Verdades auto-evidentes
Há quase 10 anos que sirvo pequenos almoços, almoços e jantares a crianças em crescimento, neste estabelecimento de restauração que também se chama a minha cozinha.
Durante esse tempo, não me lembro de um dia em que algum dos meus filhos (rapazes) tenham mostrado lembrar-se que os pratos não vão sozinhos para a mesa, a não ser que eu o tornasse evidente, vezes de mais, com um grito ou dois.
Alguns anos mais tarde, a nossa filha Leonor que tem agora 2 anos, começou a entrar nessa mesma cozinha pelo seu próprio pé e vontade, aprendeu a abrir o armário da loica inquebrável, estrategicamente colocada na prateleiras mais baixas, para conveniência dos rapazes (e minha), e sem indicação expressa aprendeu a tirar 3 pratos para pôr na mesa, um para si, dois para os "manos".
Aos 2 anos, pôr a mesa é uma necessidade mais auto-evidente para ela, do que para os seus irmãos mais velhos. Porquê? Talvez por causa dessa verdade, também auto-evidente: OS HOMENS E AS MULHERES NÃO SÃO IGUAIS.
Mas também esta verdade, como outras, não é auto-evidente para todos, e foi a nossa filha Leonor que a tornou auto-evidente para mim. Porque como mulher moderna que sou, que tirou um curso superior no fim do séc. XX e trabalhou no contexto laboral do séc. XXI, não há nada que eu não seja capaz! Mas há muita coisa para a qual não estou disponível. Pôr a mesa é só uma delas.
Mas na nossa sociedade doméstica, pôr a mesa é para a minha filha Leonor, uma promoção social! Uma razão de orgulho, um novíssimo sentido de utilidade pública, uma fonte de realização pessoal. É preciso vê-la com os pratos na mão a destiná-los em cima da mesa... é algo que não a diminui, mas antes a enaltece a ela, e inaltece a tarefa. Apetece fazê-la e fazê-la melhor.
Em nossa casa, este contraste, esta diferença, é o maior motor de mudança. Não a mudança que leva a ser mais iguais, mas uma mudança que leva cada um a ser mais quem é. Acentua-se o contraste, as cores ficam mais vivas.
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