em Liverpool a acompanhar a luta de Alfie em primeira mão

Giovanni Marcotullio     24.04.2018     www.pt.aleteia.orgNosso enviado especial da Itália, Giovanni Marcotullio, relata de dentro do hospital como foi esta noite ao mesmo tempo brutal e gloriosa.



Amanhece, aqui em Liverpool, e termina uma noite em que temíamos o absurdo. Assim como ontem de manhã acordamos com o terror de testemunhar o assassinato de uma criança, também anoitecemos angustiados com a ideia de acordar para receber a notícia da morte de Alfie Evans, por quem foram feitos, ontem, os prodígios mais miraculosos da diplomacia e da política.
Mas Alfie vive e, durante toda a noite, eu vi os seus pais entrarem e saírem do quarto, sob a provação de inúmeras horas de vigília e nervosismo, conscientes de que o seu pequeno está no centro de uma sanha feroz de morte; mas, relativamente mais calmos, confiante, às vezes até sorrindo. “O Alfie está vivo! O Alfie está lutando!“, diziam Tom e Kate, trocando palavras com o padre Gabriel, que os acompanha há tempos, com passo fiel e discreto.
Em Roma, eu tinha desligado o meu celular na decolagem, mal conseguindo ler que o juiz Hayden havia ordenado a imediata extubação do bebê. Senti durante todo o voo uma profunda tristeza. Ao aterrissar, porém, o nó na garganta: “Alfie está respirando sozinho há duas horas!“. Nem vou para o hotel: o Alfie não descansa e nós não descansamos, conforme o paradigma estabelecido pelos pais de Alfie. Vou direto ao Hospital Alder Hey Children.
Meia-noite e meia. Cerca de vinte pessoas inermes e obstinadas desafiam a noite e o frio em frente ao hospital.
Instintivamente, eu me aproximo daquelas pessoas e elas de mim: “De onde você está vindo?“. “Da Itália?! Da Itália, agora mesmo? Especialmente pelo Alfie?“. E aquela luzinha tênue da consciência da Inglaterra se reaviva naqueles resistentes: “A Itália ama muito o Alfie! Nós sabemos, nós vemos! Hoje vocês deram até a sua cidadania a ele!
E acrescentam: “É justo o que estão fazendo aqui? Essa coisa cruel e horrível… com uma criança!
E iam dizer também aos guardas, de maneira leve, mas insistente: “Você não concorda que está sendo cometido aqui um assassinato, e um assassinato do pior tipo?
E a guarda, impassivelmente: “Isso nós não podemos dizer, porque o que está acontecendo aqui é ordem da Suprema Corte“.
Eu me lembrei dos criminosos de guerra julgados em Nuremberg e em Jerusalém, mas, principalmente, fiquei impactado pela autorreferencialidade desse poder autárquico que, da monarquia, só parece ter conservado, além da “cenografia”, o pior despotismo. Nesta noite eu tive a impressão de estar vivendo num Estado policial, não num Estado de direito.

Dentro do hospital

Quando com um pouco de astúcia e de empáfia eu consegui entrar no hospital (ah, sim, antes tinham me deixado de fora porque eu tinha me apresentado como jornalista…), vi uma senhora de cadeira de rodas lá no meio daqueles outros vinte e poucos guerreiros do “Exército de Alfie”. Apontei-a para outro companheiro de jornada noite adentro e ele respondeu: “Sim, ela vem aqui todas as noites“.
Pude me sentir nesse momento um amigo daquele povo que eu tinha chegado a achar incompreensível e, em muitos aspectos, até criminoso: não é a consciência de todos eles que está desligada, embora as respostas de todos os policiais parecessem invariavelmente saídas de uma novela distópica.
No final da noite, eu ainda veria uma familiar de Tom dormindo na cadeira em frente à minha com o rosário nas mãos… Rezamos juntos várias vezes, durante a noite, e, de manhãzinha, quando a senhora saiu, ela mandou um bênção para o pequeno. Vai ser difícil para a polícia interceptar e bloquear uma bênção. Ah, sim: há quatro policiais só no corredor blindado, que separa a sala de espera onde eu estou e a sala de “terapia” onde está Alfie. No saguão, à meia-noite, pude contar dezessete, mas, no todo, devo ter visto cerca de quarenta policiais, comprometidos em garantir que um hospital pediátrico tirasse a vida de uma criança deficiente. Algo surreal – para dizer o mínimo.
Mas o paradoxo ainda parece prevalecer sobre o surreal: Alfie não está morto e suas condições não são sequer críticas. São estáveis! Sua mãe, Kate, seu pai, Thomas, e o padre Gabriel, que lhe deu a força do sacramento da Unção alguns dias antes, estão com ele. Nesta noite, a mãe o colocou sobre o peito, pele a pele, para lhe dar forças, e nos disse que o bebê dava sinais de alívio.
Como explicar isto? Ele não tinha que morrer?
Neste aspecto, além do apoio dos sacramentos e das orações, devemos reconhecer que o pai de Alfie foi firme em impedir o hospital de usar o Fentanyl: “Eles usam isso para os condenados à morte!“, trovejou Thomas Evans, acrescentando com firmeza: “Vocês não vão drogar o meu filho até a morte, porque isto é ilegal no Reino Unido“.
E, assim, Alfie não foi drogado e, portanto, não foi morto.
É lamentável observar que, nestes momentos, uma equipe de televisão vai jogar ao ar um labirinto de imprecisões no telejornal matinal da RAI [televisão estatal italiana]. Éramos muito poucos no Alder Hay durante esta noite, e eu garanto que não havia nem mesmo um colega da RAI aqui dentro destas paredes. Seria bom lembrar ao serviço público de rádio e televisão italiana que o Alfie não apenas conta com enorme apoio do povo da Itália, mas também que, desde ontem, Alfie Evans faz parte, oficialmente, embora ainda imperfeitamente, do povo italiano. Ainda ontem à noite, o Papa Francisco publicou mais um encorajamento à solução harmoniosa e feliz deste impasse jurídico hediondo em torno ao bebê. Tanta complexidade misturada com gestos de delicadeza merece informação de mais qualidade.
Em poucas horas serão expostos ao juiz os detalhes desta noite – e veremos se este vasto campo de milagres florescentes vai abrir ou não o coração dele.
De todas estas pequenas misérias, felizmente, Alfie não está a par: ele só sabe, esse grande pequeno, que os seus pais estão com ele e que sempre o defenderão, por todos os meios e diante de quem quer que seja. Tom e Kate, por sua vez, também sabem que Alfie está vivo e está lutando. E, se o Alfie está vivo e está lutando, eles seguem vivos e não cessam de lutar.
Isto se chama família.

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