Esta rampa não é para mim!
MAFALDA RIBEIRO DN 29.05.2018
As pessoas com mobilidade reduzida precisam de rampas em vez de degraus, já que é isso que lhes confere sentido de liberdade. Eu sou uma dessas pessoas que lutam pela extinção dos obstáculos para que as rodas da minha cadeira possam deslizar.
Portadora de deficiência motora, com um currículo de quase uma centena de fraturas desde o útero da minha mãe e dores físicas que nunca ficam a zeros. Portadora de óculos, aparelho auditivo e uma cadeira elétrica que nunca vi como uma condenação. Os meus saltos altos equilibram-se, portanto, desde sempre em cima de rodas, mas se não tiver rampas estou sempre a tropeçar. As rampas para mim são como pontes de autonomia. No entanto, há uma rampa que não é para mim. Aquela cuja inclinação, por não obedecer à fórmula correta, passa de bênção a maldição. Que é de tal forma deslizante que passa a ser um perigo para a minha própria vida.
Votar a favor da despenalização da eutanásia é, a meu ver, pensar-se que se está a construir uma rampa de acesso à dignidade da pessoa humana quando na realidade está-se a iniciar uma descida vertiginosa para uma desresponsabilização coletiva da sociedade. Olhar para os países como a Holanda e a Bélgica, que já legalizaram a eutanásia, faz-me declarar: esta rampa não é para mim!
Não me vou repetir nos factos do que significa esta rampa deslizante porque a informação está ao alcance de todos. Mesmo que, às vezes, aquilo que lemos diga apenas o que queremos ler e não a realidade das exceções que descambam para a regra, das brechas que se abrem nos desenquadramentos crescentes e do atraso civilizacional profundo criado quando se permite que se eutanasie, por exemplo, crianças. São esses países que nos servem de modelo para justificar a aprovação de uma lei?
Não é só uma questão de me afirmar pró-vida, mas de ser pró-humanidade. Essa sim devia ser a lei. Assim, estaríamos todos preocupados a arranjar formas de como ajudar os outros a viver e não a morrer.
Há dois anos expus a minha visão sobre este assunto tão fraturante da nossa agora (e, pelos vistos, ainda) agenda mediática. A minha convicção mantém-se. As minhas palavras sublinhadas. E a urgência na consciencialização de todos impõe-se para o que o futuro nos possa reservar no que a isto diz respeito.
Portugal sempre teve, em várias épocas e por motivos muito díspares, no seu ADN ser um país de gente solidária. Não vamos confundir esta coisa da morte assistida com solidariedade, pois não? Assistamos o próximo, sim, em amor, como a nós mesmos, na vida e até ao fim.
Esta não é uma posição determinada por uma orientação política ou religiosa. Mas assente na palavra "relacionamento". Se defender os direitos humanos é um dever de todos nós... então votem no afeto, no cuidado, na proteção, na entrega, na dádiva e na misericórdia que assassinam o sofrimento interior. Esse só pode ser extinto com o relacionamento.
Acredito que o tempo é uma ilusão graciosamente concedida por Aquele com que escolhi também relacionar--me e que me faz ter autoridade para citar aquilo que a Bíblia diz em Eclesiastes 3:1-2: "Tudo tem o seu tempo determinado, e há tempo para todo o propósito debaixo do céu. Há tempo de nascer, e tempo de morrer; tempo de plantar, e tempo de arrancar o que se plantou." Porque foi nesta determinação que encontrei propósito para a minha vida em vez de um castigo.
Por mais que oiça argumentos válidos e bem fundamentados dos que não pensam e sentem como eu e aceite desconstruir com eles, até para construir o meu próprio posicionamento, chego sempre a este fim de linha: as pessoas que concordam com a despenalização da eutanásia, se soubessem do meu prognóstico, aquando do meu nascimento, provavelmente ter-me-iam feito morrer. E as pessoas que concordam com a despenalização da interrupção voluntária da gravidez, se soubessem do meu diagnóstico, aquando da minha gestação, provavelmente nem me teriam feito nascer.
Não, não é generalizar. É, apesar de sentada numa cadeira de rodas há 35 anos, levantar-me a favor da minha própria vida!
