Conto de Natal
JOÃO CÉSAR DAS NEVES DN 2017.12.23
Maria estava muito desanimada: passaria a noite de Natal a trabalhar. Lembrava-se com triste saudade das ceias da infância, em que toda a família se reunia para comer, rezar, conversar, cantar e trocar presentes. Alegria, beleza, sabor, amizade, fé, tudo o que a maravilhava em menina e jovem mulher estava agora muito longe.
Emigrada por necessidade, vivia em terra estranha, longe da família e amigos. As notícias de casa só falavam de miséria e destruição. A viagem e a adaptação não tinham sido fáceis. Fora acolhida na Igreja. Na paróquia, apesar da dificuldade da língua, já pertencia à comunidade. Mas neste dia tão importante faltaria à Missa do Galo, para fazer as limpezas na "boutique financeira". O que acrescentava degradação à circunstância: a instituição onde trabalhava era um bando de agiotas, pior do que estrebaria.
A comparação interrompeu-lhe os pensamentos negros. De repente deu-se conta da semelhança da sua situação com a de Nossa Senhora, com quem partilhava o nome e de quem era tão devota desde a infância. A Virgem Santíssima também passou a noite de Natal numa estrebaria. A Imaculada ocupara aquelas horas a fazer limpezas e arrumações no curral da aldeia, o mais degradante local da região. Foi assim que a Rainha do Céu passou a sua noite de Natal: sem ceia, presentes, decorações, festa.
Apesar disso, a Divina Pastora estava plenamente feliz. Porque a única condição para a felicidade é a presença de Jesus. E Ela, que O tinha consigo há nove meses, agora via-O. Por isso, aquelas limpezas no estábulo de Belém eram mais doces do que todas as ceias do mundo. Também ela, Maria, podia levar Jesus para as limpezas da boutique financeira. Assim, mais unida à sua Mãe do Céu do que alguma vez estivera nas antigas festas de Natal, podia celebrar a solenidade de uma forma plena.
Seguindo esta linha, começou a perceber que a sua condição, que tantas vezes considerara miserável, era muito melhor do que a de Nossa Senhora, precisamente no Natal. A Sagrada Família, na noite mais decisiva da humanidade, estava reduzida à condição de sem-abrigo. Em comparação, e apesar de tudo, a sua vida era quase luxo. A casa simples, a mobília barata, as refeições, tudo era muito melhor do que Maria, José e o Menino tinham tido na sua viagem a Belém. De que se queixava? De repente, as suas privações e sacrifícios, isolamento e saudades pareciam meios excelentes para se unir ao Jesus que nascia; também Ele em terra longínqua, afastado da família e amigos, em condições de declarada miséria, junto dos animais.
Pensando no burro e na vaca, que contemplavam sem entender o mistério central da história, Maria reflectiu sobre os financeiros e contabilistas cujos gabinetes ia limpar nessa noite. Ao contrário dos animais do Presépio, eles não eram bestas, mas pessoas, para quem Jesus nascia no Presépio. Muitos, provavelmente, olhariam para o Natal como vaca para manjedoura, simples oportunidade de lucro. Mas, ao contrário da vaca do Presépio, eles podiam ser salvos. Desde que alguém lhes falasse do verdadeiro sentido do Natal.
Mas quem podia falar? Maria pensou que ela era quem passaria a noite de Natal no escritório deles. Enquanto Jesus nascia, era ela que estava ali, naquela estrebaria monetária, e era a única que lhes podia levar o Natal. Mas como? Não sabia escrever a língua nem tinha dinheiro para presentes. Lembrou-se então de fazer pombinhas de papel, a única dobragem que sabia. Seria uma oferta singela, mas talvez tocasse a alma de alguém.
Passou o resto da tarde a dobrar pombinhas. Fez mais de 20, porque não se lembrava de quantas secretárias havia no escritório, e queria ter a certeza de deixar uma em todas elas. Ao dobrar o papel ia rezando pela pessoa que a receberia. Ela nunca os vira, a não ser alguns que por vezes faziam serão quando ela ia limpar. Mas Nossa Senhora conhecia-os bem e por isso a oração chegaria ao destino. Lembrou-se depois de desenhar um Menino Jesus no lado de cada pombinha. Assim, mesmo sem palavras, percebia-se o que significavam.
Nessa noite as limpezas na boutique foram um momento de grande alegria e consolação para Maria. Sentiu-se no Presépio, acompanhando Nossa Senhora, que dava um ar acolhedor ao redil para receber o Menino. Limpar o pó, despejar os caixotes, lavar os vidros, com Ela e como Ela, constituíam verdadeiros mistérios de amor, na expectativa de Jesus que nascia. Até fez uma comunhão espiritual, em união com os amigos da paróquia na Missa do Galo. A parte mais importante da noite era deixar em cada secretária a sua pombinha, rezando pelo ocupante.
Na noite a seguir ao dia de Natal, Maria voltou à boutique financeira. Não deixou de sentir uma dor cada vez que encontrava uma das suas pombinhas no caixote que despejava. Isso apenas gerava uma oração adicional por quem a tinha deitado fora. Mas rejubilava nos gabinetes onde via a sua pombinha instalada no alto da estante, junto às outras decorações de Natal.
