A resposta ao horror

João César das Neves
DN 20010917
Na guerra: firmeza; na derrota: resistência; na vitória: magnanimidade; na paz: benevolência" (Winston Churchill The Second World War, Cassell, 1948-1954). O inqualificável ataque terrorista contra a América tem um propósito claro: pôr em causa os fundamentos do mundo civilizado. Perante ele, só há uma resposta digna: a afirmação inequívoca dos mesmos fundamentos da civilização. Assim, junto com o resgate das vítimas e a reconstrução da cidade, este tem de ser um momento de proclamar, clara e serenamente, os valores da justiça, liberdade, cooperação e abertura que sustentam o nosso modo de vida. Qualquer outra resposta serve apenas os objectivos dos terroristas.
A humanidade atingiu a 11 de Setembro um novo patamar de horror numa escalada secular. Desde a guilhotina do "Terror", a era contemporânea já viu muito. Mas atirar aviões cheios de passageiros contra prédios cheios de gente é uma crueldade que abre novos abismos da maldade humana.
A resposta civilizada tem de ser castigar os culpados; mas não os vizinhos e simpatizantes. Tem de ser condenar e combater o terrorismo, não o mundo árabe ou outra comunidade. Tem de ser justiça, não mais terrorismo. Está em causa a humanidade contra o comportamento inumano. O Islão faz parte do concerto das nações civilizadas que repudiam e combatem este horror. Aliás, a atribuição de culpas culturais seria muito complicada. Todas as civilizações, quando esquecem os seus valores, caem na perversão.
A explicação de que este é um acto bárbaro cometido por fundamentalistas exóticos é verosímil, mas também cómoda. Um atentado terrorista é sempre maior que as respostas simples. Um indício de que a realidade é mais complexa do que parece é o facto de todos no Ocidente já termos visto coisas daquelas centenas de vezes. No cinema e na televisão as audiências vivem múltiplas variantes da atrocidade global, com supercriminosos prontos a chacinar multidões para, no último momento, o herói salvar a situação. Isso significa que os nossos divertimentos quotidianos tornaram banal o horror inaudito. Todos já fomos colocados dentro de mentes capazes de actos semelhantes, com os nossos melhores génios literários esforçando-se para dar credibilidade ao impensável. Assim, não podemos dizer, como os nossos antepassados, que uma supina barbárie destas é incompreensível, inqualificável, inaudita. Porque estamos fartos de a compreender, qualificar e ouvir.
Ninguém como os ocidentais modernos entende como se podem fazer actos destes. Todas as civilizações que esquecem os seus valores caem na perversão.
Este não é um acto bárbaro, porque nenhum bárbaro seria capaz de o praticar. Só na nossa sociedade rica e desenvolvida ele é possível. A preparação para o ataque seguiu técnicas e conhecimentos americanos. O treino foi feito num jogo de computador que os nossos filhos usam. O atentado mais próximo deste, a explosão do edifício federal em Oklahoma City, em Abril de 1995, não veio de um árabe furioso, mas de Timothy McVeigh (1968-2001), um jovem americano comum. O maior terrorista mundial, culpado de múltiplas atrocidades e agora principal suspeito, Osama Bin Laden (1956- ...), não é um selvagem primitivo, mas um milionário sofisticado, que se diz ser licenciado em engenharia por Londres.
Mas além de criar o ambiente e dar os meios, a sociedade ocidental também o ajuda a justificar. Um acto terrorista desta magnitude só é possível quando se atira graves culpas para cima de pessoas inocentes. Os terroristas acham que as vítimas são, de alguma forma, cúmplices dos sofrimentos horríveis que querem vingar. Esta perversa distorção da justiça segue um raciocínio cuja origem não é tanto islâmica, árabe ou oriental. É mais iluminista, jacobina, marxista ou nazi, claramente herdeira da lógica política ocidental dos últimos séculos.
Na nossa história e filosofia recentes assistimos repetidamente a este tipo de transposição social da culpa para inocentes. As doutrinas europeias dos séculos XIX e XX justificaram que a origem de classe de uma pessoa chega para a condenar, independentemente dos seus actos. Movimentos pacifistas, ecológicos e contra a globalização repetem acusações de "pecado social" e "responsabilidade nacional" sobre pessoas sem envolvimento directo. Na era moderna habituámo-nos a culpar a sociedade de todos os males, fazendo publicamente transposições de culpa semelhantes à dos terroristas. A esta lógica só falta a violência, que outros se encarregam de juntar. As civilizações que esquecem os seus valores caem na perversão. O terrorismo é uma doença social terrível. Como outros horrores históricos, nasce da perda dos princípios da natureza humana. Só se pode confrontar exaltando esses princípios.
Não há nenhum momento em que a sabedoria, a prudência e a virtude sejam tão necessárias como perante um horror inexplicável. Sob pena de perpetuar esse horror.

naohaalmocosgratis@netc.pt

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