Três linhas da frente
A melhor resposta nesta frente veio de João Paulo II quando, no Cazaquistão, apelidou o terrorismo de "profanação de Deus". Na terceira frente da guerra não pode haver vencidos e vencedores, porque não é um jogo de soma-zero mas sim o tecido em que se cruzam as vidas humanas. O sagrado humanismo da Constituição americana e a religião do Corão concordam com as palavras do Papa, em Astana, de que "o ódio, o fanatismo e o terrorismo profanam o nome de Deus e deformam a autêntica imagem do Homem".
Três Linhas da Frente
Mendo Castro Henriques
Euronotícias, 28 de Setembro de 2001
Espero que Cabul não esteja já a arder, hoje, 10 do Rajab de 1422, era do profeta; mas é previsível que estejam em vias de se desenrolar operações especiais em um ou mais dos países que dão asilo aos terroristas das irmandades muçulmanas implicadas no genocídio de 11 de Setembro.
Seja qual for a eventual acção militar da coligação internacional liderada pelos EUA, estamos perante uma guerra com três linhas da frente: ganha-se ou perde-se uma guerra tanto nos campos de batalha, como nas mesas de negociações de paz, como na vida humana que prossegue, com os seus cultos e instituições. É por isso que a paz não é apenas a ausência de guerra mas qualquer coisa mais que os criadores deste mundo ajudam a definir.
Ora os EUA vão na sua sexta guerra no continente asiático. Após a vitória sobre as Filipinas espanholas em 1898, sobre o Japão em 1945, após a meia vitória sobre a China e a Coreia do Norte em 1950, após a derrota do Vietnam, em 1972, e outra meia vitória sobre o Iraque em 1991, encaminham-se agora para um inexorável conflito contra forças islâmicas, nomeadamente no Afeganistão.
Os EUA venceram o Japão em combate e com bombas nucleares ditas "civilizadas". Mas depois foi exemplar o modo como o General MacArthur criou compromissos com as instituições nipónicas, transmitindo o melhor que a América oferece. De igual modo, venceram a guerra da Coreia, contendo a China, e contendo-se a si próprios no paralelo 38º, de acordo com a interpretação rigorosa da doutrina Truman.
A Guerra do Vietnam foi perdida, apesar de o General Giap nunca ter ganho uma única batalha táctica. Nas negociações de Paris, Kissinger arrancou um compromisso que mostra a força do realismo diplomático. Mas quando o exército do Vietnam do Norte e o Vietcong entraram em Saigão, em 25 de Abril de 1975, o que restava da América era apenas um amálgama de órfãos, minas e ressentimento que só agora se começa a esbater, em nome da globalização.
Os EUA ganharam militarmente a Guerra de Golfo, após seis longos meses de preparação no deserto. Por motivos aparentes de equilíbrio geoestratégico, não tiveram capacidade negocial para levar o isolamento diplomático de Saddam Hussein até ao derrubamento do déspota que faz imperar o terror no seu palácio e entre os Curdos e que, para contrariar a miséria entre a sua população, apenas dispõe de projectos de vingança. A única paz no Iraque parece ser a dos cemitérios
A nova guerra asiática dos EUA e da coligação que inclui a Rússia - vai ser conduzida contra as irmandades muçulmanas acoitadas em vários Estados, mormente o Afeganistão. É tão nova quanto o acto de terrorismo estratégico de 11 de Setembro com que o famigerado OBL provocou deliberadamente os EUA, no seu território, para um confronto com as nações islâmicas.
Na resposta americana, e apesar da retórica do "bem contra o mal", a contenção está a prevalecer. Em vez de cair na armadilha diabólica de declarar guerra ilimitada aos muçulmanos, os EUA estão a criar os acordos com os principais parceiros estratégicos por forma a facilitar alianças e operações, e preparar a paz possível.
O factor ainda em falta na estratégia anti-terrorista - persuadir os dirigentes islâmicos que o terrorismo ameaça muito mais a estabilidade das próprias nações do que um ataque militar cirúrgico de americanos e aliados evidencia a segunda frente desta guerra.
