Cronologia de um líder improvável

Setembro 2004 a Julho 2005: José Sócrates, o homem certo no momento certo
Helena Matos, Público, 090723

Setembro a Dezembro de 2004

José Sócrates torna-se secretário-geral do PS. Para trás ficam Manuel Alegre e João Soares. Sócrates foi líder da oposição dois meses e alguns dias, pois, a 1 de Dezembro, Jorge Sampaio dissolve a Assembleia da República. Teria José Sócrates aguentado anos como líder da oposição, caso Sampaio não tivesse considerado que a demissão do ministro do Desporto punha em causa o regular funcionamento das instituições? Das especulações não reza a História, mas António José Seguro e António Vitorino, que tinham desistido de se candidatar à liderança do PS, certamente concluíram que em política a sorte é muito importante.
Março de 2005 - Toma posse o Governo de Sócrates. Na apresentação do programa do Governo, o chefe do executivo declara que serão investidos mais de 20 mil milhões de euros em áreas que considera vitais para o país. Anunciou a redução das férias judiciais, o documento único automóvel, o cartão de cidadão e uma "via rápida" para o licenciamento de projectos fundamentais. Assumiu ir referendar o aborto e declarou que pretendia que o governador do Banco de Portugal apurasse não só o défice de 2004 - "que sabemos ser bem superior a cinco por cento em termos reais" -, mas também a "verdadeira situação das contas públicas que este Governo encontra". Ninguém se interroga sobre o condicionamento que estas declarações implicam para Vítor Constâncio, pois dificilmente este poderia, a partir desse momento, produzir um relatório que contrariasse este saber antecipado do primeiro-ministro.
Março a Maio de 2005 - A maior parte das notícias sobre o Governo pareciam transcrições das conversas entusiásticas dos assessores governamentais. Entre as reformas que propõe conta-se o Inglês no ensino básico e o "choque tecnológico" que levaria o Governo a anunciar ir colocar mil novos licenciados em Gestão e Economia em pequenas e médias empresas.
Fica-se também a saber que "uma das primeiras prioridades" do executivo era a criação de uma base de dados com perfil genético de todos os cidadãos; que os presidentes das comissões de coordenação das comissões regionais (CCDR) voltam a ser nomeados apenas pelo Governo e que o IVA vai aumentar de 19 para 21 por cento para assegurar o financiamento da Segurança Social.
Umas declarações do então ministro da Saúde, Correia de Campos, a defender a subida das taxas moderadoras nos casos de falsas urgências são apenas um fait-divers neste verdadeiro estado de graça do primeiro-ministro e até a nomeação de Fernando Gomes para a Galp ainda é entendida como uma cedência inevitável a um boy: mal por mal antes na Galp do que no Governo a atrapalhar um primeiro-ministro tão empenhado em fazer as reformas tão difíceis que o país precisa, terão pensado muitos portugueses e não exclusivamente os eleitores do PS.

Junho de 2005

Os trabalhadores da função pública fizeram uma manifestação, mas as revelações sobre o número de funcionários públicos destacados nos sindicatos - só professores eram 1100 - são suficientes para que "a rua" não inquiete o primeiro-ministro. As preocupações nascem sim com acidentes de percurso: o Diário Económico descobre erros nas contas do orçamento rectificativo apresentado pelo ministro Campos e Cunha. E entre os socialistas há quem ache que os portugueses precisam de boas notícias, após tanta pressão sobre a necessidade do controlo da despesa. O DN até explica que dada a fraca presença de Manuel Pinho nos media foi elaborado um calendário político com o anúncio sistemático de medidas positivas do Estado, que nesta fase se confunde com o Governo. E todos os dias havia boas notícias: "José Sócrates atribui prioridade à Ota, TGV, CRIL e auto-estrada até Bragança"; "Ao todo serão lançados cerca de 200 projectos em Portugal no espaço de quatro anos"; "Gorno: programa hoje apresentado prevê 120 mil novos postos de trabalho"; "25 mil milhões para relançar a economia" - são alguns dos títulos que por então garantem que Sócrates certamente sabe o que faz.

