O Casamento de Orwell, Frederico Bastião, Jornal de Negócios, 080328
Frederico Bastião
Uma que nem me tinha lembrado: a Direcção-Geral dos Impostos ameaça instaurar processos de contra-ordenação a contribuintes recém casados que não forneçam informação sobre a realização do casamento. Isto até poderia ser simpático se fosse para saber onde era o casamento e enviar uma prenda – perdãozito fiscal, reembolso extraordinário ou dedução específica à colecta, ou até um benefício fiscal à natalidade que juntaria o útil ao agradável.
Isto até poderia ser simpático se fosse para saber onde era o casamento e enviar uma prenda – perdãozito fiscal, reembolso extraordinário ou dedução específica à colecta, ou até um benefício fiscal à natalidade que juntaria o útil ao agradável. Mas não, o que os malandros querem é cair em cima de fotógrafos, floristas, restaurantes e afins que não declarem as receitas com os casamentos para o apuramento do imposto.
Há quem esteja a reagir mal a esta iniciativa, pois a Administração Fiscal pede até a indicação do número de convidados, do preço do vestido da noiva, do valor das prendas recebidas, dos custos com a limusina e a animação. Avançam estas almas que até parece que estamos no 1984 de George Orwell, o célebre “big brother is watching you”, e salientam que invocar o dever de colaboração por quem depois até o contacto telefónico dos noivos quer saber já se aproxima do convite ao masoquismo.
Meus queridos leitores, é por me insurgir contra a injustiça destas acusações que me sinto obrigado a intervir no debate público em defesa de quem apenas quer que se cumpra a Lei e que as nossas obrigações (fiscais) sejam efectivamente repartidas de uma forma justa. E que não são obrigações novas, pois ao longo da História várias medidas desta natureza foram tomadas.
Com efeito, o historiador irlandês O’Lary Lólelas, naturalizado americano, reporta que na Luisiana francesa (pré-Estados Unidos da América) era costume para controlar a fraude e evasão fiscais na comunidade nativa usar como sinal exterior de riqueza para apuramento do imposto o número de convidados no casamento. Esta medida foi posteriormente abandonada pois os índios passaram a ir aos casamentos vestidos de cozinheiro, portanto não como convidados. Era notável o número de cozinheiros – chef, em Francês – o que está na origem da célebre expressão “eram mais os chefs que os índios”.
O basco Izaguérri Lheiro, que dedicou longos anos ao estudo da sociedade tradicional da Terra do Fogo, põe em contexto como certas medidas funcionam em função das realidades sociais do local. Na sociedade europeia tradicional a presunção do rendimento em função do comprimento da saia da noiva e convidadas levou ao uso generalizado da mini-saia; ora, isto já não aconteceu na Terra do Fogo, onde ainda hoje tal regra funciona, vá-se lá saber porquê. O sociólogo Abunda Umilho conta que medida semelhante teve pleno sucesso na população nativa da Nova Guiné-Papua, onde a mini-saia também não pegou.
Na pátria da fotografia ou daguerreótipo, considerada très chic nos casamentos, reporta Alônzenfans Delápatrrie que um processo semelhante de presunção foi estabelecido em função do número de fotografias tiradas durante esse casamento. Esta prática foi abandonada com o aparecimento da grande angular, caso em podia ser tirada apenas uma única fotografia de todo o casamento.
Mesmo a consideração da “animação” na determinação do imposto não é inovadora. Foi por causa da introdução desta prática na Transilvânia do século XV, conta-nos Válád Vagar, que os casamentos se passaram a realizar em cemitérios, onde dificilmente havia animação. Aliás, o mesmo historiador diz que era a presença dos funcionários da administração fiscal que constituia a animação, de tal eram tratados pelos convidados. O facto destes desgraçados saírem do acontecimento sem pinga de sangue constitui uma das origens possíveis da lenda de Drácula.
Mostrado à exaustão que estas práticas não são originais, resta saber, face à própria História, se elas são eficientes e resistentes à fraude e evasão fiscal. A resposta é não, como o demonstrou o economista americano Thomas Ukhê. Para quê controlar os noivos, transformando-os em agentes do fisco, para resolver nada ou muito pouco? O mais fácil é tributar os próprios nubentes. É uma medida muito fácil de concretizar – o imposto sobre o casamento, reembolsável em caso de divórcio – e que não eleva os encargos dos noivos pois os fornecedores dos ditos podem fazer preços líquidos de imposto. É uma solução mais justa, mas que peca apenas por uma coisa: penaliza o casamento. Mas o nosso Thomas tem solução também para este caso: tornar o imposto neutral, tributando no mesmo montante o não casamento. É caso para a noiva dizer: preso por ter cão ou preso por não o ter.
Frederico Bastião é Professor de Teoria Económica das Crises na Escola de Altos Estudos das Penhas Douradas. Quando lhe perguntámos o que acha das coimas aos noivos que não derem informações sobre o casamento, Frederico respondeu: “Os noivos que convidem os Directores Distritais de Finanças para padrinhos, e eles que reportem à Administração Fiscal.”