A frente diplomática da guerra exige exibição de provas concludentes que apontem o famigerado OBL como responsável pelo ataque de 11 de Setembro. A presunção não basta. Essa causa tem que ser ganha no tribunal da opinião pública internacional, nomeadamente a islâmica, com ou sem Tribunal Penal Internacional. Só assim, os dirigentes moderados islâmicos anti-terroristas ganharão forças para perseguir os fundamentalistas.
Ora na frente diplomática, os EUA estão a obrigar os dirigentes islâmicos de estados soberanos os aliados e os "suspeitos do costume" - a fazer o que eles exigem; caso contrário...Dirigentes como o Gen. Musharraf são obrigados a aparecer como lacaios dos "frangues", e pior, do EUA, tornando-os mais vulneráveis às forças do terrorismo que a coligação internacional procura esmagar. Poderão ser úteis de momento; mas não se lhes dá tempo para mobilizarem a lei islâmica, em nome da qual, de bom ou mau grado, perseguiriam quem a quebrou.
A terceira frente desta guerra é cultural, na modalidade religiosa. O saudita sobre o qual impende uma condenação da ONU, e que está comprovadamente implicado em atentados contra os EUA, apelou à Jihad porque o seu país natal acolheu tropas não-islâmicas em 1991. O milionário terrorista, em tempos apoiado pela CIA - numa variação do banqueiro anarquista do nosso Pessoa - considerou isso, um acto de profanação.
A melhor resposta nesta frente veio de João Paulo II quando, no Cazaquistão, apelidou o terrorismo de "profanação de Deus". Na terceira frente da guerra não pode haver vencidos e vencedores, porque não é um jogo de soma-zero mas sim o tecido em que se cruzam as vidas humanas. O sagrado humanismo da Constituição americana e a religião do Corão concordam com as palavras do Papa, em Astana, de que "o ódio, o fanatismo e o terrorismo profanam o nome de Deus e deformam a autêntica imagem do Homem".
Se quiserem vencer a sua sexta guerra asiática, os americanos não poderão usar da arrogância de 1898, nem da retórica de 1941, nem da estratégia de 1967, nem sequer das armas de 1991. Ao invés do fanfarrão do Departamento de Defesa, que chegou a seleccionar "Justiça Infinita" como o nome da operação, terão que se vencer a si próprios segundo a máxima escrita no gabinete de Colin Powell de que "o auto-controle é o mais respeitado dos poderes".
Euronotícias, 28 de Setembro de 2001
Espero que Cabul não esteja já a arder, hoje, 10 do Rajab de 1422, era do profeta; mas é previsível que estejam em vias de se desenrolar operações especiais em um ou mais dos países que dão asilo aos terroristas das irmandades muçulmanas implicadas no genocídio de 11 de Setembro.
Seja qual for a eventual acção militar da coligação internacional liderada pelos EUA, estamos perante uma guerra com três linhas da frente: ganha-se ou perde-se uma guerra tanto nos campos de batalha, como nas mesas de negociações de paz, como na vida humana que prossegue, com os seus cultos e instituições. É por isso que a paz não é apenas a ausência de guerra mas qualquer coisa mais que os criadores deste mundo ajudam a definir.
Ora os EUA vão na sua sexta guerra no continente asiático. Após a vitória sobre as Filipinas espanholas em 1898, sobre o Japão em 1945, após a meia vitória sobre a China e a Coreia do Norte em 1950, após a derrota do Vietnam, em 1972, e outra meia vitória sobre o Iraque em 1991, encaminham-se agora para um inexorável conflito contra forças islâmicas, nomeadamente no Afeganistão.
Os EUA venceram o Japão em combate e com bombas nucleares ditas "civilizadas". Mas depois foi exemplar o modo como o General MacArthur criou compromissos com as instituições nipónicas, transmitindo o melhor que a América oferece. De igual modo, venceram a guerra da Coreia, contendo a China, e contendo-se a si próprios no paralelo 38º, de acordo com a interpretação rigorosa da doutrina Truman.