Julho de 2005

Luís Campos e Cunha deixa o Governo. Cansaço e razões pessoais serão a explicação oficial para esta saída. Na verdade, o que estava em causa eram as opções para o investimento público e a escolha de Armando Vara para a liderança da CGD. Noutro contexto, esta saída teria abalado a confiança no primeiro-ministro. Mas no Verão de 2005 os portugueses precisam de acreditar que têm no Governo o homem que lhes garante que podem ir sossegados para férias e o PS acredita que encontrou o líder que Guterres não conseguiu ser. (continua)



Agosto de 2005 a Março de 2007: o poder das palavras

Público, 090730

Entre a demisssão de Campos e Cunha, em Julho de 2005, e a entrevista do reitor da UnI, em Fevereiro de 2007, Sócrates parece imune às críticas. O país vive de anúncios tecnológicos e de garantias de que, na economia, o pior já passou.

Agosto de 2005

A nomeação, por Teixeira dos Santos, de Armando Vara como administrador da CGD suscita dúvidas sobre a transformação futura deste banco num instrumento governamental. No imediato, esta nomeação gera mal-estar entre Sócrates e Jorge Sampaio, pois o PR não só não fora avisado previamente desta decisão como Armando Vara está longe de lhe merecer confiança. Os incêndios devastam o país. Ao contrário do que sucedeu em anos anteriores, não se culpa o Governo e muito menos o primeiro-ministro, que, no caso, se mantém de férias no Quénia. Mário Soares anuncia a sua candidatura à Presidência da República.
Setembro de 2005 - Sócrates carrega no botão - simulado, mas isso por agora não conta - que detona a implosão das Torres de Tróia, esse símbolo do turismo de massas. O Governo considera estratégicos projectos turísticos de luxo como os anunciados para a Herdade do Pinheirinho e Costa Terra. O turismo de massas deixa de ser socialista.
Outubro de 2005 - O PS perde as autárquicas para o PSD, mas Sócrates continua a ganhar na imagem que projecta de si: Marques Mendes será sempre visto como um derrotado e Sócrates como um vencedor. Cavaco Silva anuncia a sua candidatura à Presidência da República.
Novembro de 2005 - A rubrica da despesa gera novas dúvidas sobre os números apresentados no orçamento rectificativo. Demitem-se o coordenador e grande parte da equipa do Plano Tecnológico. Dias depois destas demissões, Sócrates apresenta o Plano Tecnológico e o PS inviabiliza a ida ao Parlamento do antigo e do novo coordenador do Plano Tecnológico.
Sócrates desmente ter proposto ao PR a demissão de Souto Moura (o Sol divulgará em 2007 escutas telefónicas que confirmaram não só que Sócrates tentara afastar Souto Moura como que, para tal, contava também com o apoio de Paulo Portas). O Governo cria uma comissão para avaliar os manuais escolares cujo programa de reutilização suspende; anuncia que vai ser divulgada a lista dos contribuintes com dívidas fiscais e apresenta como facto consumado o aeroporto a ser construído na Ota. Mário Lino revela que o Governo "já tem um conjunto de ideias" para os terrenos que ficarão vagos na Portela. Manuel Alegre formaliza a sua candidatura a Belém.
Dezembro de 2005 - O Governo apresenta o projecto para o TGV. Freitas do Amaral é um dos ministros mais loquazes e polémicos. O primeiro-ministro paira acima de tudo isto e, de férias na neve, sofre um acidente que o faz andar de muletas. Politicamente, tem razões para fazer um saldo nada manco do ano que agora finda.

