Mensagem papal ao Meeting organizado por Comunhão e Libertação em Rimini
Zenit, 20090831
CIDADE DO VATICANO, segunda-feira, 31 de agosto de 2009 (ZENIT.org).- Publicamos a mensagem enviada pelo cardeal Tarcisio Bertone, secretário de Estado, em nome de Bento XVI, à 30ª edição do Meeting para a amizade entre os povos, que o movimento eclesial Comunhão e Libertação organizou na semana passada na cidade italiana de Rimini.
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Excelência Reverendíssima
Por ocasião do Meeting para a amizade entre os povos, que este ano celebra o seu trigésimo aniversário, é-me particularmente grato transmitir a saudação do Santo Padre a Vossa Excelência e a quantos promoveram e organizaram esta manifestação cultural, que em três décadas já viu a participação de milhares e milhares de homens e mulheres, sobretudo jovens, e a intervenção de centenas de relatores nas tribunas preparadas nas salas da feira de Rímini. Coadjuvados por estudiosos de todas as disciplinas, por artistas, autoridades religiosas, representantes do mundo da política, da economia e do desporto, foi possível o confronto sobre questões e exigências fundamentais da existência humana e aprofundar as razões de ser cristão nesta nossa época. Sua Santidade formula votos a fim de que o Meeting continue a enfrentar os desafios e as interrogações que os tempos de hoje apresentam à fé, e a responder-lhes valorizando o ensinamento do saudoso Mons. Luigi Giussani, fundador do movimento eclesial Comunhão e Libertação.
A temática do Meeting de 2009 é sobre o conhecimento que é sempre um acontecimento. "Acontecimento" é uma palavra com que Mons. Giussani tentou manifestar de novo a própria natureza do cristianismo, que para ele é um "encontro", ou seja, um dado experimental de conhecimento e de comunhão. Precisamente a partir da aproximação entre as palavras "acontecimento" e "encontro" é possível compreender melhor a mensagem do Meeting. A reflexão gnoseológica e epistemológica contemporânea esclareceu o papel determinante do sujeito do conhecimento, no próprio acto de conhecer. Contrariamente aos pressupostos do "dogma" positivista da pura objectividade, o princípio de indeterminação de Heisenberg tornou evidente como isto é verdade até para as ciências naturais: também nestas disciplinas, cujo "objecto" parece ser regulado por invariáveis leis da natureza, a perspectiva do observador é um factor que condiciona e determina o resultado da experiência científica, e por conseguinte do conhecimento científico como tal. Por isso, a pura objectividade é pura abstracção, expressão de uma gnoseologia inadequada e irrealista.
Mas se isto é verdadeiro para as ciências naturais, é-o ainda mais para aqueles "objectos" de conhecimento que, por sua vez, estão estruturalmente ligados à liberdade dos homens, às suas opções e diversidades. Pensemos nas ciências históricas, que se baseiam em testemunhos para os quais convergem, como factores que influenciam o seu modo de comunicar a realidade que transmitem, as visões do mundo de quem as compôs e as suas convicções, por sua vez vinculadas às da sua época, às suas situações pessoais, às escolhas com que eles se puseram em relação com a realidade que descrevem, à sua envergadura moral, às suas capacidades, ao seu engenho e à sua cultura. Portanto, o estudioso que se aproxima do seu objecto deverá discernir tudo isto, para compreender e avaliar o significado e o alcance da mensagem transmitida num contexto de conjunto, agindo como se se encontrasse diante de uma pessoa que ainda não conhece bem, mas que lhe está a narrar algo que, contudo, ele considera que é importante conhecer. A consequência mais relevante de tal situação é que o conhecimento não pode ser descrito como a gravação de um espectador indiferente. Pelo contrário, o compromisso com o objecto conhecido por parte do sujeito conhecedor é uma conditio sine qua non do próprio conhecimento. E portanto, não é a indiferença nem a ausência de compromisso o ideal a perseguir, de resto em vão, na busca de um conhecimento "objectivo", mas sim um compromisso adequado com o objecto, um compromisso apto para fazer chegar a quem interroga o conhecimento, a sua mensagem específica.
Eis por que motivo o conhecimento pode ser um "acontecimento". Ela "acontece" como um verdadeiro "encontro" entre um sujeito e um objecto. Que tal encontro seja necessário, para que se possa falar de conhecimento, faz-nos então considerar o sujeito e o objecto não como duas grandezas que se podem manter reciprocamente a uma distância asséptica, em vista de preservar a sua pureza; pelo contrário, eles são duas realidades vivas que se influenciam uma à outra, precisamente quando entram em contacto recíproco. A honestidade intelectual daquele que conhece está inteiramente naquela máxima arte de "acolher o objecto", de modo que ele possa revelar-se a si mesmo como é verdadeiramente, embora não de maneira integral e completa. E o acolhimento do objecto, a disponibilidade da escuta que caracteriza o sujeito conhecedor como verdadeiro amante da verdade, pode descrever-se como uma espécie de "simpatia" pelo objecto. Há aqui, como uma boa parte do pensamento medieval nos transmitiu, uma particular força cognoscitiva, própria do amor. "Amar" significa "desejar conhecer", e o desejo e a busca do conhecimento são um impulso interior do amor como tal. Por conseguinte, considerando bem, isto estabelece uma relação insuprimível entre amor e verdade. Por sua natureza, o conhecimento pressupõe uma certa "conformação" de sujeito e objecto: uma intuição fundamental, já condensada no antigo axioma de Empédocles, segundo o qual "o semelhante conhece o semelhante". O evangelista João evoca-o de maneira implícita, onde escreve que quando Deus "se manifestar, nós seremos semelhantes a Ele, porque O veremos como Ele é" (1Jo 3,2).
Poderíamos perguntar-nos se existe conhecimento mais necessário para o homem que o do seu Criador; se há conhecimento mais adequadamente descrito pela palavra "encontro", do que a relação fundamental que existe precisamente entre o espírito do homem e o Espírito de Deus. Então, compreende-se porque os Padres da Igreja insistiram sobre a necessidade de purificar o olhar da alma para chegar a ver Deus, inspirando-se na bem-aventurança evangélica: "Bem-aventurados os puros de coração, porque verão a Deus" (Mt 5, 8). A racionalidade do homem só pode ser exercida, e portanto alcançar a finalidade que lhe é própria, que é o conhecimento da verdade e de Deus, graças a um coração purificado e sinceramente amante da verdade que ele procura. Purificado de tal maneira, o espírito humano pode abrir-se à revelação da verdade. Por conseguinte, existe um nexo misterioso entre a bem-aventurança evangélica e as palavras dirigidas por Jesus a Nicodemos, citadas por São João: "O que nasceu da carne é carne, e o que nasceu do Espírito é espírito... Tendes de nascer de novo" (Jo 3, 6-7).
O Santo Padre Bento XVI faz votos para que estas palavras de Cristo ressoem no coração dos participantes na 30ª edição do Meeting de Rímini, como apelo a dirigir-se com confiança a Ele, para acolher a sua presença misteriosa, que para o homem e a sociedade é nascente de verdade e de amor. Com tais sentimentos, enquanto formula votos de pleno bom êxito a esta manifestação, concede a Vossa Excelência, aos responsáveis e a todos aqueles que estão presentes, uma especial Bênção Apostólica.
Uno de bom grado os meus bons votos, e aproveito o ensejo para me confirmar com sentimentos de distinto obséquio,
de Vossa Excelência Reverendíssima
dev.mo no Senhor
Tarcisio Card. Bertone
Secretário de Estado
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