A Guerra do Vietnam foi perdida, apesar de o General Giap nunca ter ganho uma única batalha táctica. Nas negociações de Paris, Kissinger arrancou um compromisso que mostra a força do realismo diplomático. Mas quando o exército do Vietnam do Norte e o Vietcong entraram em Saigão, em 25 de Abril de 1975, o que restava da América era apenas um amálgama de órfãos, minas e ressentimento que só agora se começa a esbater, em nome da globalização.
Os EUA ganharam militarmente a Guerra de Golfo, após seis longos meses de preparação no deserto. Por motivos aparentes de equilíbrio geoestratégico, não tiveram capacidade negocial para levar o isolamento diplomático de Saddam Hussein até ao derrubamento do déspota que faz imperar o terror no seu palácio e entre os Curdos e que, para contrariar a miséria entre a sua população, apenas dispõe de projectos de vingança. A única paz no Iraque parece ser a dos cemitérios
A nova guerra asiática dos EUA e da coligação que inclui a Rússia - vai ser conduzida contra as irmandades muçulmanas acoitadas em vários Estados, mormente o Afeganistão. É tão nova quanto o acto de terrorismo estratégico de 11 de Setembro com que o famigerado OBL provocou deliberadamente os EUA, no seu território, para um confronto com as nações islâmicas.
Na resposta americana, e apesar da retórica do "bem contra o mal", a contenção está a prevalecer. Em vez de cair na armadilha diabólica de declarar guerra ilimitada aos muçulmanos, os EUA estão a criar os acordos com os principais parceiros estratégicos por forma a facilitar alianças e operações, e preparar a paz possível.
O factor ainda em falta na estratégia anti-terrorista - persuadir os dirigentes islâmicos que o terrorismo ameaça muito mais a estabilidade das próprias nações do que um ataque militar cirúrgico de americanos e aliados evidencia a segunda frente desta guerra.
A frente diplomática da guerra exige exibição de provas concludentes que apontem o famigerado OBL como responsável pelo ataque de 11 de Setembro. A presunção não basta. Essa causa tem que ser ganha no tribunal da opinião pública internacional, nomeadamente a islâmica, com ou sem Tribunal Penal Internacional. Só assim, os dirigentes moderados islâmicos anti-terroristas ganharão forças para perseguir os fundamentalistas.
Ora na frente diplomática, os EUA estão a obrigar os dirigentes islâmicos de estados soberanos os aliados e os "suspeitos do costume" - a fazer o que eles exigem; caso contrário...Dirigentes como o Gen. Musharraf são obrigados a aparecer como lacaios dos "frangues", e pior, do EUA, tornando-os mais vulneráveis às forças do terrorismo que a coligação internacional procura esmagar. Poderão ser úteis de momento; mas não se lhes dá tempo para mobilizarem a lei islâmica, em nome da qual, de bom ou mau grado, perseguiriam quem a quebrou.
A terceira frente desta guerra é cultural, na modalidade religiosa. O saudita sobre o qual impende uma condenação da ONU, e que está comprovadamente implicado em atentados contra os EUA, apelou à Jihad porque o seu país natal acolheu tropas não-islâmicas em 1991. O milionário terrorista, em tempos apoiado pela CIA - numa variação do banqueiro anarquista do nosso Pessoa - considerou isso, um acto de profanação.
A melhor resposta nesta frente veio de João Paulo II quando, no Cazaquistão, apelidou o terrorismo de "profanação de Deus". Na terceira frente da guerra não pode haver vencidos e vencedores, porque não é um jogo de soma-zero mas sim o tecido em que se cruzam as vidas humanas. O sagrado humanismo da Constituição americana e a religião do Corão concordam com as palavras do Papa, em Astana, de que "o ódio, o fanatismo e o terrorismo profanam o nome de Deus e deformam a autêntica imagem do Homem".
Se quiserem vencer a sua sexta guerra asiática, os americanos não poderão usar da arrogância de 1898, nem da retórica de 1941, nem da estratégia de 1967, nem sequer das armas de 1991. Ao invés do fanfarrão do Departamento de Defesa, que chegou a seleccionar "Justiça Infinita" como o nome da operação, terão que se vencer a si próprios segundo a máxima escrita no gabinete de Colin Powell de que "o auto-controle é o mais respeitado dos poderes".
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