Janeiro de 2006

Cavaco Silva ganha as presidenciais. O PS volta a perdê-las, o que não é o mesmo que dizer que este resultado fosse o menos desejado por Sócrates. Sócrates será criticado pelos soaristas por não ter radicalizado a campanha contra Cavaco. Sobre o papel de Sócrates nesta campanha, dirá Soares: "Nós não devemos pedir às pessoas aquilo que elas não nos podem dar".
No papel de primeiro-ministro que veio para ficar, Sócrates não é de modo algum beliscado pelo caso Eurominas, que trazia sob suspeita de tráfico de influências nomes grados do guterrismo, como António Vitorino e José Lamego, e muito menos por um caso com laivos de anedota: o Instituto de Gestão Financeira e Patrimonial da Justiça, para o qual o Governo de Sócrates nomeara como presidente António José Morais, contratara sem concurso para o lugar de responsável pelo departamento de logística a cidadã brasileira Neidi Becker, até aí funcionária de um simples restaurante especializado em frangos. António José Morais foi prontamente demitido na sequência deste caso.
Fevereiro e Março de 2006 - O Governo classifica como "grosseiramente falsa" a notícia da Visão que diz existir na dependência de José Sócrates um gabinete paralelo e ilegal dos serviços de informação. O assunto é depressa ultrapassado pelo anúncio vertiginoso das medidas governamentais: parceria com a Microsoft, acordo com o MIT, o modelo pedagógico finlandês, reformas da administração pública e da Segurança Social, esta última definida por Sócrates como "a mais ambiciosa da Europa". Simultananeamente, o país vive com a ansiedade dos grandes momentos o que parece ser uma catástrofe anunciada: a gripe das aves.
Abril a Junho de 2006 - Santos Cabral é demitido do cargo de director nacional da PJ. Perda de confiança política foi a explicação avançada pelo Governo para esta decisão. A reabertura das minas de Aljustrel, a subida do indicador da OCDE respeitante a Portugal, a par da entrada do país naquilo que o primeiro-ministro define como o "clube restrito dos países europeus" que têm cobertura de Internet em banda larga reforçam a imagem de dinamismo do executivo cada vez mais centrado no primeiro-ministro. Para "combater a info-exclusão" Sócrates anuncia o ViaCTT, que visava dar uma caixa de correio electrónico a cada português. Ninguém se interroga sobre os milhões de euros investidos e muito menos sobre a razoabilidadede de muitos destes investimentos.


Julho a Setembro de 2006

José Sócrates tem razões para estar satisfeito. Garante que a economia cresceu muito acima de todas as expectativas e o assunto Freeport parece finalmente encerrado: foram acusados do crimes de violação de segredo de justiça os dois jornalistas e o ex-inspector da PJ que, em 2004, divulgaram as informações que sugeriam negociação de contrapartidas para o PS a troco do licenciamento do Freeport. Quanto às acusações de governamentalização da RTP, formuladas pelo comentador Eduardo Cintra Torres com base na cobertura dos incêndios de Verão, essas servem sobretudo para revelar o entendimento que a novel ERC tem do seu papel.
Outubro a Dezembro de 2006 - Os militares protestam mas as suas reivindicações surgem quase anacrónicas no país do plano tecnológico. Reeleito secretário-geral do PS com cerca de 97,2 por cento dos votos, José Sócrates parece imbatível no partido e no Governo. Cavaco Silva elogia o espírito reformista do executivo e, no Natal, Sócrates garante que a economia, as contas públicas e o emprego estão a melhorar "passo a passo".

Janeiro e Fevereiro de 2007

Na viagem à China, temos Sócrates desportista fazendo jogging com quatro graus negativos e Sócrates ponderado no meio das declarações desastradas de Manuel Pinho sobre os baixos salários dos portugueses. Uma vez regressado ao país, Sócrates chama a si o dossier do fecho das urgências hospitalares, que queimava Correia de Campos. O referendo sobre o aborto dá-lhe aquela que, após a sua eleição, foi até agora a única vitória de Sócrates numa consulta nacional.


28 de Fevereiro

O então reitor de uma universidade em crise, a UnI, dá uma entrevista ao 24 Horas. Garante que se lembra que foi professor de Inglês Técnico do actual primeiro-ministro. No blogue Do Portugal profundo, António Balbino Caldeira recupera um post que publicara várias vezes em Fevereiro e Março de 2005, após a vitória de Sócrates nas legislativas. Nesse post declarava que José Sócrates não era engenheiro e não tinha a pós-graduação em Engenharia Sanitária que constava no seu curriculum. Em 2005, esse post não suscitara qualquer reacção. A 28 de Fevereiro de 2007, republica-o e interroga-se sobre o que pretende o reitor com essas declarações que deve saber que não correspondem à realidade. Desta vez, a blogosfera reage. Fazem-
-se centenas de comentários e links. Durante dias e dias a notícia vive exclusivamente nos blogues. Só semanas depois chegará aos media tradicionais. Por ironia, o estado de graça do primeiro-ministro que potencializara politicamente a aposta nas novas tecnologias terminava quando a novíssima, desregulada e livre blogosgera foi capaz de impor um assunto às previsíveis, muito conformadas e autocontroladas agendas dos media tradicionais.

