A família, espaço de resistência

A. Bagão Félix
Voz da Verdade, 2013-02-24
A família tem sido objecto da atenção prioritária nos documentos da Doutrina Social da Igreja (DSI): "Lugar primeiro da humanização da pessoa e da sociedade" (João Paulo II, Christifideles Laici, 1989), "Célula primeira e vital da sociedade" (Vaticano II, Apostolicam Actuositatem, 1965), "Santuário da vida, sede da cultura da vida" (Centesimus Annus), "Igreja doméstica chamada a anunciar, celebrar e servir o Evangelho da vida" (João Paulo II, Evangelium Vitae, 1995), "A escola do mais rico humanismo" (Gaudium et Spes), "A primeira escola das virtudes sociais" (Vaticano II, Gravissimum educationis, 1965) "Uma comunidade de amor e de solidariedade" (Santa Sé, Carta dos Direitos da Família, 1983).
De entre todas as sociedades humanas, a família é a única natural. Não foi inventada cientificamente, não resulta de qualquer legado jurídico, não foi imposta por qualquer acto administrativo, não germinou fruto de uma qualquer ideologia.
Apesar da desconsideração a que, não raro, é sujeita, a instituição familiar é a primeira e mais decisiva infra-estrutura moral e referencial na conjugação e transmissão de valores e de saberes.
Desconsideração não apenas das autoridades políticas e de outras instituições, mas também por parte de famílias que tendem a demitir-se dos seus papéis vencidos pela pressa, pela angústia, pela indiferença, pela acomodação, pela resignação. Quantos "filhos órfãos de pais vivos" (João Paulo II), quantos filhos de pais a tempo cada mais parcial, quantos avós de netos distantes não sofrem a ausência da família? Quantas refeições se transformam em salas de espectáculo televisivo ou mesmo em almoços ou jantares de negócios ou de relatórios executivos?
Não há um dia em que a família não seja objecto de proclamação pelo mundo fora. Aliás, o mesmo acontece com a paz. No entanto, é da crise da primeira e da ausência da segunda que a actualidade se alimenta freneticamente.
Porque há famílias em crise, os novos paladinos da "libertação" familiar, logo concluem silogisticamente pela crise da família.
Então pelo mesmo raciocínio, havendo desemprego menosprezamos o valor do emprego? Havendo doenças, desvalorizamos o benefício da saúde? Havendo fumadores devemos dar menos valor ao benefício de não fumar?
Claro que não. Havendo muitas famílias em dificuldade, ninguém, de boa-fé, pode, todavia, pôr em causa a família como a expressão antropológica mais solidarista de transmissão da vida, de partilha geracional, de desenvolvimento da personalidade, de mais informal e eficaz instituição de partilha, de protecção social e de escola de trabalho.
Mas temos que reconhecer que as vulnerabilidades por que passa a família contribuem para o empobrecimento cívico, espiritual, afectivo e educativo.
Por isso, a família pode e deve ser a primeira instância de resistência contra a renúncia a valores superiores, sem os quais apenas se pode construir uma qualquer ilusão fugaz.
Bem se sabe que é preciso haver abertura intelectual para perceber as mudanças no mundo que nos envolve. Mas também não podemos descartar a profundidade e extensão da experiência acumulada de gerações passadas. A família é uma unidade feita da diversidade de idades, onde cada um vale mais pelo que é do que pelo que tem.
Não há desenvolvimento verdadeiramente humano sem qualidade da família. Nem é possível e desejável construir e desenvolver um "Estado Social de bem-estar" radicado num certo "mal-estar das famílias".
A família não é para a sociedade e para o Estado, antes a sociedade e o Estado são para a família" (Conselho Pontifício Justiça e Paz, 2004). Bento XVI escreveu na Caritas in Veritate que "perante concepções e políticas materialistas, no âmbito das quais as pessoas acabam por sofrer várias formas de violência […] há que contrapor a competência primária das famílias".
Em matéria familiar tenho respeito pelas normas, mas acredito mais nos valores. Valorizo os recursos, mas elejo o exemplo. Admiro o êxito individual, mas sou mais sensível ao sucesso familiar.
"O futuro da humanidade passa pela família!" (Familiaris Consortio).

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