. Não porque se duvide realmente que um homossexual pode deixar de o ser. Na era do amor líquido, as identidades sexuais imutáveis passaram à história. De resto, os apóstolos do progresso pregam em abundância a mudança de comportamentos. Que troquemos o tabaco pela canábis, a carne pela soja, o carro pela bicicleta, o plástico pelo papel, as manhãs da TVI com Mário Machado pelas noites da TVI com Ana Leal. E ninguém nega que um viciado no jogo ou no álcool possa mudar. Não é isso. O verdadeiro problema está na condenação moral da homossexualidade. O "politicamente correcto" não quer apenas que deixemos os gays em paz (o que já acontece, excepto no Ribatejo e nos tais países que Ana Leal devia visitar). Não quer a sua liberdade, nem o casamento, nem a adopção (que já têm). Quer, isso sim, normalizar qualquer comportamento sexual e, portanto, a homossexualidade (para usar os conceito sociológicos de desvio e norma). Ou, por outras palavras, quer que ninguém possa dizer que um comportamento sexual, seja qual for, é moralmente errado. Só a pedofilia fica de fora. Por enquanto.
E é aqui que a coisa fia ainda mais fino. A Igreja sempre considerou a homossexualidade uma desordem moral. Acolher os homossexuais, como o Papa Francisco tem dito, não significa aprovar o seu comportamento. Significa aceitar as pessoas pelo que são, não pelo que fazem. Doutrina tão antiga como o Evangelho. Quando Jesus, diante da mulher adúltera, diz aos seus acusadores "quem de vós estiver sem pecado que lhe atire a primeira pedra", diz-lhe também "vai e não voltes a pecar". O perdão não anula a consciência do pecado. Pelo contrário, pressupõe-na. Querer impedir a Igreja católica, ou a Dra. Maria José Vilaça, ou um americano ignoto de defenderem a mudança de comportamento dos homossexuais por razões morais e religiosas é, nem mais nem menos, que apelar à censura e atacar a liberdade de expressão. Mais uma vez, não vejo aqui grande tolerância. Vejo um combate democrático a travar, por muito impopular que seja. Note-se que ninguém está a defender a violência contra os gays, ou a criminalização da homossexualidade, ou a terapia de choque  aplicada ao Presidente da Opus Gay in illo tempore. Deixem-se de mitos. O que está em causa é que uma psicóloga possa propor uma terapia de mudança comportamental. E que um homossexual possa segui-la. 
Nada mais.

Comentários

Mensagens populares deste blogue

OS JOVENS DE HOJE segundo Sócrates

Hino da Padroeira

O passeio de Santo António