Março a Dezembro de 2007: as traquinices do menino de ouro

Público, 090806

Este é um tempo marcado pelas revelações em torno da licenciatura de Sócrates. Perante o escândalo, o PS reagiu como reagem as grandes famílias quando o seu menino de ouro faz asneira: uniu-se, pelo menos publicamente, acusou os outros de mentir e, no limite das evidências, culpou as companhias e arrumou o assunto como se fosse uma traquinice. Teria sido diferente a atitude do PS caso o partido não estivesse no poder? Talvez. Mas acontece que o PS era poder e entendeu que devia defender o seu líder. Os efeitos dessa opção para o partido ver-se-ão no futuro. Para o país foi um desastre, pois desde Março de 2007 que o maior partido português confunde deliberadamente responsabilidade criminal e responsabilidade política.

Março e Abril de 2007

Dado o ritmo a que a blogosfera comenta o processo académico de Sócrates, em S. Bento sabe-se, desde o fim do Fevereiro, que se está em contagem decrescente para que o assunto se transforme em notícia. Só resta saber quando. Mas enquanto a crise da licenciatura não estala eis que a criação do Conselho Superior de Investigação Criminal, a ser presidido pelo primeiro-ministro, suscita uma inusitada reacção por parte dos assessores de Sócrates que telefonam para alguns daqueles que assinaram artigos de opinião criticando este novo organigrama das forças policiais e do próprio Governo: o então ministro da Administração Interna, António Costa, e o secretário de Estado José Magalhães iniciam um blogue na própria página do ministério onde fazem comentário aos comentadores. Se o reforço do Estado-polícia gera polémica, já a actuação do Estado-empresário, essa continua inquestionável: neste mesmo mês de Março, a Caixa Geral de Depósitos votou contra a desblindagem da Portugal Telecom inviabilizando assim a OPA da Sonae sobre a PT. Entretanto a rua emerge: a CGTP garante ter congregado mais de cem mil pessoas em protesto contra a política governamental. E um dado que o futuro provaria não ser irrelevante em matéria de manifestações: Mário Nogueira foi eleito secretário-geral da Fenprof.
Quase no final de Março o assunto da licenciatura de Sócrates é finalmente tratado na imprensa escrita, mais precisamente no PÚBLICO. O que sucede nas semanas seguinte é apenas controlo de danos: o ministro Santos Silva fala de "jornalismo de sarjeta" e defende um novo Estatuto para a classe. Mário Soares diz que Sócrates é alvo de "ataques raivosos da direita". Os assessores governamentais continuam a fazer de telefonistas e a responder aos blogues. A Assembleia da República descobre que tem dois registos biográficos de José Sócrates datados de 1992 e a Entidade Reguladora para a Comunicação Social (ERC) pretende averiguar se existem pressões. O reitor da UnI é detido. Na sua posse tem uma pasta com documentos sobre as licenciaturas de José Sócrates e Armando Vara. Os partidos vivem tudo isto com manifesto embaraço. José Sócrates dá finalmente a entrevista possível na RTP. Parafraseando uma velha frase: aos costumes disse nada. Mas também o objectivo desta entrevista não era esse: tratava-se sim de um ritual para encerrar este equívoco capítulo do passado. Ritual cumprido, Sócrates tem boas notícias para o futuro: Novas Oportunidades, projectos de Potencial Interesse Nacional (PIN) e possibilidade de referendo ao que então ainda se chamava Tratado Constitucional da UE. Sócrates acaba o mês a acusar a oposição de "bota-abaixismo", sendo o principal visado desta acusação Marques Mendes que levantara questões sobre a Ota e a ida de Pina Moura para a TVI. O país constata que Sócrates é um osso duro de roer. Característica que provavelmente agradou aos portugueses que já começavam a acreditar ser sua sina que os primeiros-ministros não terminassem os mandatos.

