Os (Dois) Lados da Guerra
MÁRIO PINTO
Público, Segunda-feira, 29 de Outubro de 2001
1 - Nos últimos dias, vários articulistas sublinharam a ideia de que esta guerra contra o terrorismo tem dois lados: o lado do terrorismo, e o lado dos que consideram justo e necessário derrotar o terrorismo, e por isso apoiam a guerra empreendida pelos Estados Unidos numa larga coligação de países em todo o mundo. Quero declarar que me coloco na posição de apoio a esta guerra justa e necessária. Porque a humanidade não pode entrar num período da sua história em que o terrorismo massivo se torne legítimo ou tolerado, seja qual for o nome ou a causa que invoque. É necessário que esta guerra constitua um facto histórico inequívoco contra um tal terrorismo. Que o erradique da vida internacional de forma eficaz e inquestionável.
É por isso que as posições equívocas acerca da iniciativa dos Estados Unidos, mais centradas na sua crítica do que na compreensão da sua justiça e das suas dificuldades, se podem constituir em posições que enfraquecem a condenação do terrorismo.
Não se trata de, por estas razões, escamotear os problemas, éticos e políticos, que a situação do mundo e o protagonismo dos Estados Unidos levantam à nossa consideração. Trata-se, isso sim, de não os tratar de tal modo que o resultado prático político do discurso seja uma condenação dos Estados Unidos e do ocidente. Todos já sabemos muito bem as artes da dialéctica e o manejo da semântica para nos iludirmos uns aos outros com o que dizemos.
Podemos, é claro, manter esta guerra em tensão permamente com a justiça e a piedade, a eficácia e a contenção, a perseguição dos culpados e a protecção dos inocentes - e creio que tem sido essa tensão, alimentada de muitas vozes e de muitos lados, que tem ajudado os Estados Unidos a conduzir a guerra com cuidados e atenções como não há memória de nenhuma outra anterior. Fazer uma guerra assim é algo de impossível pré-definição prática. A severidade do julgamento ético tem de combinar-se com a compreensão das dificuldades existenciais.
Finalmente. É necessário continuar a defender a justiça e a paz no mundo. Mas esta guerra não é (não quer ser e não irá ser) uma guerra de ricos contra pobres: é uma guerra de homens que querem viver em paz e segurança contra os que defendem que podem matar, até ao limite do seu suicídio (o que agrava o problema) aqueles outros que erigem em seus inimigos. Se substituirmos a questão da guerra entre pacíficos e violentos pela questão da injustiça entre ricos e pobres, estamos a substituir um problema ético por outro. E a eliminar o primeiro, ou a reduzi-lo a um simples acréscimo. Infelizmente, a segurança impõe-se como valor autónomo perante a própria justiça, como a humanidade sabe desde há séculos. E nós, todos os dias, simples e convictos, aceitamos por exemplo o princípio do caso julgado. Ou a prisão preventiva. Ou muitas outras instituições da nossa democracia e da nossa civilização. Claro: sempre sem perder de vista o respeito pelas liberdades individuais, mas na razoável medida do bem comum de que somos capazes.
2 - As Nações Unidas comemoraram, na quarta-feira passada, os seus 56 anos. O dia das Nações Unidas é celebrado em 24 de Outubro, porque foi nesse dia do ano de 1945 que a ONU iniciou a sua existência, após satisfeita a exigência da ratificação da Carta das Nações Unidas pelas cinco potências (China, França, União Soviética, Reino Unido e Estados Unidos) e pela maioria dos outros estados signatários. 56 anos não são uma conta redonda; mas caem nesta situação dramática de guerra mundial (contra o terrorismo). Por esta razão, merecem ser especialmente festejados.
