O sonho tem de ser maior do que o medo

XVII CONGRESSO MUNDIAL UNIAPAC

FONTE: http://www.ver.pt/o-sonho-tem-de-ser-maior-do-que-o-medo/?fbclid=IwAR00gXUqiwFmRy9ufhnjV9ZcUqeuK2YRD9cgMqDBIa7ZzMJkmCdLpw1XIv8


Foram 450 líderes, em três preenchidos dias, com uma agenda pesada e milimetricamente cumprida por quase quatro dezenas de oradores, que estiveram reunidos para o Congresso Mundial da UNIAPAC em Lisboa. E foram muitas as provas dadas, por pensadores e fazedores, que atestam que o mundo empresarial pode cumprir os três novos KPIs da gestão: performance, propósito e pessoas. Basta que se tenha a coragem para ultrapassar o medo e perceber que é possível fazer algo que seja útil E ganhar dinheiro ao invés de se fazer alguma coisa só PARA ganhar dinheiro


Se Milton Friedman tivesse sido convidado para estar presente no Congresso Mundial da UNIAPAC que teve lugar na passada semana na Universidade Católica em Lisboa, muito possivelmente ter-se-ia sentido indisposto e desconfortável. Afinal, para quem afirmou repetidas vezes que a única responsabilidade social das empresas seria a maximização do lucro, ter quase 450 pessoas a atestar o contrário não teria sido fácil de aguentar.
A verdade é que líderes empresariais, pensadores, académicos, representantes da Igreja e da sociedade civil, crentes e não crentes, de países ricos e países pobres, da Europa, Ásia, América(s) e África, com grandes e pequenos projectos, conhecidos ou anónimos, a discutirem múltiplas formas de acrescentar valor e valores aos negócios teriam, decerto, esmagado a reputação do economista norte-americano, o qual considerava a ideia da responsabilidade social das empresas como uma “doutrina subversiva”, como tão bem lembrou a reitora da Universidade Católica nas suas palavras de boas-vindas.
Sob o mote “business as a noble vocation”, aquilo que “não foi um congresso, mas sim uma experiência transformacional”, como afirmou João Pedro Tavares, presidente da Associação Cristã de Empresários e Gestores (ACEGE), entidade co-organizadora do evento em causa, foi também um exercício de reflexão, de síntese, de partilha, de motivação e, sobretudo, de convicção de que é comprovadamente possível humanizar as culturas organizacionais e trabalhar para o bem comum, dois dos grandes temas que estiveram em discussão ao longo de três preenchidos dias.
Como declarou também o presidente da UNIAPAC, Rolando Medeiros, nas palavras de abertura do congresso, e na medida em que “esta é uma jornada urgente face aos tremendos desafios que enfrentamos”, aos quase 40 oradores que subiram ao palco para partilhar as suas ideias e apresentar os seus projectos não faltou entusiasmo e fé de que mesmo numa sociedade assolada por uma “globalização da indiferença” – como o Papa Francisco não se cansa de alertar – é possível e obrigatório “mudar as nossas empresas, não porque estejam podres, mas porque estão obsoletas”, como assegurou igualmente o economista Stefano Zamagni, o orador convidado para esta mesma sessão, numa intervenção de maioridade intelectual, como aliás é seu apanágio.
Reproduzir tudo o que o foi discutido e analisado neste encontro seria uma tarefa tão hercúlea quanto inexequível, mas é possível partilhar algumas das ideias e relatos (que serão mais desenvolvidos na próxima semana) dos já muitos que acreditam que a actividade empresarial pode ser vivida como uma nobre vocação, não espartilhada pela ganância dos resultados a curto prazo, não contabilizada pela dimensão do lucro, mas pelo impacto positivo que tem em todos os seus stakeholders, e não isenta de um carácter de responsabilidade e responsabilização inscrito numa trilogia de solidariedade, subsidiariedade e serviço aos outros. Para já, uma síntese dos principais temas em debate.
Os novos KPIs da gestão: performance, propósito e pessoas
Como referiu o presidente da UNIAPAC, a sessão de abertura teve discursos verdadeiramente inspiradores, com três personalidades de peso a fazerem eco “antecipado” do que viria a ser o congresso. Em vídeos gravados especificamente para a ocasião, Marcelo Rebelo de Sousa usou palavras “muito próximas à nossa missão”, como referiu Rolando Medeiros, o cardeal Peter Turkson sintetizou o que significa encarar os negócios como uma nobre vocação e, por fim, mas de todo menos importante, pelas mãos do monsenhor Bruno-Marie Duffé chegou também uma mensagem especial do papa Francisco instando todos os presentes a “promover uma economia mais humana”. O primeiro dia seria fechado com chave de ouro com a dissertação do economista Stefano Zamagni, que mais do que traduzir esta “nobre vocação”, optou “por eleger os seus principais desafios”, como sublinhou também o presidente da UNIAPAC. Ou e em suma, a concorrida sessão de abertura serviu também como uma espécie de bênção e inspiração aos trabalhos que se lhe seguiriam.