Uma que nem me tinha lembrado: a Direcção-Geral dos Impostos ameaça instaurar processos de contra-ordenação a contribuintes recém casados que não forneçam informação sobre a realização do casamento. Isto até poderia ser simpático se fosse para saber onde era o casamento e enviar uma prenda – perdãozito fiscal, reembolso extraordinário ou dedução específica à colecta, ou até um benefício fiscal à natalidade que juntaria o útil ao agradável.
Isto até poderia ser simpático se fosse para saber onde era o casamento e enviar uma prenda – perdãozito fiscal, reembolso extraordinário ou dedução específica à colecta, ou até um benefício fiscal à natalidade que juntaria o útil ao agradável. Mas não, o que os malandros querem é cair em cima de fotógrafos, floristas, restaurantes e afins que não declarem as receitas com os casamentos para o apuramento do imposto.
Há quem esteja a reagir mal a esta iniciativa, pois a Administração Fiscal pede até a indicação do número de convidados, do preço do vestido da noiva, do valor das prendas recebidas, dos custos com a limusina e a animação. Avançam estas almas que até parece que estamos no 1984 de George Orwell, o célebre “big brother is watching you”, e salientam que invocar o dever de colaboração por quem depois até o contacto telefónico dos noivos quer saber já se aproxima do convite ao masoquismo.
Meus queridos leitores, é por me insurgir contra a injustiça destas acusações que me sinto obrigado a intervir no debate público em defesa de quem apenas quer que se cumpra a Lei e que as nossas obrigações (fiscais) sejam efectivamente repartidas de uma forma justa. E que não são obrigações novas, pois ao longo da História várias medidas desta natureza foram tomadas.
Com efeito, o historiador irlandês O’Lary Lólelas, naturalizado americano, reporta que na Luisiana francesa (pré-Estados Unidos da América) era costume para controlar a fraude e evasão fiscais na comunidade nativa usar como sinal exterior de riqueza para apuramento do imposto o número de convidados no casamento. Esta medida foi posteriormente abandonada pois os índios passaram a ir aos casamentos vestidos de cozinheiro, portanto não como convidados. Era notável o número de cozinheiros – chef, em Francês – o que está na origem da célebre expressão “eram mais os chefs que os índios”.
O basco Izaguérri Lheiro, que dedicou longos anos ao estudo da sociedade tradicional da Terra do Fogo, põe em contexto como certas medidas funcionam em função das realidades sociais do local. Na sociedade europeia tradicional a presunção do rendimento em função do comprimento da saia da noiva e convidadas levou ao uso generalizado da mini-saia; ora, isto já não aconteceu na Terra do Fogo, onde ainda hoje tal regra funciona, vá-se lá saber porquê. O sociólogo Abunda Umilho conta que medida semelhante teve pleno sucesso na população nativa da Nova Guiné-Papua, onde a mini-saia também não pegou.
Na pátria da fotografia ou daguerreótipo, considerada très chic nos casamentos, reporta Alônzenfans Delápatrrie que um processo semelhante de presunção foi estabelecido em função do número de fotografias tiradas durante esse casamento. Esta prática foi abandonada com o aparecimento da grande angular, caso em podia ser tirada apenas uma única fotografia de todo o casamento.
Mesmo a consideração da “animação” na determinação do imposto não é inovadora. Foi por causa da introdução desta prática na Transilvânia do século XV, conta-nos Válád Vagar, que os casamentos se passaram a realizar em cemitérios, onde dificilmente havia animação. Aliás, o mesmo historiador diz que era a presença dos funcionários da administração fiscal que constituia a animação, de tal eram tratados pelos convidados. O facto destes desgraçados saírem do acontecimento sem pinga de sangue constitui uma das origens possíveis da lenda de Drácula.
Mostrado à exaustão que estas práticas não são originais, resta saber, face à própria História, se elas são eficientes e resistentes à fraude e evasão fiscal. A resposta é não, como o demonstrou o economista americano Thomas Ukhê. Para quê controlar os noivos, transformando-os em agentes do fisco, para resolver nada ou muito pouco? O mais fácil é tributar os próprios nubentes. É uma medida muito fácil de concretizar – o imposto sobre o casamento, reembolsável em caso de divórcio – e que não eleva os encargos dos noivos pois os fornecedores dos ditos podem fazer preços líquidos de imposto. É uma solução mais justa, mas que peca apenas por uma coisa: penaliza o casamento. Mas o nosso Thomas tem solução também para este caso: tornar o imposto neutral, tributando no mesmo montante o não casamento. É caso para a noiva dizer: preso por ter cão ou preso por não o ter.
Frederico Bastião é Professor de Teoria Económica das Crises na Escola de Altos Estudos das Penhas Douradas. Quando lhe perguntámos o que acha das coimas aos noivos que não derem informações sobre o casamento, Frederico respondeu: “Os noivos que convidem os Directores Distritais de Finanças para padrinhos, e eles que reportem à Administração Fiscal.”
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