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A mostrar mensagens de outubro, 2001

Os (Dois) Lados da Guerra

MÁRIO PINTO Público, Segunda-feira, 29 de Outubro de 2001 1 - Nos últimos dias, vários articulistas sublinharam a ideia de que esta guerra contra o terrorismo tem dois lados: o lado do terrorismo, e o lado dos que consideram justo e necessário derrotar o terrorismo, e por isso apoiam a guerra empreendida pelos Estados Unidos numa larga coligação de países em todo o mundo. Quero declarar que me coloco na posição de apoio a esta guerra justa e necessária. Porque a humanidade não pode entrar num período da sua história em que o terrorismo massivo se torne legítimo ou tolerado, seja qual for o nome ou a causa que invoque. É necessário que esta guerra constitua um facto histórico inequívoco contra um tal terrorismo. Que o erradique da vida internacional de forma eficaz e inquestionável. É por isso que as posições equívocas acerca da iniciativa dos Estados Unidos, mais centradas na sua crítica do que na compreensão da sua justiça e das suas dificuldades, se podem constituir em posições qu

A Guerra e o Crime

Portugal Diário 28-10-2001 18:06:26 António Barreto Logo após o 11 de Setembro, foram dados, pelo governo americano, sinais confusos. Falou-se sucessivamente de «guerra» e «guerra ao terrorismo», o que não é exactamente a mesma coisa. Falou-se de seguida em «trazer os criminosos perante a justiça», logo se corrigindo com um acrescento «ou levando a justiça aos criminosos». Depois, a primeira designação da campanha política e militar em curso, «justiça infinita», foi de uma infelicidade a toda a prova, revelando seguramente um estado de espírito perturbado. O termo «cruzada», com toda a sua carga histórica e religiosa, foi utilizado frequentemente, pelo menos nos primeiros tempos. Não faltou muito tempo para que George W. Bush, numa velha tradição do «west», a meio caminho entre a guerra e a justiça, proclamasse que procurava Bin Laden «vivo ou morto». Com os dias, gradualmente, foram sendo feitas correcções políticas. Estamos hoje perante uma situação um pouco mais clara, apesar de s

A cultura do medo

Manuel Pinto-Coelho Euronotícias 2001.10.26 Mas que mundo estranho este o nosso que se sente vulnerável e inseguro por causa de um mal para o qual a ciência já há muito encontrou um antídoto e que até à data não vitimou ao todo mais que duas mãos-cheias de pessoas, insistindo em viver masoquisticamente em sessão contínua à espera sofregamente de mais alguma notícia que possa continuar a alimentar a sua sede draculineana de mais vítimas desse “terrível” antraz, qual flagelo implacável que, a todo o momento, através de um qualquer sobrescrito mais manhoso se pode abater sobre a cabeça do mais incauto, gastando milhões para caçar os terroristas responsáveis, negligenciando uma oportunidade de ouro para, isso sim, prevenir facilmente um mal que mata incomparavelmente muito mais, utilizando meios incomparavelmente mais modestos e não tendo ainda por cima que sacrificar qualquer vida humana!? Referimo-nos, claro está, à toxicodependência, à heroína, de que os afegãos “contribuem” com 6

O Lugar do Meu Deus

MÁRIO PINTO Público, Segunda-feira, 22 de Outubro de 2001 1 - No Público do dia 20, Helena Matos escreveu um artigo focando o lugar de Deus e o lugar dos homens numa civilização da concórdia universal. O artigo respira uma visão alternativa entre Deus e os homens; entre o lugar de Deus e o lugar dos homens. Nele se nota que Deus tem um lugar, o lugar «da consciência e da fé» de cada um dos crentes. Mas que «a vida dos homens no mundo, essa, depende dos homens». E se conclui que «por amor dos homens - e porque não de Deus? - convém que jamais confundamos uma coisa com a outra». Li esta reflexão e estou de acordo com a ideia da autonomia das realidades terrenas. Contudo, debaixo desta formulação a Autora parece defender uma convicção acerca do lugar de Deus que não é a minha. O Deus da minha fé está excluído da sua pressuposição. Vale então a pena que eu exponha algumas reflexões, a este propósito. 2 - Helena Matos considera que, com «colocar Deus no seu devido lugar», «um dos mais imp

