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A mostrar mensagens de 2001

Terra dos livres, lar dos bravos

João Carlos Espada Público, 2001.12.17 EDUARDO Prado Coelho voltou a brindar-me com uma crítica no jornal «Público». Desta vez, EPC critica-me pelo meu elogio a Harry Potter. Mas, o que realmente o indignou foi o facto de eu ter associado talibãs e pós-modernos. Isso não é possível, diz EPC, porque os talibãs têm uma verdade única e os pós-modernos negam os fundamentos de qualquer verdade. Para EPC, talibãs e pós-modernos são pólos opostos e eu, bem lá no fundo, estaria mais perto dos talibãs. O facto, no entanto, é que os pós-modernos têm uma verdade, a que se apegam com grande entusiasmo: a de que não existe verdade. E mais: a de que essa verdade que a verdade não existe é a única base para a democracia, a liberdade e a tolerância. Devido a estes pressupostos, eles querem «educar-nos». E querem que o Estado adopte uma ideologia educativa oficial: a de que não existe verdade. Esta é a ideologia hoje propagada pelas escolas do Estado, pelas campanhas de «educação sexual» do Est

As falsas vítimas

João César das Neves, DN, 20011029 Os terroristas de Setembro justificaram o seu acto cruel pelo facto de serem... vítimas. A suposta legitimidade para matar milhares de inocentes vinha da resposta ao alegado imperialismo americano. Este raciocínio é típico desta época e, embora em geral menos sangrento, é hoje partilhado por muita gente. Vivemos num período em que grande parte da violência, mesmo a mais infame, é apresentada como indemnização de vítimas. Uma das nossas grandezas é, sem dúvida, a grande preocupação com a equidade e a justiça. Desde o último século que se vive um grande movimento, de leis, programas e instituições para defesa e promoção dos pobres e desprotegidos, dos excluídos e minoritários. O juízo da História irá, certamente, sublinhar a generosidade e o valor do nosso grande interesse pelas vítimas da opressão, desvantagem e discriminação. Mas até os ideais mais elevados podem ser corrompidos. Por isso, frequentemente a luta contra a injustiça é invocada com pr

Guerra Santa

João César das Neves DN 2001.11.26 As grandes religiões, incluindo o Islão, estão todas de acordo: Deus não gosta nada da violência e da guerra. Ele é o Deus da paz. Mas uma distorção subtil deste ponto tem vindo a ser usada para fazer guerra à religião. Diz ela que a luta entre crentes é inaceitável em qualquer situação. Ela é mesmo incompreensível. O nosso tempo não entende que alguém lute e morra em nome de Deus. Por isso despreza a religião. A agressão é sempre, obviamente, inaceitável. Existe apenas um caso em que a violência se justifica, a legítima defesa. Foi essa a razão que os americanos invocaram para este ataque. O argumento é muitas vezes abusado, mas isso não lhe tira a lógica. Todos a aceitamos. Os combatentes pela liberdade têm um lugar elevado na glória da sociedade ocidental. A nossa opinião pública, tal como todas as culturas em todos os tempos, percebe perfeitamente que uma pessoa ou um povo se levantem em armas para defender as suas vidas, casas, modo de

O bem e o mal

António Pinto Leite Expresso, 2001.11.17  O mês de Novembro do ano 2001 foi o tempo em que uma organização terrorista, capaz do crime de Nova Iorque, ameaçou o Mundo com o uso de armas nucleares. Estes são os dias em que potências nucleares escondem as suas próprias armas, ou se desdobram, talvez mais do que nos bombardeamentos no Afeganistão, a proteger as suas centrais nucleares. Neste contexto, a Humanidade vive com ansiedade diária a nova guerra. A questão de fundo, todavia, está para além dos protagonistas concretos do momento. A questão de fundo da actualidade é uma luta de ontem, de hoje e de sempre, é a luta entre o Bem e o Mal. O Bem e o Mal não tanto entendidos como categorias morais, mas como conceitos que se jogam na fronteira patológica do demoníaco. O Mal existiu, existe e existirá sempre. O Ocidente não tem, sequer, razões para se orgulhar: a evidência mais cruel da maldade humana recente pertence-lhe. Foi Hitler. O que hoje há de novo na tensão entre o

