O papel do Estado e do Governo no futuro do país

José Manuel Fernandes

Público, 20090829

Pelo que se lê nos programas e se sabe sobre os estilos de Sócrates e Ferreira Leite, não se duvide que o tipo de relação que o Estado deve ter com a economia também irá a votos a 27 de Setembro

Têm os programas do PS e do PSD muitos pontos em comum? Têm. Os dois principais partidos partilham muitas ideias comuns, designadamente sobre a necessidade de preservar o Estado Social, sobre a política europeia ou sobre as políticas de Defesa e Justiça. Há diferenças na abordagem de algumas destas áreas - concordar com o Estado Social não significa que todas as soluções sejam as mesmas, da mesma forma que existe uma grande variedade de fórmulas no chamado "modelo social europeu".
É verdade que os portugueses, nas próximas eleições, vão escolher sobretudo entre dois candidatos a primeiro-ministro, Sócrates e Ferreira Leite? Indiscutivelmente. Temas como a credibilidade pessoal podem não estar no discurso político, podem não ser tema de cartazes ou tempos de antena, mas os portugueses não deixarão de escrutinar os estilos altamente contrastantes do actual primeiro-ministro e da antiga ministra das Finanças.
Contudo, para além de propostas concretas divergentes, é bom não iludir que PS e PSD, mesmo que não o afirmem na primeira linha dos respectivos programas, têm uma visão diferente do que deve ser o papel do Estado num país como Portugal.
Essa divergência não é recente: se o chamado "Estado Social" deve praticamente tanto ao PS como ao PSD, na relação do Estado - e do Governo - com o mercado e o mundo dos negócios encontramos contrastes mais marcantes, se bem que menos nítidos do que seria saudável numa democracia onde os cidadãos são chamados a escolher entre alternativas diferentes.
Nas próximas eleições, muito por efeito da forma como o actual Governo pautou as suas relações com as empresas e o actual PS escolheu uma retórica mais intervencionista em tempos de crise, o contraste é porventura mais evidente do que em eleições anteriores. Pelo menos no que se refere às declarações de intenção. Vejamos como e porquê.
Lendo com atenção os dois programas encontramos formulações muito diferentes do que deve ser a relação do Estado com o mercado e com os cidadãos.
No do PS, de acordo com uma retórica que se pretende keinesiana, afirma-se que "os desafios suscitados pela presente conjuntura continuam a exigir uma intervenção forte e decidida do Estado que assegure a estabilidade do sistema financeiro e o financiamento da economia, estimule a actividade económica, proteja o emprego e apoie aqueles que são mais afectados pela crise". Mais: "É isso que tem vindo a ser feito e é isso que, no futuro próximo, o Estado deve continuar a fazer, enquanto os sinais de recuperação da economia e do emprego não forem suficientemente fortes e sustentados."
O PSD vê, no seu programa, um papel diferente para o Estado: "Uma das causas da falta de eficiência da economia portuguesa na afectação de recursos é, sem dúvida, o facto de termos um Estado demasiado pesado, e com cada vez maior peso. A despesa pública total ascenderá a cerca de metade do PIB, em 2009, um valor máximo histórico. Para além disto, em muitos sectores o Estado tem optado nos últimos anos por uma atitude 'dirigista' da actividade empresarial privada, através de diversas formas e processos."
Nem o programa do PS traduz uma opção pelo socialismo dos "planos quinquenais", nem o do PSD corresponde a qualquer "Estado mínimo". A retórica de campanha pode utilizar essas formulações, mas ambas são desonestas e meros instrumentos de propaganda
Aquilo que realmente divide, ou parece dividir, os dois partidos é saber se corresponde ao Estado um papel central e dirigista na economia, escolhendo os projectos de investimento que se realizam e os que não avançam, favorecendo umas empresas em vez de outras, intervindo no tecido económico sem ter em conta que quando se apoia uma empresa em dificuldades se está a prejudicar as empresas concorrentes que são eficientes, ou se ao Estado deve competir um papel sobretudo supletivo. O Estado supletivo não escolhe nem os sectores nem as empresas que merecem apoio, deixa que isso suceda por via do mercado, garantindo porém que os efeitos nefastos de uma falência são amortecidos pelos diferentes sistemas de apoio do Estado Social.
Em nome da verdade e do dever de memória é preciso dizer que, no passado, o PSD disse muitas vezes que defendia um Estado menos interventivo, ao mesmo tempo que, sem o assumir, intervinha em áreas onde as empresas são, por regra, mais eficientes, tal como actuou com frequência em desrespeito das normas da concorrência. Contudo, nos dias que vivemos, esses comportamentos passados do PSD devem ser comparados com o "activismo" económico do actual Governo que foi muito para além do tradicional investimento público, pois estendeu-se à escolha, nem sempre transparente, das empresas que deviam beneficiar de contratos públicos ou que têm maior ou menor capacidade de aceder a um sistema bancário onde a influência do poder executivo se aproxima hoje da que existia no tempo da banca nacionalizada.
Também em abono da verdade deve dizer-se que grande parte, senão mesmo a esmagadora maioria, dos empresários portugueses preferem um ambiente protegido e gostam de ser amigos do Governo do momento, da mesma forma que em Portugal quase todos os cidadãos pedem ao Estado que os ajude e muito poucos se perguntam sobre o que podem fazer pelo país independentemente do Estado, da Administração Pública, dos governos ou das câmaras.
Com o PS os portugueses não regressarão a 1975, renacionalizando a economia como defendem PCP e BE. Com o PSD os portugueses também não perderão o Estado Social ou conhecerão um impossível (nas nossas condições e conhecendo as nossas tradições) Estado mínimo. Mas pelo que se lê nos programas e se sabe sobre os estilos de Sócrates e Ferreira Leite, não se duvide que o tipo de relação que o Estado deve ter com a economia também irá a votos a 27 de Setembro.


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