No segundo e mais intenso dia do Congresso, Rolando Medeiros chamou a atenção para o facto de que se “o mercado nos dá muitas escolhas”, o mundo nos dá “pouco significado ou propósito”e essa é uma das realidades que tem de ser invertida. E foi uma partilha pessoal para encontrar esse propósito na vida que deu corpo às intervenções do 1º painel, com oradores completamente distintos e oriundos de países igualmente díspares, como Marrocos, Indonésia, Filipinas, Senegal e Eslováquia.
Por seu turno e enquanto um dos oradores principais do Congresso, o ex-vice presidente da Walgreens, Randy Lewis, e fundador da NOGWOG Disability Initiative – dedicada a expandir a contratação de pessoas com incapacidade no maior número de empresas possível tendo como inspiração a bem-sucedida experiência na segunda maior cadeia de farmácias do mundo -, apresentou um “verdadeiro business case” e, com enorme brilhantismo abriu caminho para o segundo painel, provando que é “o medo que nos faz mais pequenos” e que é possível incluir todos os que são diferentes em empresas que se querem, cada vez menos, todas iguais.
Depois de exemplos de pessoas e projectos que lutam pela inclusão e diversidade organizacionais – mesmo em época de “globalização da rejeição e da hostilidade” -, o painel seguinte apresentou o terceiro “P” da trilogia acima referida (depois das pessoas e do propósito) e debruçou-se sobre a performance empresarial que é movida por princípios éticos e valores imutáveis, com um animado debate que, tal como Rolando Medeiros sumarizou, nos faz acreditar que as organizações estão no bom caminho para que as suas culturas sejam mais humanas e para que a sua missão possa servir o bem comum.
Como fazer crescer as empresas com impacto positivo neste tão necessário bem comum foi o tema do painel seguinte, o qual esteve sob a batuta de Raj Sisodia, o co-criador do conceito de capitalismo consciente e que elege agora a “cura” como “o meta-propósito dos nossos tempos”. Numa “antestreia” do seu novo livro a ser publicado em 2019 com o título The Healing Organization: Awakening the Conscious of Business to Help Save the World”, Sisodia alertou que os custos humanos de se fazer negócios como “é normal” são elevadíssimos e que não existe factura para todo este sofrimento, daí que “seja urgente, neste momento presente, curar o passado e preparar ‘terreno’ para se curar o futuro”.
E foi a falar sobre o futuro, mas o do contexto laboral, que se encerrou este evento, num debate em que reinaram diferentes e pertinentes perspectivas, a mais marcante sendo talvez a ideia de que estamos perante uma enorme mudança de paradigma – que nos obrigará “a (re)aprender para trabalhar” – a par de uma verdade inconveniente proferida por um dos oradores: a de que “parece que estamos mais preocupados com o futuro do trabalho do que com o seu presente”.
Nas suas notas finais, o presidente da UNIAPAC, Rolando Medeiros, não escondeu a sua satisfação relativa ao sucesso do encontro de mais de quatro centenas de líderes empresariais, lamentando contudo que o formato do mesmo não tenha propiciado uma maior participação do público e que, apesar de a organização que representa ter tentado, não tivesse existido um painel apenas composto por jovens líderes, algo que, espera, será diferente no próximo congresso mundial a realizar em 2021, nas Filipinas.
Porque os congressos já não são o que eram, ou porque as apps passaram a fazer parte integrante de qualquer que seja o evento, coube a João Pedro Tavares fazer o encerramento e pedir aos participantes que expressassem, e através desta prática ferramenta, o que mais retiveram do encontro em causa. De imediato e no ecrã do Auditório Cardeal Medeiros, começou-se a formar uma “nuvem” e os resultados acabaram por não deixar margem para dúvidas. “Inspiração” foi a palavra mais votada, (per)seguida por esperança, compromisso, amor e… sem medo (no fear). É que, e tal como reiterou o presidente da ACEGE, a ideia é ultrapassar o medo e ter em mente que a grandeza não existe se não for acompanhada pela bondade. E, como rematou, fica a promessa de que “esta não é uma sessão de encerramento, mas de abertura para um novo futuro”.
Veja aqui alguns momentos marcantes do evento



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