Acabe-se com o casamento! E com os contratos! , Nuno Pombo, Incontinentes Verbais, 080327, http://incontinentesverbais.blogspot.com

Acabe-se com o casamento! E com os contratos!

A agenda dos políticos anda animada. Ainda não havíamos digerido a prebenda da redução do IVA e somos agora brindados com mais um capítulo da saga «A Revolução dos Costumes». Neste episódio, o BE, quero dizer, o PS promete acabar com o divórcio litigioso. Não me parece mal. Acabe-se com tudo quanto seja litigioso. O litígio é intrinsecamente mau. É altercação. Dissídio. Conflito. Desordem. Disputa. Confronto. Antagonismo. Bem andam os nossos políticos quando se preocupam com a paz. A paz no mundo começa em nossas casas. E a paz constrói-se com o fim da guerra. Promovendo-se o ocaso do "litigioso", franqueiam-se as portas ao florescimento radioso do "amistoso". E isso é que é bom.

Contudo, importa ir mais longe. A verdadeira fonte do litígio não é tanto o divórcio. É o que está a montante dele: o próprio casamento. A padralhada andou a convencer-nos de que o casamento era um sacramento. Foi preciso virem os libertários iluminados dizer que não. Que era um contrato. O Código Civil - mas ainda não o Canónico - estabelece o casamento como um contrato. Um contrato, ou seja, um negócio jurídico bilateral. Com dois intervenientes (e porque não 3 ou 4? Malandros! ou porque não só 1? Por que carga de água não me posso casar comigo mesmo? se até já há sociedades unipessoais???) De sexo diferente (cambada de sexistas castradores das legítimas aspirações contratuais dos cidadãos!). Como se vê, o casamento é uma instituição potenciadora de conflitos. De sacramento a contrato. Agora de contrato a coisa nenhuma. A deputada Helena Pinto, com aquele ar esclarecido que o Criador lhe estampou na cara, tem toda a razão. Era o que faltava que um dos cônjuges (tecnicamente também chamados "contraentes") pudesse impor ao outro (tecnicamente "contraparte") a manutenção do casamento (tecnicamente "contrato"), unilateralmente (vulgarmente "porque lhe dá na bolha"!). Isso de dar a uma das partes de um contrato o direito de impor o seu cumprimento à contraparte ou de extrair consequências do seu incumprimento é uma coisa do além!!! Isso mesmo, Helena. Era o que faltava! Tens toda a razão! Não te esqueças de explicar isso aos sindicatos e aos tribunais de trabalho, também. Temo que eles não percebam, coitados.

Daniel Oliveira, quando fores definitivamente absolvido avisa. Gostava de poder chamar "palhaços" a uns tantos deputados... e deputadas.

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