Liberdades

Vasco Pulido Valente DN, 20011020 Algumas personagens de comprovada lucidez pensam que Bin Laden está a ganhar a guerra e começam a temer pelas liberdades. Segundo parece, Bin Laden está a ganhar a guerra, por causa do pânico que o anthrax provocou na América. O anthrax encontrou, de facto, um bom terreno. Há anos que os média se comprazem em lançar os seus pequenos pânicos neste particular capítulo: vamos todos morrer, por causa do álcool, do tabaco, da margarina, da manteiga, da carne, do peixe, do sol, do stress , dos remédios, disto, daquilo e daqueloutro e até dos telefones. Eu já cheguei a escrever uma coluna (meia página) só com a lista dos perigos da semana. O anthrax (de resto, uma doença não transmissível e curável) excita fatalmente a sociedade hipocondríaca em que vivemos. Mas não notei qualquer tentativa para suprimir informação. Pelo contrário, na América, os média não falam de outra coisa. Como também não vi nada que se parecesse com autêntico terror. O Estado Fede

A verdadeira guerra

João César das Neves DN 20011015 A palavra "guerra" apareceu logo nos primeiros momentos após o atentado de 11 de Setembro. De facto, o número de vítimas, a dimensão da destruição e a crueldade do acto parecem episódios dessa mais horrível das actividades humanas. Mas, se se trata de uma guerra, os Estados Unidos e a civilização estão a perder. Os danos causados pelos terroristas, que só no World Trade Center estão estimados pelas seguradoras acima de 30 mil milhões de dólares, são mais do dobro de todo o produto nacional do Afeganistão após anos de guerra civil. O número de vítimas ultrapassa o de muitas batalhas da história. Comparando estes estragos feitos por 19 homens armados de navalhas com os sofisticados bombardeamentos americanos, vemos imediatamente que a vantagem está do lado dos terroristas. Esta é a razão do medo gélido que traz todo o Ocidente refém. As ameaças de Ben Laden, a sua capacidade de destruição e impunidade, que desafia as tecnologias de armamento

O Terror e a Esquerda

ANTÓNIO BARRETO Público , Domingo, 14 de Outubro de 2001 A esquerda sempre teve um problema com a violência e o terrorismo. Há excepções, um partido aqui, um dirigente ali, um governante acolá, um pensador mais além. Mas, no conjunto e ao longo da história recente, jamais a esquerda conseguiu libertar-se desta espécie de hipoteca filosófica. "A violência é parteira da história". "Há terrorismo necessário". "A revolta violenta das massas oprimidas é legítima". "A violência revolucionária é a resposta das massas exploradas à violência da burguesia". "Nas revoluções há sempre vítimas inocentes". Eis alguns exemplos de frases conhecidas há décadas. Com isto, a maior parte da esquerda nunca condenou integralmente, quaisquer que fossem os seus autores e os seus alvos, o terrorismo. A maior parte da esquerda nunca distinguiu rigorosamente a violência legítima do terrorismo. Sempre a esquerda, com excepções, se sentiu desconfortável com o t

O "MAS" DA TRAGÉDIA ou A TRAGÉDIA DO "MAS"?

