A urgência da paz

LAURINDA ALVES   OBSERVADOR  29.01.2019


Há milhões de jovens que são verdadeiros ‘influencers’ positivos do século XXI por desfazerem preconceitos, lutarem contra estereótipos, protegerem os mais fracos, derrubarem muros, construírem pontes

A notícia sobre as próximas Jornadas Mundiais da Juventude, em Lisboa, foi recebida com tanto entusiasmo por tantos, de tantas e tão diferentes linhas ideológicas, que faz acreditar num tempo novo para jovens e adultos, crentes e não crentes. O próprio Fernando Medina, presidente da Câmara de Lisboa, gravou um vídeo com sorriso radiante, para sublinhar o facto de o Papa ser uma referência moral global, mas também para convocar os lisboetas de todas as raças e credos a fazerem de Lisboa a capital da tolerância, do humanismo e da dignidade.

Vi o que aconteceu há 15 anos nesta cidade, quando acolhemos os milhares de jovens que se juntaram no Encontro Anual de Taizé. Digo acolhemos, porque na altura houve 10 000 famílias — entre elas a minha — que abriram as portas de casa a desconhecidos que vieram para o grande encontro. Nesses dias chegaram ‘apenas’ 40 mil jovens e a sua alegria encheu-nos de alegria, assim como a sua atitude e bom espírito iluminaram uma cidade já de si incrivelmente luminosa.

Os jovens de Taizé tiveram sorte porque a semana entre o Natal e o Ano Novo foi uma sucessão gloriosa de dias de sol, céu azul-limpo, com tudo a rebrilhar, do rio até ao mar. Muitos ainda hoje acham que em Lisboa há sempre sol. A nossa família recebeu 6 jovens: duas polacas que ficaram em casa dos meus pais, mais duas ucranianas e dois ucranianos que ficaram em nossa casa. Nunca mais os voltamos a ver, mas jamais esqueceremos os dias que passamos juntos. Sei que também para eles este tempo marcou um antes e um depois nas suas vidas, pois mantivemos o contacto escrito.
O Irmão Roger, protestante formado em Teologia que fundou a comunidade de Taizé em 1940, com apenas 25 anos, disse em Lisboa:
“Se atualmente vivemos, com jovens de todos os continentes, uma peregrinação de confiança através da terra, é porque estamos conscientes da urgência da paz. Podemos contribuir para a paz na medida em que procuramos responder através das nossas vidas às seguintes perguntas: poderei tornar-me portador de confiança onde vivo? Estarei disposto a tentar compreender os outros cada vez melhor?”
A simplicidade das perguntas do Irmão Roger, bem como a sua ligação direta ao concreto da vida, ao quotidiano de cada um, interpelou todos os presentes e permitiu uma reflexão elevada e profunda sobre os caminhos que levam à paz. Confiança e compreensão foram as palavras-chave para uma nova abertura ao outro. Ao longo da semana de meditação e oração, de partilha e silêncio, foi ficando muito claro para todos que a mudança começa no coração de cada um.
Há 15 anos a cidade de Lisboa encheu-se destes ‘peregrinos da confiança’ a quem o Irmão Roger reforçou a consciência sobre o poder da confiança e a força da compreensão. Há 15 anos todos partiram com vontade de viver com essa mesma consciência e levaram na bagagem a certeza de que a confiança gera confiança e a compreensão leva à mudança.
Não há maior força de mudança do que a capacidade de compreender o outro. Compreender é meio caminho andado para aceitar as diferenças. E a paz só é possível a partir do acolhimento do outro. A paz não acontece apenas quando se depõem armas ou os políticos fazem pactos de não-agressão. A paz nasce em casa, na rua, na escola, no trabalho, nos transportes públicos e em todos os lugares por onde passamos e deixamos a nossa marca. Nasce da abertura ao próximo, da valorização da diferença dos outros.
A confiança que gera confiança também aumenta a esperança. E, como tudo o que se constrói no mundo se constrói pela esperança, a paz precisa deste chão, destas fundações, para se erguer e consolidar.
Poucos meses depois do encontro de Lisboa, o Irmão Roger foi esfaqueado durante a oração da noite, que celebrava na igreja da Reconciliação, e não resistiu aos ferimentos. Tinha 90 anos e morreu depois de uma longa vida dedicada à reconciliação das Igrejas Cristãs. Dada a forma crua e violenta como foi assassinado, o seu apelo à paz passou a fazer ainda mais eco. E tornou-se ainda mais imperativo e urgente.
A consciência da urgência da paz, que movia Roger Schütz, continua a mover crentes e não crentes do mundo inteiro, que apelam a uma nova ecologia humana. O Papa Francisco é um dos maiores ícones contemporâneos deste apelo global e, daí também, o louvor geral à iniciativa de o voltar a acolher em Lisboa, já em 2022, bem como aos milhões de jovens de todo o mundo que ele congrega.
Na Cidade do Panamá, Francisco pediu às novas gerações para serem ‘influencers do século XXI’ e o facto de o Papa ter usado a terminologia dos jovens utilizadores das redes sociais faz com que também eles se sintam compreendidos. Sempre que falam a nossa linguagem, sentimos que nos percebem e sabem do que falamos. A comunicação é importante e o Papa Francisco sabe disso. Mais, sabe que é na comunicação que tudo se joga!
Só não sei se o Papa Francisco sabe que em Portugal estamos em semana de Missões Universitárias, num tempo de generosidade e gratuidade em que os jovens estudantes deixam as suas casas, saem da sua zona de conforto, para darem o melhor de si mesmos e do seu tempo a pessoas e comunidades vulneráveis. Por coincidência feliz, esta semana começou com a extraordinária notícia das JMJ e com o apelo do Papa. Ora todos os missionários universitários que estão no terreno agem como verdadeiros ‘influencers do século XXI’. Crentes e não crentes, voluntariam-se para criarem iniciativas e atividades em grupo, para combater o isolamento e a exclusão social.
Todas as pessoas tocadas pelos jovens das Missões Universitárias vêm neles exemplos inspiradores e olham para eles como alguém que vem reforçar as suas raízes e o seu sentido de pertença. Por isso mesmo, esperam ansiosamente que eles voltem no ano seguinte, e nos que se sucedem, porque sabem que a vida, com eles, tem mais elevação, sentido e animação. Jovens como os das Missões Universitárias são vistos como modelos a seguir, mas não são os únicos.
Há muitas outras organizações de jovens que mudam o mundo pela abertura, pela humanidade, pela visão e pela capacidade de resgatar a esperança e multiplicar a confiança. Se agora falo das missões universitárias é apenas por estarem em curso nesta semana. Mas há milhares, milhões de jovens que são verdadeiros ‘influencers’ positivos do século XXI por desfazerem preconceitos, lutarem contra estereótipos, protegerem os mais fracos, derrubarem muros e construírem pontes.
Por tudo isto, a boa notícia não é só que as JMJ se realizem em Lisboa, em 2022, e que o Papa Francisco volte a Portugal. A boa notícia é saber que uma esmagadora maioria de jovens de todo o mundo já vive com consciência da urgência da paz.

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