Sou mãe de um forcado. E agora?
MARTA CALADO 19.09.17
Sábado, 16 de Setembro
São 9 horas, levantei-me para ir trabalhar no C.Saúde da Lapa (sou enfermeira), quando dou de caras com o meu filho mais velho.
- "Mãe, ontem a corrida correu mal o Fernando Quintela foi colhido, não resistiu e morreu".
- "O quê? Como? Morreu?!" A minha reação foi de horror e de escândalo... Podia ter sido o meu filho, pensei. Fui trabalhar e as lágrimas não paravam de me correr. Como é que é possível? Que faço agora? Obrigo-o a desistir?
Como não tinha respostas para estas questões que me perseguiam entreguei-me ao trabalho até às seis da tarde juntamente com uma colega (com quem já não trabalhava há uns anos) e as duas cuidámos 44 doentes. Foi mesmo bom esse turno! Fico sempre a ganhar quando me coloco ao serviço dos que sofrem e vim bem mais calma para casa. Decidimos, eu e o meu marido, acompanhar o nosso filho nesta dor de ter perdido um amigo e não falar de mais nada.
Domingo, 17 de Setembro
Missa em Alcochete por alma do Fernando. Na homília ouvi qualquer coisa como,
- "O Fernando morreu a fazer o que gostava." - que neste caso era ser forcado mas podia ser outra coisa qualquer - no meio dos seus amigos com quem partilhava o gosto pelas touradas mas fez isto com a consciência do seu destino. E por isso trazia o escapulário ao peito, confessou-se na 5a feira antes e no próprio dia comungou. Parece que se preparou para ser levado, mas se não sabia que era naquele dia, porque o fez? Porque o amor por Jesus foi uma escolha na sua vida e ser forcado não o impedia de amar o seu destino mas antes levou-o a amar também o destino dos seus amigos do grupo de forcados.
Via-se bem isso na cara dos que estavam na Missa. Afinal o Fernando deu a vida pelos seus amigos. Dizia um cavaleiro amigo do Fernando muito impressionado: " Bom miúdo, sério, muito amigo do seu grupo, e valente....deixou mesmo um marco nas nossas vidas". Por fim fui ter com o Cabo do grupo que deixou escapar o quanto a fé do Fernando e dos que viviam como ele, foi importante para que o grupo fosse o que é hoje e quanto tinha a apreender com eles. Digo-vos que aqui engoli um sapo. Nunca tinha pensado que as coisas poderiam ser assim, que estes forcados tocassem vidas num ambiente não muito propício - pensava eu - às coisas da fé.
Segunda-feira, 18 de Setembro
Missa corpo presente no Monte da Caparica. Igreja cheia, a abarrotar. Quis entrar, precisava de ver e ouvir o que tinham para dizer. Fiquei no corredor central mesmo na direção do corpo do Fernando, vi-o e ajoelhei-me, não podia ter outra posição senão aquela. Eu também quero ser como este rapaz que mal conheci. Quero estar preparada todos os dias para este encontro derradeiro. Quero precisar d'Ele todos os dias da minha vida. O Fernando já cumpriu o seu destino agora é a nossa vez.
Só posso estar agradecida a Deus por me ter feito passar por tudo isto. Serviu para dar graças pelo Dom da vida e de que vou sempre a tempo de dar a Deus o primeiro lugar na minha vida.
Depois disto tudo aprendi a lição. É claro que não posso decidir sobre a vida do meu filho com 20 anos. Que seja livre e decida em consciência o que deve fazer. O destino dele não é meu... Cabe-me rezar por ele dar-lhe uns conselhos de mãe e aceitar que poderá ou não seguir.
Peço a Deus que me ajude a amar cada um dos meus filhos e a dar-lhes só o que precisam para viver, sem a pretensão de querer decidir nada por eles. Que sejam adultos livres na fé.
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