Maio de 2007

Para defender a escolha da Ota, Mário Lino declara que "na margem sul não há cidades, não há gente, não há hospitais, nem hotéis nem comércio" e garante, em francês, que jamais o aeroporto irá para esse "deserto".
Com declarações deste teor Sócrates deixou de precisar de explicar que sem ele o Governo não passava dum conjunto de baratas tontas. Quanto ao PS, a avaliar pelas declarações do seu presidente, Almeida Santos - "um aeroporto na margem sul tem um defeito: precisa de pontes. Suponham que uma ponte é dinamitada?" - o desacerto era evidente e o partido bem precisava do apoio do secretário-geral para fazer face às revelações sobre os financiamentos que o PS aceitara quer em Felgueiras quer no Brasil.
Continuavam as notícias sobre a licenciatura de Sócrates ou mais precisamente sobre aquilo que o liga a António Morais e Armando Vara. No meio de tanto passado as questões do presente correm em catadupa: no final do mês, o Presidente da República faz um apelo a que se reaprecie o dossier Ota; o primeiro-ministro anuncia que meio milhão de pessoas vai ter computador e Internet mais baratos, a CGTP organiza uma greve geral e a candidatura de António Costa à autarquia lisboeta obriga à sua substituição no MAI por Rui Pereira.
A suspensão de um funcionário da Direcção Regional de Educação do Norte por este ter feito um comentário jocoso sobre a licenciatura do primeiro-ministro chama a atenção para a partidarização da administração pública. Nada que não se soubesse acontecer mas que com o PS de Sócrates é assumido.

Junho 2007

O Governo começa a preparar o recuo na questão da Ota: quando Cavaco Silva recebe o estudo patrocinado pela Confederação da Indústria Portuguesa (CIP), que apontava Alcochete como alternativa à Ota, Mário Lino anuncia que o Laboratório Nacional de Engenharia Civil (LNEC) vai comparar as opções Ota e Alcochete.
A CGTP continua a encher as ruas. Quanto ao primeiro-ministro, parece apostado em transmitir convicção: diz que Portugal não voltará a enfrentar crises orçamentais, dado o alcance das reformas que o Governo empreendeu e anuncia que o acordo com Joe Berardo deslocou o roteiro internacional de arte contemporânea de Madrid para Lisboa

Julho, Agosto e Setembro de 2007

Boas notícias para José Sócrates: Portugal tem a presidência da UE; António Costa torna-se presidente da CML; o ex-inspector da PJ que denunciou o caso Freeport foi condenado a oito meses de prisão e ao pagamento de uma multa; a PGR arquivou o inquérito à sua licenciatura, embora não consiga explicar como um certificado com data de 1996 inclui um impresso que só podia existir depois de 1998. Entretanto o PSD está sem líder, pois Marques Mendes demite-se na sequência dos resultados das autárquicas lisboetas.
Este é o Verão em que a ASAE se enfurece com as bolas-de-berlim, a aguardente de medronho e a Ginginha do Rossio. O responsável da ASAE defende publicamente que metade dos cafés de Portugal deve fechar e comporta-se como se dirigisse um corpo especial e inquestionável de polícia.

Outubro, Novembro e Dezembro de 2007

Agentes policiais levam material da sede de um sindicato na Covilhã, cidade que iria ser visitada por Sócrates. No meio deste ambiente meio anacrónico tem lugar a cimeira UE-África que traz a Lisboa ditadores vários e o festival da tenda de Kadhafi. Pragmaticamente os portugueses constatam que da América Latina a África aquilo a que pomposamente se chamava política externa é cada vez mais uma política de negócios no estrangeiro.
Este é o tempo do "porreiro, pá" que Sócrates profere a Durão no final da conferência que viu nascer o Tratado de Lisboa: no Parlamento está tudo reduzido a combates entre o imbatível primeiro-ministro e o menino-guerreiro, ou seja, Santana Lopes, que o novo líder do PSD, Luís Filipe Menezes, tornara líder parlamentar. A oposição está sobretudo na rua, sobretudo na CGTP, que só em Outubro fez desfilar 200 mil manifestantes. Mas, acredita-se por essa época em S. Bento, não será difícil mostrar as ligações da CGTP ao PCP e como tal apresentar toda esta contestação como um entrave ao espírito reformista do Governo de de Sócrates, que finda o ano em beleza com a assinatura do Tratado de Lisboa.
Para Sócrates, o pior parece ter passado.

