E a luz brilhou nas trevas (Jo. 1,5)
Tomada de posição do Cardeal Patriarca face ao atentado de Nova Iorque.
D. José Policarpo
E a luz brilhou nas trevas (Jo. 1,5)
1. Ao encetar esta presença, que espero seja mensal, nas páginas da "Voz da Verdade", não posso deixar de meditar convosco nos dramáticos acontecimentos das últimas semanas, que tendo atingido directamente o Povo dos Estados Unidos da América, encerram um significado para toda a humanidade, neste início do séc.º XXI. É que um dos frutos da nossa fé cristã é ser luz que nos permite ler os acontecimentos da história humana, captando-lhe as interpretações e exigências para a edificação do Reino de Deus.
O primeiro elemento significativo é a sua brutal surpresa. A ordem mundial decorria na sua rotina assumida e eis que de repente tudo é posto em questão, obrigando-nos a pôr questões sobre o sentido da civilização que edificamos, sobre as injustiças e desarmonias a que nos habituámos, sobre movimentos de fundo que desconhecíamos. O Senhor Jesus avisou-nos que a hora do Reino virá de surpresa, como um ladrão!
A crueldade dos acontecimentos, expressão dramática do desrespeito pela pessoa humana e pela sua dignidade, alertam-nos para a injustiça e inutilidade da violência como caminho para encontrar soluções para os problemas da humanidade. Dos nossos corações perturbados tem de brotar um grito decisivo contra a violência, que se traduza nos nossos comportamentos diários, na construção generosa da harmonia, da fraternidade e da paz.
No momento em que escrevo todos nos perguntamos qual vai ser a reacção do país atacado, exercendo, aliás, o seu legítimo direito de defesa. Oxalá não se traduza em mais uma manifestação de violência estéril e ineficaz, sacrificando mais vítimas inocentes. É preciso interpretar, sábia e corajosamente, os factos, para poder agir sobre as causas, sem deixar de julgar com justiça os culpados. Uma grande Nação, como os Estados Unidos, tem a oportunidade de dar à história uma lição de grandeza, reagindo de modo a marcar positivamente a humanidade na superação dos seus problemas e conflitos.
2. As clivagens entre a Civilização Ocidental, marcada pela liberdade democrática e pelo sucesso económico e o resto do mundo, marcado pela pobreza e pelo sub-desenvolvimento, é mais profundo do que parecia. A amplitude dos acontecimentos revelaram-nos uma ampla organização, porventura a plano mundial, da reacção contra a Sociedade Ocidental, que não está isenta de culpas, na tibieza com que enfrenta o drama dos países pobres, nas injustiças praticadas em nome de políticas de sucesso e de lucro, na humilhação, tantas vezes gratuita, de povos e Nações. Ou o Ocidente aparece claramente com projectos generosos, ao serviço da outra parte da humanidade, ou isto é apenas o início de uma longa luta, em que a vitória, se para ela houver lugar neste género de conflito, não é certa para ninguém. Uma nova ordem mundial acabará por surgir: ela pode ser fruto da generosidade ou de um sofrimento colectivo de consequências imprevisíveis. Em dezenas de conflitos que retalham a humanidade, estamos ainda a tempo de encontrar soluções justas e criativas. Que ao menos aprendamos isso: uma solução injusta em qualquer ponto da humanidade, globaliza-se nas consequências do drama. As Nações poderosas têm de ser audazes nas propostas, generosas nas soluções, se querem ser protagonistas de uma nova ordem que inevitavelmente surgirá.
3. A violência dos últimos dias tem sido relacionada com pessoas e países de religião islâmica. Com o Santo Padre João Paulo II acredito que o diálogo inter-religioso é uma pedra fundamental desse mundo novo, mais harmónico e mais justo. Temo que este ambiente o comprometa, acentuando, em todos os quadrantes, a intolerância cultural e religiosa. Não confundamos os criminosos e os extremistas com as centenas de milhões de irmãos nossos que praticam pacificamente a sua fé num Deus único.
Peço a Deus que ilumine os nossos irmãos islâmicos em todo o mundo, lideres religiosos e chefes políticos, para se distanciarem de interpretações abusivas e violentas do seu livro sagrado. O Deus único em Quem todos acreditamos, não pode ser fundamento para meios violentos, na luta por causas, porventura justas.
4. Neste início de ano pastoral, que a nossa oração se eleve em memória de tantas vítimas inocentes, em auxílio das pessoas retalhadas pela dor e perdidas na confusão. Sejamos incansáveis na recusa da violência, na construção da fraternidade e da paz, na construção corajosa da justiça. Só assim cada cristão e a Igreja toda serão sinal anunciador de uma civilização do amor.