Maria estava muito desanimada: passaria a noite de Natal a trabalhar. Lembrava-se com triste saudade das ceias da infância, em que toda a família se reunia para comer, rezar, conversar, cantar e trocar presentes. Alegria, beleza, sabor, amizade, fé, tudo o que a maravilhava em menina e jovem mulher estava agora muito longe.
Emigrada por necessidade, vivia em terra estranha, longe da família e amigos. As notícias de casa só falavam de miséria e destruição. A viagem e a adaptação não tinham sido fáceis. Fora acolhida na Igreja. Na paróquia, apesar da dificuldade da língua, já pertencia à comunidade. Mas neste dia tão importante faltaria à Missa do Galo, para fazer as limpezas na "boutique financeira". O que acrescentava degradação à circunstância: a instituição onde trabalhava era um bando de agiotas, pior do que estrebaria.
A comparação interrompeu-lhe os pensamentos negros. De repente deu-se conta da semelhança da sua situação com a de Nossa Senhora, com quem partilhava o nome e de quem era tão devota desde a infância. A Virgem Santíssima também passou a noite de Natal numa estrebaria. A Imaculada ocupara aquelas horas a fazer limpezas e arrumações no curral da aldeia, o mais degradante local da região. Foi assim que a Rainha do Céu passou a sua noite de Natal: sem ceia, presentes, decorações, festa.
Apesar disso, a Divina Pastora estava plenamente feliz. Porque a única condição para a felicidade é a presença de Jesus. E Ela, que O tinha consigo há nove meses, agora via-O. Por isso, aquelas limpezas no estábulo de Belém eram mais doces do que todas as ceias do mundo. Também ela, Maria, podia levar Jesus para as limpezas da boutique financeira. Assim, mais unida à sua Mãe do Céu do que alguma vez estivera nas antigas festas de Natal, podia celebrar a solenidade de uma forma plena.
Seguindo esta linha, começou a perceber que a sua condição, que tantas vezes considerara miserável, era muito melhor do que a de Nossa Senhora, precisamente no Natal. A Sagrada Família, na noite mais decisiva da humanidade, estava reduzida à condição de sem-abrigo. Em comparação, e apesar de tudo, a sua vida era quase luxo. A casa simples, a mobília barata, as refeições, tudo era muito melhor do que Maria, José e o Menino tinham tido na sua viagem a Belém. De que se queixava? De repente, as suas privações e sacrifícios, isolamento e saudades pareciam meios excelentes para se unir ao Jesus que nascia; também Ele em terra longínqua, afastado da família e amigos, em condições de declarada miséria, junto dos animais.
Pensando no burro e na vaca, que contemplavam sem entender o mistério central da história, Maria reflectiu sobre os financeiros e contabilistas cujos gabinetes ia limpar nessa noite. Ao contrário dos animais do Presépio, eles não eram bestas, mas pessoas, para quem Jesus nascia no Presépio. Muitos, provavelmente, olhariam para o Natal como vaca para manjedoura, simples oportunidade de lucro. Mas, ao contrário da vaca do Presépio, eles podiam ser salvos. Desde que alguém lhes falasse do verdadeiro sentido do Natal.
Mas quem podia falar? Maria pensou que ela era quem passaria a noite de Natal no escritório deles. Enquanto Jesus nascia, era ela que estava ali, naquela estrebaria monetária, e era a única que lhes podia levar o Natal. Mas como? Não sabia escrever a língua nem tinha dinheiro para presentes. Lembrou-se então de fazer pombinhas de papel, a única dobragem que sabia. Seria uma oferta singela, mas talvez tocasse a alma de alguém.
Passou o resto da tarde a dobrar pombinhas. Fez mais de 20, porque não se lembrava de quantas secretárias havia no escritório, e queria ter a certeza de deixar uma em todas elas. Ao dobrar o papel ia rezando pela pessoa que a receberia. Ela nunca os vira, a não ser alguns que por vezes faziam serão quando ela ia limpar. Mas Nossa Senhora conhecia-os bem e por isso a oração chegaria ao destino. Lembrou-se depois de desenhar um Menino Jesus no lado de cada pombinha. Assim, mesmo sem palavras, percebia-se o que significavam.
Nessa noite as limpezas na boutique foram um momento de grande alegria e consolação para Maria. Sentiu-se no Presépio, acompanhando Nossa Senhora, que dava um ar acolhedor ao redil para receber o Menino. Limpar o pó, despejar os caixotes, lavar os vidros, com Ela e como Ela, constituíam verdadeiros mistérios de amor, na expectativa de Jesus que nascia. Até fez uma comunhão espiritual, em união com os amigos da paróquia na Missa do Galo. A parte mais importante da noite era deixar em cada secretária a sua pombinha, rezando pelo ocupante.
Na noite a seguir ao dia de Natal, Maria voltou à boutique financeira. Não deixou de sentir uma dor cada vez que encontrava uma das suas pombinhas no caixote que despejava. Isso apenas gerava uma oração adicional por quem a tinha deitado fora. Mas rejubilava nos gabinetes onde via a sua pombinha instalada no alto da estante, junto às outras decorações de Natal.
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