O Sino da Minha Aldeia

Impressiona-me neste artigo a verificação de que a verdade do significado das coisas (como o ritmo do tempo marcado pelo sino da igreja que sacraliza o tempo, isto é, que reconhece a sua origem no Senhor de todas as coisas) é verdadeira para todos, sobretudo para aqueles que vivem de foma mais emenhada a sua humanidade, mesmo que a percebam superficial ou confusamente. Fico contente por isso. Pedro Aguiar Pinto O Sino da Minha Aldeia EDUARDO PRADO COELHO Público, Quarta-feira, 14 de Novembro de 2001 Dizem os jornais que a Direcção-Geral do Ambiente solicitou à Igreja Católica o cumprimento da lei do ruído. Ao que parece, há pessoas que não conseguem dormir porque os sinos lhes interrompem o sono. Sobretudo (e neste ponto não se pode deixar de lhes dar razão) quando os sinos por campânulas são substituídos por mecânicos sistemas de amplificação sonora. Propõe-se assim que, sobretudo entre as 22 horas e as 7 horas da manhã, os sinos deixem de tocar - para que cada um possa ter o

A Banalidade do Mal

JOSÉ VÍTOR MALHEIROS Público, Terça-feira, 13 de Novembro de 2001 Nunca um acidente de um enorme avião de passageiros foi recebido com maior frieza que o do Airbus que ontem se esmagou no bairro de Queens, em Nova Iorque, matando todos os seus ocupantes. Depois de um primeiro momento de suspensão, em que se receou que pudéssemos reviver os momentos do ataque às torres do World Trade Center, em que se imaginou um segundo aparelho espetando-se na parede espelhada da sede das Nações Unidas, ou outro desastre encenado frente às câmaras que apontavam à distância para Queens, a adrenalina diminuiu até a excitação se transformar numa quase indiferença, à medida que a tese do possível ataque terrorista não era confirmada pelos dados. Claro que a população das zonas limítrofes teve o seu momento de pânico (não é todos os dias que cai um avião na nossa rua), mas mesmo os moradores de Queens que foram entrevistados pelas televisões mostravam um sangue-frio de cirurgiões de Serviço de Urg

O maior dom

João César das Neves Diário de Notícias, 20011112 Tempo é dinheiro. E nos tempos que correm, com a enorme ocupação geral, tempo é mesmo muito dinheiro. Por isso, dar tempo aos outros é hoje uma das ofertas mais difíceis e valiosas que se podem fazer. Estamos no Ano Internacional dos Voluntários, iniciativa com que a ONU pretende chamar a nossa atenção para a miríade de actividades desinteressadas em que, um pouco por todo o mundo, muitas pessoas se entregam em solidariedade ao próximo. Dada a estrutura da vida moderna, estas iniciativas contam-se entre as dádivas mais generosas da sociedade contemporânea. A opinião corrente é que vivemos num mundo egoísta e impiedoso, mesquinho e calculista, onde nada se dá sem receber algo em troca. No entanto, nesta como em todas as épocas, existem muitos exemplos grandiosos de benevolência generosa e altruísmo empenhado que nascem de uma nobre atitude de vida. As sociedades mecânicas e capitalistas, onde o poder de mercado domina, são também a

Um Certo Islão e Um Certo Ocidente

ANTÓNIO BAGÃO FÉLIX* Público, Domingo, 4 de Novembro de 2001 O que certo Islão fanatizou por excesso, certo Ocidente banalizou por defeito: a religião. O que certo Islão transformou em imposição e intolerância, certo Ocidente escarneceu com pretensa superioridade: a tradição. O que certo Islão assassinou na perseguição, certo Ocidente desvalorizou no comportamento: a virtude. O que certo Islão fingiu combater, certo Ocidente conseguiu trivializar: o vício. O que certo Islão diabolizou, certo Ocidente relativizou: o bem. O que certo Islão espalhou, certo Ocidente consentiu: o mal. O que certo Islão abusou, certo Ocidente corrompeu: o respeito pela Vida. O que certo Islão anulou, certo Ocidente deixou de consultar: a consciência. O que certo Islão proibiu, certo Ocidente comercializou: o prazer sem limites. O que certo Islão desviou para o mal, certo Ocidente idolatrou como fim supremo: o dinheiro. O que certo Islão fabricou em nome do mal, certo Ocidente destruiu em nome do igualitar