Janeiro a Dezembro de 2008 - Casos e campanhas


Público, 090813

É como se fosse um jogo de xadrez: a cada caso, o primeiro-ministro responde vitimando-se e espalhando dinheiro. Em simultâneo, os ministros dão o dito por não dito e recuam nos intuitos reformistas que tiveram. Na Educação, o resultado é grotesco: incutiu-se a ideia de que os sacrifícios são necessários à reforma mas o ministério recuou praticamente em tudo, à excepção do acréscimo de burocracia. Doutros ministros, como os da Defesa, Justiça, Ambiente e Negócios Estrangeiros, quase se pode supor que se esforçam por tornar o mais discreta possível a sua presença no executivo. Mês a mês, reforça-se a convicção de que José Sócrates governa como se nunca equacionasse que um dia pode ser oposição. A politização da administração pública, a actuação servil dos organismos de regulação e um Estado cada vez mais omnipresente são o legado que deixa a quem lhe suceder. Estranhamente, até ao final deste ano, nunca parece ter pensado que não seria ele a suceder-se a si mesmo.

Janeiro e Fevereiro de 2008

O maior problema do Governo não foi a substituição de Isabel Pires de Lima por um equívoco chamado Pinto Ribeiro e de Correia de Campos por Ana Jorge, muito mais hábil com as corporações do sector e com a imprensa. Muito menos as acusações de governamentalização do BCP para cuja administração passam, vindos directamente da CGD, Carlos Santos Ferreira, Armando Vara e Victor Fernandes. Nestes meses, as preocupações do executivo iam dar a umas casas cujos projectos Sócrates terá assinado embora os donos das mesmas casas não o confirmem. No meio da confusão entre a acumulação de funções empresariais e o cargo de deputado por parte de Sócrates, o caso enreda-se. Para o futuro, fica a carta que José Sócrates escreve ao director do PÚBLICO, pois nela estão delineados os argumentos que já ouvíramos aquando do caso da licenciatura e que se ouvirão seguidamente no caso Freeport e que, por fim, se tornarão na linha da campanha do PS: tudo o que questione Sócrates é uma mentira nascida de motivações ocultas.

Março a Maio de 2008

Nos bastidores dos partidos, vivem-se momentos dos quais não reza a História mas que sabemos simbólicos. Um desses momentos sucedeu em Março de 2008, no Porto, quando os responsáveis do PS transferiram para o Pavilhão Académico o comício inicialmente convocado para a Praça de D. João I. Esta mudança implicou explicar a José Sócrates que o PS não ia conseguir competir em matéria de rua com a Fenprof, que, a 8 de Março, enchera as ruas de Lisboa. Ao país, o confronto entre o discurso da propaganda e a realidade chega não tanto pela queda do indicador da OCDE sobre a economia portuguesa ou as denúncias da intervenção governamental na Lusa. O que condensa essa divergência entre o dito e o acontecido é a notícia de que Sócrates fumou a bordo de um avião da TAP durante uma viagem oficial à Venezuela. De repente, foi como se as palhaçadas de agit-prop a que Chávez sujeitaria a delegação governamental portuguesa tivessem entrado também no avião. Afinal, o primeiro-ministro que, em Maio de 2008, fumou a bordo era exactamente o mesmo cujo Governo fazia sair legislação severa para erradicar os locais de fumo e que, mais uma vez, se assanhava com o pequeno comércio, incapaz de cumprir tanto regulamento. O argumentário do primeiro-ministro coloca-o novamente do lado da legalidade face às polémicas infelizes: "Estava convencido de que não estava a violar nenhuma lei nem nenhum regulamento. Infelizmente, há essa polémica em Portugal e eu quero lamentar essa polémica". No ar ficou não o fumo do cigarro mas qualquer coisa de Chávez.