A Carta das Nações Unidas foi, no seu processo de nascimento, uma grande esperança para a humanidade, numa altura em que terminava a II Guerra Mundial e todas as nações ansiavam por uma paz comum e duradoira. Apesar das dificuldades e até dos falhanços, as Nações Unidas continuam a constituir, hoje, a referência político-institucional mais importante que possuímos de uma comunidade internacional que irmane todos os povos, e em que todos os povos podem entrar a contribuir com igual dignidade e responsabilidade.
3 - A paz e a segurança, como a saúde, o alimento e tantos outros bens essenciais, só os valorizamos devidamente quando, de repente, nos faltam. Somos assim, distraídos e levianos; habituamo-nos aos bens como se eles nos fossem garantidos para sempre. Por isso nos amadurecem as crises e as faltas. Aprendemos sempre de novo duas coisas: que nada nos é garantido, e que temos de nos esforçar pelos bens de que necessitamos. É um problema de educação. É um problema de cultura.
Muito significativamente, este ano de 2001 é um ano dedicado pela ONU ao voluntariado. Com estas comemorações do voluntariado, confluem as celebrações da UNESCO, que mantém como proposta o «ano das Nações Unidas do diálogo entre civilizações». A ideia força é a da «educação para uma cultura de paz», que pretende «promover valores, atitudes e comportamentos nas pessoas, de tal modo que se prossigam objectivos de solução pacífica dos problemas» (ver o sítio da UNESCO na Internet).
4 - Contribuições para a paz. As Nações Unidas e Kofi Anan receberam o prémio Nobel da Paz. O Comité do Prémio sublinhou que as Nações Unidas são uma vanguarda dos esforços para a paz e a segurança.
D. Zacarias Kamuenho recebeu («ex-aequo» com um par israelo-palestiniano) o Prémio Sakharov. Pelos seus esforços em favor da paz. Nestes dias, foi também lançada em Lisboa mais uma iniciativa de paz para Angola, por altos representantes da Igreja Católica de Angola e outras personalidades.
Enfim, a guerra é hoje um drama doloroso para a consciência do mundo, que anseia pela paz. Mas à nossa volta jorram constantemente fontes de paz. Graças a Deus. É preciso ter olhos para ver.
Público, Segunda-feira, 29 de Outubro de 2001
1 - Nos últimos dias, vários articulistas sublinharam a ideia de que esta guerra contra o terrorismo tem dois lados: o lado do terrorismo, e o lado dos que consideram justo e necessário derrotar o terrorismo, e por isso apoiam a guerra empreendida pelos Estados Unidos numa larga coligação de países em todo o mundo. Quero declarar que me coloco na posição de apoio a esta guerra justa e necessária. Porque a humanidade não pode entrar num período da sua história em que o terrorismo massivo se torne legítimo ou tolerado, seja qual for o nome ou a causa que invoque. É necessário que esta guerra constitua um facto histórico inequívoco contra um tal terrorismo. Que o erradique da vida internacional de forma eficaz e inquestionável.
É por isso que as posições equívocas acerca da iniciativa dos Estados Unidos, mais centradas na sua crítica do que na compreensão da sua justiça e das suas dificuldades, se podem constituir em posições que enfraquecem a condenação do terrorismo.
Não se trata de, por estas razões, escamotear os problemas, éticos e políticos, que a situação do mundo e o protagonismo dos Estados Unidos levantam à nossa consideração. Trata-se, isso sim, de não os tratar de tal modo que o resultado prático político do discurso seja uma condenação dos Estados Unidos e do ocidente. Todos já sabemos muito bem as artes da dialéctica e o manejo da semântica para nos iludirmos uns aos outros com o que dizemos.
Podemos, é claro, manter esta guerra em tensão permamente com a justiça e a piedade, a eficácia e a contenção, a perseguição dos culpados e a protecção dos inocentes - e creio que tem sido essa tensão, alimentada de muitas vozes e de muitos lados, que tem ajudado os Estados Unidos a conduzir a guerra com cuidados e atenções como não há memória de nenhuma outra anterior. Fazer uma guerra assim é algo de impossível pré-definição prática. A severidade do julgamento ético tem de combinar-se com a compreensão das dificuldades existenciais.
