O bem e o mal

António Pinto Leite
Expresso, 2001.11.17 

O mês de Novembro do ano 2001 foi o tempo em que uma organização terrorista, capaz do crime de Nova Iorque, ameaçou o Mundo com o uso de armas nucleares.
Estes são os dias em que potências nucleares escondem as suas próprias armas, ou se desdobram, talvez mais do que nos bombardeamentos no Afeganistão, a proteger as suas centrais nucleares.
Neste contexto, a Humanidade vive com ansiedade diária a nova guerra. A questão de fundo, todavia, está para além dos protagonistas concretos do momento. A questão de fundo da actualidade é uma luta de ontem, de hoje e de sempre, é a luta entre o Bem e o Mal.
O Bem e o Mal não tanto entendidos como categorias morais, mas como conceitos que se jogam na fronteira patológica do demoníaco.
O Mal existiu, existe e existirá sempre. O Ocidente não tem, sequer, razões para se orgulhar: a evidência mais cruel da maldade humana recente pertence-lhe. Foi Hitler.
O que hoje há de novo na tensão entre o Bem e o Mal é a dimensão assustadora das armas de que o Mal dispõe.
O que se tornou qualitativamente diferente na História do Homem é a capacidade que o Mal tem de, não só destruir homens, como destruir a Humanidade.
A ansiedade diária pela nova guerra transforma-se numa pressa inútil se admitirmos que os terroristas de hoje mais não são do que a expressão da própria condição humana e daquela sua tremenda dualidade.
Olhar Bin Laden como causa aleatória de um tempo de terror, por pior que ele seja, é bem mais tranquilizante do que olhá-lo como sintoma natural da própria natureza humana.
A primeira versão torna-o perigoso mas derrotável. A segunda versão torna-o passageiro, é certo, mas imbatível, porque a natureza humana é, ela mesma, intorneável.
O conceito terrorista de não limite no uso das armas disponíveis, conjugado com as potencialidades mortíferas do arsenal de armas criadas pelo Homem, mais do que um acontecimento, desenha-se como um precedente.
Agora é a causa islâmica que inspira este momento e é o milionário saudita o seu grande animador. Mas não estarão criadas as condições - a perversidade marginal do Homem e as novas armas disponíveis - para que, amanhã, seja outra a causa e outros os animadores, sendo que as armas serão cada vez mais mortíferas e mais acessíveis?
E o potencial catastrófico das armas existentes não constitui, ele próprio, um factor fascinante e desencadeante da maldade humana?
O Mal é próprio da condição humana e, por isso, as suas consequências são recorrentes na vida em comum.
A visibilidade que hoje se pode ter do futuro permite perceber, por exemplo, como será transtornante o efeito para a Humanidade do acesso e da manipulação das ciências da vida por mentes perversamente orientadas. Levará dez, vinte ou cinquenta anos, mas chegará o dia em que a manipulação genética cairá também nas mãos deste tipo de personalidades e de organizações.
O verdadeiro problema da Humanidade é como passar a conviver com o Mal tendo-lhe dado a possibilidade quase decisiva de destruir o Homem ou de o tornar irreconhecível.
É preciso ganhar a guerra a curto prazo, para ir a tempo de repensar a Humanidade a longo prazo.
O mundo que combate o terrorismo combate o Mal, é certo, mas não representa, só por isso, o Bem. É sobre isso que é preciso reflectir e a partir daí transformar.
Quando potências nucleares se apressam a esconder os seus arsenais de um inimigo que não vêem, não vale a pena fazer de conta.

Comentários

Mensagens populares deste blogue

OS JOVENS DE HOJE segundo Sócrates

Hino da Padroeira

O passeio de Santo António