Junho de 2008

O primeiro--ministro, com o novo aeroporto já devidamente arrumado em Alcochete, apresenta agora o TGV como o "projecto que vai mudar Portugal" e mostra-se particularmente à vontade na ambiência de catástrofe anunciada em que os líderes políticos engrenaram há alguns anos: depois das alterações climáticas e da gripe das aves, chegou a vez de a escassez dos combustíveis e a subida do preço dos cereais servirem de pretexto para o lançamento vertiginoso de programas, taxas e apoios que se esfumam tal como as catástrofes anunciadas. No último dia de Junho de 2008, Dias Loureiro apresenta a biografia de Sócrates da autoria da jornalista Eduarda Maio. Esta tem por título Sócrates - O menino de ouro do PS. O título pode não ser grande coisa, mas é uma realidade: em Junho, Santos Silva reafirma a intenção do PS de pedir maioria absoluta nas legislativas. Na AR, Paulo Rangel, cujo discurso do 25 de Abril de 2007 fora notado, passa a liderar a bancada do PSD. Sendo certo que toda a opinião pública e publicada considera que o principal partido da oposição tem um problema no silêncio de Manuela Ferreira Leite, que sucedera a Luís Filipe Menezes. Os exames colocam uma nova questão: está o ministério a fazer testes mais fáceis para assim obter melhores estatísticas? Sócrates garante que não.

Julho, Agosto e Setembro de 2008

Quando, a 31 de Julho de 2008, o Presidente da República faz uma comunicação ao país, os portugueses sentem-se desiludidos por o tema ser o Estatuto dos Açores. Perderam-se horas a aventar hipóteses sobre doenças e demissões. A paixão nacional pelas doenças levará a que se especule gulosamente com o quadro clínico de quem nos governa mas só um grande infantilismo político, a par de um profundo desconhecimento sobre as personalidades de Cavaco Silva e José Sócrates, pode explicar que neste Julho de 2008 se concebesse como possível repetir o quadro de Novembro de 2004, quando Jorge Sampaio fez cair o Governo de Santana Lopes. Quando, dentro de um ano, o Tribunal Constitucional se pronunciar sobre o mesmo Estatuto e pouco depois surgir o caso da não recondução de João Lobo Antunes no Conselho Nacional de Ética para as Ciências da Vida dá-se como banal adquirido que quer os partidos quer o primeiro-ministro assumem compromissos com Cavaco Silva que posteriormente não cumprem. Mas, no Verão de 2008, o Estatuto dos Açores é ainda uma espécie de moinha nas relações entre Cavaco e Sócrates. A moinha voltará a dar sinal quando se tornar público que o PR espera há dois meses pelos estudos das obras públicas. Alguns militantes socialistas denunciam o que definem como "claustrofobia asfixiante" existente no PS. No país, cresce o sentimento de insegurança perante a criminalidade, mas, para o Governo, esse é um erro de percepção.

Outubro de 2008 a Dezembro de 2008

Este é um período estranho: em Portugal, voltou a conjugar-se o verbo nacionalizar, no caso o BPN. Nas ruas de Lisboa, a Fenprof recria o ambiente do PREC graças ao que define como maior manifestação de sempre. Manuel Alegre continua a fazer render o seu milhão de votos. Sócrates já admite vir a governar em minoria. Mais invulgares para os hábitos nacionais são os ataques ao governador do Banco de Portugal e a prestação do primeiro-ministro promovendo o Magalhães na Cimeira Ibero-Americana. Mas o que é realmente importante neste período não é, por enquanto, visível: José Sócrates sabe que, depois do caso da licenciatura, depois dos projectos das casas, está para chegar o Freeport. Por enquanto, são apenas pequenas notícias dando conta de que o processo Freeport, em segredo de justiça há vários anos, foi pedido para "consulta" pelo Departamento Central de Investigação e Acção Penal e que a polícia inglesa investiga fluxos suspeitos de dinheiro para Portugal. Mas quando o primeiro-ministro se dirige aos portugueses na mensagem de Natal de 2008, prometendo-lhes ajuda em tempos de crise económica, já está a fazer o seu caminho a carta rogatória das autoridades britânicas que o engloba na investigação ao Freeport. Em Janeiro de 2009, chega às primeiras páginas dos jornais. Desde aí, deixa de estar em causa o que o Governo faz ou não faz, pois o eixo da vida política deslocou-se para outro plano: o das histórias e vicissitudes do primeiro-ministro. E é sob esse ângulo ou suspeição que tudo é visto. Sócrates não é mais o homem a quem os portugueses deram uma maioria absoluta em 2005 e que esta cronologia procurou acompanhar. É alguém que corre contra o tempo para ganhar não eleições, coisa comezinha, mas sim os votos que lhe darão um novo ciclo político. Poucos candidatos tiveram alguma vez tanto em jogo quanto Sócrates vai ter em Setembro de 2009

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