* Autora e oradora motivacional
As pessoas com mobilidade reduzida precisam de rampas em vez de degraus, já que é isso que lhes confere sentido de liberdade. Eu sou uma dessas pessoas que lutam pela extinção dos obstáculos para que as rodas da minha cadeira possam deslizar.
Portadora de deficiência motora, com um currículo de quase uma centena de fraturas desde o útero da minha mãe e dores físicas que nunca ficam a zeros. Portadora de óculos, aparelho auditivo e uma cadeira elétrica que nunca vi como uma condenação. Os meus saltos altos equilibram-se, portanto, desde sempre em cima de rodas, mas se não tiver rampas estou sempre a tropeçar. As rampas para mim são como pontes de autonomia. No entanto, há uma rampa que não é para mim. Aquela cuja inclinação, por não obedecer à fórmula correta, passa de bênção a maldição. Que é de tal forma deslizante que passa a ser um perigo para a minha própria vida.
Votar a favor da despenalização da eutanásia é, a meu ver, pensar-se que se está a construir uma rampa de acesso à dignidade da pessoa humana quando na realidade está-se a iniciar uma descida vertiginosa para uma desresponsabilização coletiva da sociedade. Olhar para os países como a Holanda e a Bélgica, que já legalizaram a eutanásia, faz-me declarar: esta rampa não é para mim!
Não me vou repetir nos factos do que significa esta rampa deslizante porque a informação está ao alcance de todos. Mesmo que, às vezes, aquilo que lemos diga apenas o que queremos ler e não a realidade das exceções que descambam para a regra, das brechas que se abrem nos desenquadramentos crescentes e do atraso civilizacional profundo criado quando se permite que se eutanasie, por exemplo, crianças. São esses países que nos servem de modelo para justificar a aprovação de uma lei?
Não é só uma questão de me afirmar pró-vida, mas de ser pró-humanidade. Essa sim devia ser a lei. Assim, estaríamos todos preocupados a arranjar formas de como ajudar os outros a viver e não a morrer.
Há dois anos expus a minha visão sobre este assunto tão fraturante da nossa agora (e, pelos vistos, ainda) agenda mediática. A minha convicção mantém-se. As minhas palavras sublinhadas. E a urgência na consciencialização de todos impõe-se para o que o futuro nos possa reservar no que a isto diz respeito.
Portugal sempre teve, em várias épocas e por motivos muito díspares, no seu ADN ser um país de gente solidária. Não vamos confundir esta coisa da morte assistida com solidariedade, pois não? Assistamos o próximo, sim, em amor, como a nós mesmos, na vida e até ao fim.
Esta não é uma posição determinada por uma orientação política ou religiosa. Mas assente na palavra "relacionamento". Se defender os direitos humanos é um dever de todos nós... então votem no afeto, no cuidado, na proteção, na entrega, na dádiva e na misericórdia que assassinam o sofrimento interior. Esse só pode ser extinto com o relacionamento.
Acredito que o tempo é uma ilusão graciosamente concedida por Aquele com que escolhi também relacionar--me e que me faz ter autoridade para citar aquilo que a Bíblia diz em Eclesiastes 3:1-2: "Tudo tem o seu tempo determinado, e há tempo para todo o propósito debaixo do céu. Há tempo de nascer, e tempo de morrer; tempo de plantar, e tempo de arrancar o que se plantou." Porque foi nesta determinação que encontrei propósito para a minha vida em vez de um castigo.
Por mais que oiça argumentos válidos e bem fundamentados dos que não pensam e sentem como eu e aceite desconstruir com eles, até para construir o meu próprio posicionamento, chego sempre a este fim de linha: as pessoas que concordam com a despenalização da eutanásia, se soubessem do meu prognóstico, aquando do meu nascimento, provavelmente ter-me-iam feito morrer. E as pessoas que concordam com a despenalização da interrupção voluntária da gravidez, se soubessem do meu diagnóstico, aquando da minha gestação, provavelmente nem me teriam feito nascer.
Não, não é generalizar. É, apesar de sentada numa cadeira de rodas há 35 anos, levantar-me a favor da minha própria vida!
* Autora e oradora motivacional
Comentários