O pepino torcido
MIGUEL ESTEVES CARDOSO, PÚBLICO 02.09.17
Quanto mais se envelhece, menos tempo se tem de vida. Sim, mesmo que se morra no dia seguinte. O tempo acelera, um ano dura só um mês e uma década passa num só ano.
Que se há-de fazer? Geralmente acompanha-se com memórias da infância, das férias de Verão que nunca mais acabavam. Nessa altura um dia era uma eternidade. Era bom, não era?
Mas não era. Quando somos pequenos estamos sempre à espera da coisa que se segue, que nunca mais vem. Perdemos tempo a pedir que tudo aconteça mais depressa e a chatear as pessoas que tomam conta de nós. O tempo é comprido por ser chato e por sermos impacientes.
O mal vem daí, da nossa meninice. Éramos pequeninos mas já perdíamos tempo como gente grande. É daí que vem a nossa incapacidade para viver no momento presente. Tanto faz sermos crescidos e chorarmos a falta de tempo como sermos crianças a chorar porque o tempo não passa.
Esperar é rejeitar o presente. É como olhar para os ponteiros do relógio. Não só não os faz andar mais depressa: também nos atrasa. São muitos os relógios disfarçados que andam para aí: écrans de todas as espécies em que os ponteiros são pessoas a fingir que são outras. Neles fixamos os olhos e, sem darmos por isso, a vida vai-se desligando da alma. Depois olhamos para um relógio verdadeiro e apanhamos o susto que merecemos.
Que horas são? Já chegámos? Quando é que acaba a viagem? Quando é que acaba a parte má e começa a boa? As perguntas das crianças são iguais aos remorsos dos velhos. Ambos são desperdícios inúteis.
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