Finalmente. É necessário continuar a defender a justiça e a paz no mundo. Mas esta guerra não é (não quer ser e não irá ser) uma guerra de ricos contra pobres: é uma guerra de homens que querem viver em paz e segurança contra os que defendem que podem matar, até ao limite do seu suicídio (o que agrava o problema) aqueles outros que erigem em seus inimigos. Se substituirmos a questão da guerra entre pacíficos e violentos pela questão da injustiça entre ricos e pobres, estamos a substituir um problema ético por outro. E a eliminar o primeiro, ou a reduzi-lo a um simples acréscimo. Infelizmente, a segurança impõe-se como valor autónomo perante a própria justiça, como a humanidade sabe desde há séculos. E nós, todos os dias, simples e convictos, aceitamos por exemplo o princípio do caso julgado. Ou a prisão preventiva. Ou muitas outras instituições da nossa democracia e da nossa civilização. Claro: sempre sem perder de vista o respeito pelas liberdades individuais, mas na razoável medida do bem comum de que somos capazes.
2 - As Nações Unidas comemoraram, na quarta-feira passada, os seus 56 anos. O dia das Nações Unidas é celebrado em 24 de Outubro, porque foi nesse dia do ano de 1945 que a ONU iniciou a sua existência, após satisfeita a exigência da ratificação da Carta das Nações Unidas pelas cinco potências (China, França, União Soviética, Reino Unido e Estados Unidos) e pela maioria dos outros estados signatários. 56 anos não são uma conta redonda; mas caem nesta situação dramática de guerra mundial (contra o terrorismo). Por esta razão, merecem ser especialmente festejados.
A Carta das Nações Unidas foi, no seu processo de nascimento, uma grande esperança para a humanidade, numa altura em que terminava a II Guerra Mundial e todas as nações ansiavam por uma paz comum e duradoira. Apesar das dificuldades e até dos falhanços, as Nações Unidas continuam a constituir, hoje, a referência político-institucional mais importante que possuímos de uma comunidade internacional que irmane todos os povos, e em que todos os povos podem entrar a contribuir com igual dignidade e responsabilidade.
3 - A paz e a segurança, como a saúde, o alimento e tantos outros bens essenciais, só os valorizamos devidamente quando, de repente, nos faltam. Somos assim, distraídos e levianos; habituamo-nos aos bens como se eles nos fossem garantidos para sempre. Por isso nos amadurecem as crises e as faltas. Aprendemos sempre de novo duas coisas: que nada nos é garantido, e que temos de nos esforçar pelos bens de que necessitamos. É um problema de educação. É um problema de cultura.
Muito significativamente, este ano de 2001 é um ano dedicado pela ONU ao voluntariado. Com estas comemorações do voluntariado, confluem as celebrações da UNESCO, que mantém como proposta o «ano das Nações Unidas do diálogo entre civilizações». A ideia força é a da «educação para uma cultura de paz», que pretende «promover valores, atitudes e comportamentos nas pessoas, de tal modo que se prossigam objectivos de solução pacífica dos problemas» (ver o sítio da UNESCO na Internet).
4 - Contribuições para a paz. As Nações Unidas e Kofi Anan receberam o prémio Nobel da Paz. O Comité do Prémio sublinhou que as Nações Unidas são uma vanguarda dos esforços para a paz e a segurança.
D. Zacarias Kamuenho recebeu («ex-aequo» com um par israelo-palestiniano) o Prémio Sakharov. Pelos seus esforços em favor da paz. Nestes dias, foi também lançada em Lisboa mais uma iniciativa de paz para Angola, por altos representantes da Igreja Católica de Angola e outras personalidades.
Enfim, a guerra é hoje um drama doloroso para a consciência do mundo, que anseia pela paz. Mas à nossa volta jorram constantemente fontes de paz. Graças a Deus. É preciso ter olhos para ver.
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