António Bagão Félix 2001-10-11 Com a tragédia de 11 de Setembro, o coração da dignidade da pessoa humana foi esventrado de uma maneira inimaginavelmente brutal. O mais insondável obscurantismo aliou-se terrificamente ao fenómeno de banalização das sofisticadas tecnologias do progresso, para destruir e matar cegamente. Porque a "distância" entre crime  e castigo é, neste caso, perturbadoramente assimétrica, a busca persistente da justa justiça vai ser tarefa bem árdua, num atentado que foi direito às entranhas dos valores civilizacionais (e não apenas americanos). É preciso ser claro: a questão aqui não é ideológica, religiosa, política, intelectual. É "apenas" e na sua essência humana e moral. Não há fins que possam justificar meios tão demoníacos. Quase metade dos países deste mundo têm homens e mulheres mortos nesta tragédia. Sessenta e dois, mais precisamente. Que outro ponto do Mundo poderia melhor representar a humanidade no caleidoscópio das nações, etni

11 Setembro: Aquele dia tenebroso

Infovitae, 55, 2001.10.02 Nuno Serras Pereira O horror dos acontecimentos trágicos do dia 11 de Setembro, nos USA, assombraram-nos a todos pela perversidade inédita e pela crueldade inaudita. Perante tamanha catástrofe, deliberada e gelidamente perpetrada, ficou-nos uma mágoa funda, um pesar entranhado pelas vítimas inocentes; uma simpatia imensa para com os familiares, amigos e compatriotas dos que barbaramente foram chacinados; um sentimento difuso de "absoluta" insegurança, como um pasmo, uma perplexidade; uma indignação, uma raiva incontida contra o terror, uma exigência firme de que imediatamente se lhe ponha cobro. Do abismo da nossa impotência surgiu uma prece, uma entrega confiante a Deus Providente e misericordioso que é, só Ele e não o mal, a última Palavra. Que seja garantido o direito dos indivíduos e dos povos à legítima defesa, à segurança e à justiça; que se evite todo o excesso e desproporção; que o perdão magnânimo, tão próprio da matriz cristã, esteja pr

Dar a outra face

João César das Neves DN, 2001-10-01 A primeira guerra do milénio é um insólito conflito religioso que pode envolver o mundo numa escalada de absurdo e violência. Fanáticos ocultos ameaçam o progresso com terror, em nome de Deus. Acumulam-se forças militares avassaladoras contra um fantasma evaporado nas sombras. Multidões de miseráveis fogem aterrorizadas, com medo da resposta civilizada. Acusa-se o islão e o sionismo, a globalização injusta e o imperialismo americano, que desta vez é a vítima sangrenta. Mas a causa última é a luta pela cidade santa de Jerusalém. Sente-se o vento gelado de horríveis medos antigos. O Ocidente rico e sofisticado está envolvido num processo que, no fundo, não entende. Boa parte vive o vazio ético do consumismo morno e das falácias filosóficas. Repudiada a raiz cultural cristã, a única que tem, está sem referências para opor ao fanatismo. Repete princípios abstractos de justiça, liberdade e progresso que de pouco servem, perante os cadáveres nos prédios

Deus, Nós e Amálgamas

MÁRIO PINTO Público, Segunda-feira, 1 de Outubro de 2001 1. Doutrina e ideologia No Antigo Testamento, colecção de livros sagrados do judaísmo e do cristianismo, há um profeta considerado dos maiores, Isaías, de que nos ficou a seguinte profecia: "Diz o Senhor: os meus planos não são os vossos planos; os vossos caminhos não são os meus caminhos. Tanto quanto se acham elevados os céus acima da terra, assim se acham elevados os meus caminhos acima dos vossos caminhos e os meus planos acima dos vossos planos". (Is 55, 8-9). Esta citação serve para mostrar que, desde há milénios se sabe, e não apenas entre os cristãos, que os próprios crentes têm pensamentos e caminhos que não coincidem com os de Deus. Nenhuma novidade, nenhuma surpresa, a este respeito. Aqui se encerra um problema, por assim dizer de doutrina; mas se abre outro, que é já de praxis, ou de ideologia. É nesta sede que se coloca o problema da fidelidade ou da infidelidade ao espírito de Deus. Em termos filosófico