Afeganistão: Uma Guerra com Sexo

ZITA SEABRA Público, Domingo, 4 de Novembro de 2001 Já se entendeu em todas as guerras recentes que tão importante como a condução das operações militares no terreno é a capacidade de fazer propaganda. Está em muitas memórias a influência decisiva da divulgação da fotografia da menina vietnamita bombardeada com Napalm para o desenlace da guerra do Vietname, e ainda não estávamos, como hoje, na era das comunicações, da televisão, da Net. Vivemos presentemente um tempo em que tudo está tão próximo de nós, que temos a sensação de que a informação é neutra e isenta, que não é possível que ninguém a filtre e que somos nós, cada um de nós, que está no terreno a julgar com os seus próprios olhos o que se está passando. Há, porém, um momento em que consciencializamos o que estamos a ver e sobretudo o que estamos a não ver. É esse o momento em que a passividade do telespectador dá lugar à indignação, por vezes tão profunda que temos necessidade de a partilhar com outros. Tudo isto vem a p

Os (Dois) Lados da Guerra

MÁRIO PINTO Público, Segunda-feira, 29 de Outubro de 2001 1 - Nos últimos dias, vários articulistas sublinharam a ideia de que esta guerra contra o terrorismo tem dois lados: o lado do terrorismo, e o lado dos que consideram justo e necessário derrotar o terrorismo, e por isso apoiam a guerra empreendida pelos Estados Unidos numa larga coligação de países em todo o mundo. Quero declarar que me coloco na posição de apoio a esta guerra justa e necessária. Porque a humanidade não pode entrar num período da sua história em que o terrorismo massivo se torne legítimo ou tolerado, seja qual for o nome ou a causa que invoque. É necessário que esta guerra constitua um facto histórico inequívoco contra um tal terrorismo. Que o erradique da vida internacional de forma eficaz e inquestionável. É por isso que as posições equívocas acerca da iniciativa dos Estados Unidos, mais centradas na sua crítica do que na compreensão da sua justiça e das suas dificuldades, se podem constituir em posições qu

A Guerra e o Crime

Portugal Diário 28-10-2001 18:06:26 António Barreto Logo após o 11 de Setembro, foram dados, pelo governo americano, sinais confusos. Falou-se sucessivamente de «guerra» e «guerra ao terrorismo», o que não é exactamente a mesma coisa. Falou-se de seguida em «trazer os criminosos perante a justiça», logo se corrigindo com um acrescento «ou levando a justiça aos criminosos». Depois, a primeira designação da campanha política e militar em curso, «justiça infinita», foi de uma infelicidade a toda a prova, revelando seguramente um estado de espírito perturbado. O termo «cruzada», com toda a sua carga histórica e religiosa, foi utilizado frequentemente, pelo menos nos primeiros tempos. Não faltou muito tempo para que George W. Bush, numa velha tradição do «west», a meio caminho entre a guerra e a justiça, proclamasse que procurava Bin Laden «vivo ou morto». Com os dias, gradualmente, foram sendo feitas correcções políticas. Estamos hoje perante uma situação um pouco mais clara, apesar de s

A cultura do medo

Manuel Pinto-Coelho Euronotícias 2001.10.26 Mas que mundo estranho este o nosso que se sente vulnerável e inseguro por causa de um mal para o qual a ciência já há muito encontrou um antídoto e que até à data não vitimou ao todo mais que duas mãos-cheias de pessoas, insistindo em viver masoquisticamente em sessão contínua à espera sofregamente de mais alguma notícia que possa continuar a alimentar a sua sede draculineana de mais vítimas desse “terrível” antraz, qual flagelo implacável que, a todo o momento, através de um qualquer sobrescrito mais manhoso se pode abater sobre a cabeça do mais incauto, gastando milhões para caçar os terroristas responsáveis, negligenciando uma oportunidade de ouro para, isso sim, prevenir facilmente um mal que mata incomparavelmente muito mais, utilizando meios incomparavelmente mais modestos e não tendo ainda por cima que sacrificar qualquer vida humana!? Referimo-nos, claro está, à toxicodependência, à heroína, de que os afegãos “contribuem” com 6

O Lugar do Meu Deus

MÁRIO PINTO Público, Segunda-feira, 22 de Outubro de 2001 1 - No Público do dia 20, Helena Matos escreveu um artigo focando o lugar de Deus e o lugar dos homens numa civilização da concórdia universal. O artigo respira uma visão alternativa entre Deus e os homens; entre o lugar de Deus e o lugar dos homens. Nele se nota que Deus tem um lugar, o lugar «da consciência e da fé» de cada um dos crentes. Mas que «a vida dos homens no mundo, essa, depende dos homens». E se conclui que «por amor dos homens - e porque não de Deus? - convém que jamais confundamos uma coisa com a outra». Li esta reflexão e estou de acordo com a ideia da autonomia das realidades terrenas. Contudo, debaixo desta formulação a Autora parece defender uma convicção acerca do lugar de Deus que não é a minha. O Deus da minha fé está excluído da sua pressuposição. Vale então a pena que eu exponha algumas reflexões, a este propósito. 2 - Helena Matos considera que, com «colocar Deus no seu devido lugar», «um dos mais imp

