Primeira edição da obra de Pedro Nunes está pronta e a dar muito que falar... lá fora
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Público, 06.08.2009 - 11h08 Ana Machado Pedro Cunha Pedro Nunes no Padrão dos Descobrimentos, segurando a esfera armilar É um dos maiores matemáticos de sempre. E é português. A obra de Pedro Nunes está pela primeira vez completamente editada. Quatro volumes já estão disponíveis. Outros quatro estão a caminho. E isso fala-se por todo o mundo.
Há sete anos que a vida de Henrique Leitão corre entre as quatro paredes de um dos gabinetes da Academia das Ciências, no Bairro Alto, em Lisboa. Desde que em 2002 a Academia das Ciências de Lisboa e a Fundação Calouste Gulbenkian decidiram lançar-lhe um desafio e convidá-lo para editar a obra completa daquele que é o maior matemático português de sempre e uma das figuras mais proeminentes do pensamento quinhentista.
"Foi o maior cientista que houve em Portugal." Para quem duvida do lugar de Pedro Nunes no panorama intelectual do século XVI, Henrique Leitão recorre sempre a um diagrama de época sobre mestres de álgebra - o frontispício do livro de Matemática do alemão Johannes Luneschlos, de 1649, onde aparece a imagem de Pedro Nunes a par de figuras como Euclides. Está lá, colado numa estante, por trás da cabeça de Henrique Leitão.
"São sete anos visíveis de trabalho", diz o investigador sobre a edição da obra do matemático, enquanto coloca os quatro volumosos livros em cima da mesa: Sobre a Arte e Ciência de Navegar, Tratado da Esfera, Sobre os Crepúsculos e Sobre os Erros de Orôncio Fineu. "E estão mais dois para sair depois do Verão e os outros dois volumes restantes aqui", diz, apontando para dois dossiers vermelhos numa prateleira. "E poderá sair um nono, uma espécie de best of em inglês".
A primeira tentativa de edição das obras de Pedro Nunes, o matemático quinhentista que pensou fora do seu tempo, foi feita na década de 1940 pelo historiador Joaquim de Carvalho. Completaram-se então quatro volumes que nunca foram publicados. O trabalho foi interrompido pela morte de Joaquim de Carvalho em 1958.
Henrique Leitão, físico e historiador de ciência, o segundo português a integrar a Academia Internacional de História da Ciência (o primeiro foi o historiador dos descobrimentos Luís de Albuquerque), pegou no que Joaquim de Carvalho tinha deixado e aceitou o desafio, lançado pela Academia das Ciências e pela Fundação Calouste Gulbenkian para editar, pela primeira vez, as obras completas do matemático. Isso foi em 2002. Seguiram-se dois anos fechado a estudar engenharia naval do século XVI. E depois astronomia teórica. O objectivo era compilar tudo o que desde a década de 1950 se aprendeu sobre a vida e obra de Pedro Nunes para acrescentar ao trabalho de Joaquim de Carvalho. E publicar as obras.
"É um autor muito seco e técnico, tirando alguns devaneios que deixam respirar fundo", diz Henrique Leitão, enquanto folheia aquela que, na sua perspectiva, é a obra-prima do matemático: Sobre a Arte e a Ciência de Navegar. São 800 páginas, 300 delas de anotações.
"Pedro Nunes apresenta a navegação como ciência matemática, funda a navegação como disciplina. A arte era para os pilotos, ele traz a ciência, uma matemática muito avançada, só para os maiores matemáticos da Europa. Não se acredita que a navegação tenha tirado partido da sua teoria, apesar de esta a ter influenciado mais tarde. No princípio do século XVII já Pedro Nunes era o matemático com mais influência na náutica holandesa e inglesa." Talvez por ele pensar fora do tempo, explica Henrique Leitão, a Inquisição nunca se cruzou no caminho do matemático. "Não se preocupavam com uma obra que apenas 10 ou 20 pessoas conseguiam ler."
Nunes internacional
Mas a edição da obra de Pedro Nunes tem, para Henrique Leitão, um valor para lá da própria obra: "Toda a gente fala dos livros [de Pedro Nunes, os primeiros quatro dos quais foram recentemente postos à venda], mas isto é a ponta do icebergue. O que é mesmo importante é que este trabalho está a ser valorizado internacionalmente." Nos últimos anos, enquanto a edição da obra estava a ser preparada, aumentou o interesse por Pedro Nunes - e isso traduziu-se num aumento de artigos, livros e conferências sobre o matemático. "Todos os artigos e livros que se publicaram nos últimos sete anos são mais do que alguma vez se tinha publicado e colocam Pedro Nunes na rota das grandes teorias que marcaram a náutica. O impacto internacional foi brutal. Foi dado a conhecer um Pedro Nunes que não se conhecia."
Henrique Leitão debruça-se sobre o ecrã do computador para mostrar listas de correio electrónico de investigadores que estudam hoje Pedro Nunes, redes de universidades que se dedicam à sua obra e convites de congressos por toda a Europa que se debruçam sobre o legado do matemático português. "É um autor científico português que é interessante para a comunidade internacional e isto é consequência directa do trabalho que se começou em 2002. Eu sabia que quando o mostrasse ao mundo ele ia interessar. O provincianismo não tem lugar nesta história. Este homem é internacionalmente interessante. Este é de facto o objectivo que se pretendia alcançar."
Nomes que são referências mundiais da história da ciência - como o alemão Eberhard Knobloch ("o maior historiador de ciência vivo", nas palavras de Henrique Leitão - ficam fascinados com Pedro Nunes. E o norte-americano Larry Ferreiro, o maior especialista mundial em arquitectura naval, apaixonou-se pelo texto de Pedro Nunes sobre "a arte de remar", em que o matemático português chama ignorante a Aristóteles, que também tinha teorizado sobre esta matéria: "Note-se que a teoria de Nunes está muito mais próxima da teoria que hoje se conhece do que a de Aristóteles", escreve Ferreiro num artigo científico.
É a constatação de Henrique Leitão: "Estamos sempre a descobrir que os textos dele foram muito mais importantes do que se pensava."
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