† JOSÉ, Cardeal-Patriarca
In "Voz da Verdade"[19-09-2001 18:26:24] [Documentos] [4554 caracteres] [Grátis] [ D. José Policarpo ]
D. José Policarpo
E a luz brilhou nas trevas (Jo. 1,5)
1. Ao encetar esta presença, que espero seja mensal, nas páginas da "Voz da Verdade", não posso deixar de meditar convosco nos dramáticos acontecimentos das últimas semanas, que tendo atingido directamente o Povo dos Estados Unidos da América, encerram um significado para toda a humanidade, neste início do séc.º XXI. É que um dos frutos da nossa fé cristã é ser luz que nos permite ler os acontecimentos da história humana, captando-lhe as interpretações e exigências para a edificação do Reino de Deus.
O primeiro elemento significativo é a sua brutal surpresa. A ordem mundial decorria na sua rotina assumida e eis que de repente tudo é posto em questão, obrigando-nos a pôr questões sobre o sentido da civilização que edificamos, sobre as injustiças e desarmonias a que nos habituámos, sobre movimentos de fundo que desconhecíamos. O Senhor Jesus avisou-nos que a hora do Reino virá de surpresa, como um ladrão!
A crueldade dos acontecimentos, expressão dramática do desrespeito pela pessoa humana e pela sua dignidade, alertam-nos para a injustiça e inutilidade da violência como caminho para encontrar soluções para os problemas da humanidade. Dos nossos corações perturbados tem de brotar um grito decisivo contra a violência, que se traduza nos nossos comportamentos diários, na construção generosa da harmonia, da fraternidade e da paz.
No momento em que escrevo todos nos perguntamos qual vai ser a reacção do país atacado, exercendo, aliás, o seu legítimo direito de defesa. Oxalá não se traduza em mais uma manifestação de violência estéril e ineficaz, sacrificando mais vítimas inocentes. É preciso interpretar, sábia e corajosamente, os factos, para poder agir sobre as causas, sem deixar de julgar com justiça os culpados. Uma grande Nação, como os Estados Unidos, tem a oportunidade de dar à história uma lição de grandeza, reagindo de modo a marcar positivamente a humanidade na superação dos seus problemas e conflitos.
2. As clivagens entre a Civilização Ocidental, marcada pela liberdade democrática e pelo sucesso económico e o resto do mundo, marcado pela pobreza e pelo sub-desenvolvimento, é mais profundo do que parecia. A amplitude dos acontecimentos revelaram-nos uma ampla organização, porventura a plano mundial, da reacção contra a Sociedade Ocidental, que não está isenta de culpas, na tibieza com que enfrenta o drama dos países pobres, nas injustiças praticadas em nome de políticas de sucesso e de lucro, na humilhação, tantas vezes gratuita, de povos e Nações. Ou o Ocidente aparece claramente com projectos generosos, ao serviço da outra parte da humanidade, ou isto é apenas o início de uma longa luta, em que a vitória, se para ela houver lugar neste género de conflito, não é certa para ninguém. Uma nova ordem mundial acabará por surgir: ela pode ser fruto da generosidade ou de um sofrimento colectivo de consequências imprevisíveis. Em dezenas de conflitos que retalham a humanidade, estamos ainda a tempo de encontrar soluções justas e criativas. Que ao menos aprendamos isso: uma solução injusta em qualquer ponto da humanidade, globaliza-se nas consequências do drama. As Nações poderosas têm de ser audazes nas propostas, generosas nas soluções, se querem ser protagonistas de uma nova ordem que inevitavelmente surgirá.
3. A violência dos últimos dias tem sido relacionada com pessoas e países de religião islâmica. Com o Santo Padre João Paulo II acredito que o diálogo inter-religioso é uma pedra fundamental desse mundo novo, mais harmónico e mais justo. Temo que este ambiente o comprometa, acentuando, em todos os quadrantes, a intolerância cultural e religiosa. Não confundamos os criminosos e os extremistas com as centenas de milhões de irmãos nossos que praticam pacificamente a sua fé num Deus único.
Peço a Deus que ilumine os nossos irmãos islâmicos em todo o mundo, lideres religiosos e chefes políticos, para se distanciarem de interpretações abusivas e violentas do seu livro sagrado. O Deus único em Quem todos acreditamos, não pode ser fundamento para meios violentos, na luta por causas, porventura justas.
4. Neste início de ano pastoral, que a nossa oração se eleve em memória de tantas vítimas inocentes, em auxílio das pessoas retalhadas pela dor e perdidas na confusão. Sejamos incansáveis na recusa da violência, na construção da fraternidade e da paz, na construção corajosa da justiça. Só assim cada cristão e a Igreja toda serão sinal anunciador de uma civilização do amor.
† JOSÉ, Cardeal-Patriarca
In "Voz da Verdade"[19-09-2001 18:26:24] [Documentos] [4554 caracteres] [Grátis] [ D. José Policarpo ]
Comentários