Liberdades

Vasco Pulido Valente DN, 20011020 Algumas personagens de comprovada lucidez pensam que Bin Laden está a ganhar a guerra e começam a temer pelas liberdades. Segundo parece, Bin Laden está a ganhar a guerra, por causa do pânico que o anthrax provocou na América. O anthrax encontrou, de facto, um bom terreno. Há anos que os média se comprazem em lançar os seus pequenos pânicos neste particular capítulo: vamos todos morrer, por causa do álcool, do tabaco, da margarina, da manteiga, da carne, do peixe, do sol, do stress , dos remédios, disto, daquilo e daqueloutro e até dos telefones. Eu já cheguei a escrever uma coluna (meia página) só com a lista dos perigos da semana. O anthrax (de resto, uma doença não transmissível e curável) excita fatalmente a sociedade hipocondríaca em que vivemos. Mas não notei qualquer tentativa para suprimir informação. Pelo contrário, na América, os média não falam de outra coisa. Como também não vi nada que se parecesse com autêntico terror. O Estado Fede

A verdadeira guerra

João César das Neves DN 20011015 A palavra "guerra" apareceu logo nos primeiros momentos após o atentado de 11 de Setembro. De facto, o número de vítimas, a dimensão da destruição e a crueldade do acto parecem episódios dessa mais horrível das actividades humanas. Mas, se se trata de uma guerra, os Estados Unidos e a civilização estão a perder. Os danos causados pelos terroristas, que só no World Trade Center estão estimados pelas seguradoras acima de 30 mil milhões de dólares, são mais do dobro de todo o produto nacional do Afeganistão após anos de guerra civil. O número de vítimas ultrapassa o de muitas batalhas da história. Comparando estes estragos feitos por 19 homens armados de navalhas com os sofisticados bombardeamentos americanos, vemos imediatamente que a vantagem está do lado dos terroristas. Esta é a razão do medo gélido que traz todo o Ocidente refém. As ameaças de Ben Laden, a sua capacidade de destruição e impunidade, que desafia as tecnologias de armamento

O Terror e a Esquerda

ANTÓNIO BARRETO Público , Domingo, 14 de Outubro de 2001 A esquerda sempre teve um problema com a violência e o terrorismo. Há excepções, um partido aqui, um dirigente ali, um governante acolá, um pensador mais além. Mas, no conjunto e ao longo da história recente, jamais a esquerda conseguiu libertar-se desta espécie de hipoteca filosófica. "A violência é parteira da história". "Há terrorismo necessário". "A revolta violenta das massas oprimidas é legítima". "A violência revolucionária é a resposta das massas exploradas à violência da burguesia". "Nas revoluções há sempre vítimas inocentes". Eis alguns exemplos de frases conhecidas há décadas. Com isto, a maior parte da esquerda nunca condenou integralmente, quaisquer que fossem os seus autores e os seus alvos, o terrorismo. A maior parte da esquerda nunca distinguiu rigorosamente a violência legítima do terrorismo. Sempre a esquerda, com excepções, se sentiu desconfortável com o t

O "MAS" DA TRAGÉDIA ou A TRAGÉDIA DO "MAS"?

António Bagão Félix 2001-10-11 Com a tragédia de 11 de Setembro, o coração da dignidade da pessoa humana foi esventrado de uma maneira inimaginavelmente brutal. O mais insondável obscurantismo aliou-se terrificamente ao fenómeno de banalização das sofisticadas tecnologias do progresso, para destruir e matar cegamente. Porque a "distância" entre crime  e castigo é, neste caso, perturbadoramente assimétrica, a busca persistente da justa justiça vai ser tarefa bem árdua, num atentado que foi direito às entranhas dos valores civilizacionais (e não apenas americanos). É preciso ser claro: a questão aqui não é ideológica, religiosa, política, intelectual. É "apenas" e na sua essência humana e moral. Não há fins que possam justificar meios tão demoníacos. Quase metade dos países deste mundo têm homens e mulheres mortos nesta tragédia. Sessenta e dois, mais precisamente. Que outro ponto do Mundo poderia melhor representar a humanidade no caleidoscópio das nações, etni