A QUARESMA E AS CALÇAS» - A EXPLICAÇÃO DA PARÁBOLA


1. Por ocasião do início do tempo litúrgico da Quaresma, propus uma parábola que, muito amavelmente, a Voz da Verdade publicou. Muitas pessoas tiveram a amabilidade de me fazerem saber a sua concordância com o seu exigente teor, que foi reproduzido em muitos blogues e até lido e comentado, com apreço, nalguma celebração eucarística quaresmal. Outros fiéis houve que, pelo contrário, se escandalizaram com a radicalidade da mensagem veiculada, o que parece ser sinal da sua autenticidade evangélica, na medida em que o mesmo acontecia com as parábolas de Jesus. Por isso, o divino Mestre explicava-as depois, em particular, aos seus discípulos. É aos que mais se inquietaram com o conteúdo e forma dessa minha parábola que dedico, com o maior afecto e consideração, este esclarecimento.

2. Qualquer parábola procura transmitir um ensinamento moral, através de uma comparação da vida real. Contudo, a sua interpretação não deve ser literal, mas espiritual, ou seja, não deve obedecer à formalidade das circunstâncias, mas atentar à essência do conteúdo. Assim, a parábola do filho pródigo não pode ser lida como um incentivo à devassidão ou à irresponsabilidade; a do feitor infiel não pode ser interpretada como se fosse um elogio da deslealdade e corrupção; a dos talentos não pode ser entendida como crítica à prudência nos negócios; a dos trabalhadores da vinha não justifica, obviamente, a conversão tardia ou a ociosidade; nem a do juiz iníquo, com quem Deus paradoxalmente se compara, pode ser interpretada no sentido de que também o Criador é injusto... Se é verdade que uma certa exegese fundamentalista privilegia uma interpretação literal das parábolas bíblicas, não é essa a leitura eclesial da Sagrada Escritura. O mesmo se diga, mutatis mutandis, da parábola em questão.

3. No texto em apreço não se pretendia outra coisa que não fosse ilustrar uma incoerência relativamente frequente em alguns cristãos: o desprezo pela prática cristã da penitência, não obstante uma inaudita capacidade de grandes sacrifícios por razões fúteis. Era essa a sua única intenção, que aliás se evidenciava pela atitude crítica da protagonista em relação ao seu pároco e à prática penitencial estabelecida pela Conferência Episcopal Portuguesa; o seu desinteresse pelo seu próximo mais necessitado, nomeadamente o mendigo a quem não atende, o seu apego aos bens terrenos, etc. Evidentemente, o texto não se propunha criticar as Luísas, nem as calças, nem os botões, nem os centros comerciais, nem as dietas ou os táxis.

4. A conclusão da parábola induziu algum leitor a crer na condenação eterna da protagonista, mas uma tão dramática conclusão não tem qualquer fundamento no texto, onde não consta nenhum juízo sobre este particular. A bem dizer, a única coisa que claramente se afirma é, afinal, um ensinamento evangélico, isto é, que a porta da salvação é estreita (cf Mt 7, 13-14; Lc 13, 24). E, se assim o disse Nosso Senhor, não creio que tenha sido para infundir temor na sua grei, mas para a todos convidar a percorrer o salutar caminho da penitência que, segundo o ensinamento paulino, só é eficaz na caridade, ou seja, naquela adoração a Deus que é também amor aos irmãos.

P. Gonçalo Portocarrero de Almada
Voz da Verdade 2010.03.12

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