O sacristão de S. Paulo

Alice Vieira , Escritora

Jornal de Notícias, 20070409

Hoje vou contar uma história. A história de um homem que era sacristão na igreja de São Paulo, em Londres. Um dia, por motivos burocráticos, foi-lhe pedido que assinasse um documento e, para espanto de todos, o sacristão assinou de cruz. Para espanto de todos, o sacristão não sabia ler nem escrever. Um sacristão da Igreja de São Paulo analfabeto era coisa inadmissível e ele foi despedido. Abatido, sem saber o que fazer à vida, andou o pobre homem ali pelas imediações quando lhe apeteceu, desesperadamente, um cigarro. (Isto é ainda na era do pré-fundamentalismo antitabágico). Olhou em volta, mas não viu por ali nenhum lugar onde pudesse comprá-lo. Andou mais um pouco - e nada. "Se calhar era boa ideia abrir aqui uma pequena tabacaria", pensou. E, com algum dinheiro que tinha guardado e outro que pediu emprestado, foi o que fez. A tabacaria foi um sucesso. De tal maneira que, logo a seguir, abriu outra. E depois mais outra. E mais outra, e mais outra - e, algum tempo depois, tinha-se transformado no dono de uma rede de lojas espalhadas pelo país.

Um dia o director do banco chamou-o. Queria conhecer pessoalmente aquele cliente tão importante e, ao mesmo tempo, propor-lhe que diversificasse o investimento, que não tivesse dinheiro parado, etc. A coisa ia no bom caminho quando, ao ver o seu cliente assinar de cruz os documentos, o director fez um enorme ar de espanto e nem queria acreditar que estava diante de um analfabeto. "O senhor não sabe ler nem escrever? Espantoso! O senhor é hoje o que é, com toda esta fortuna, sem saber ler nem escrever! Já pensou no que seria, se tivesse estudado?" "Já", respondeu o homem, "seria sacristão da igreja de São Paulo"

Quero dedicar esta história (magnificamente contada por Somerset Maugham num dos seus livros de "short stories") à mente iluminada que engendrou aqueles cartazes publicitários dos fulanos que não terminaram os estudos. A ideia de que o saber é muito bonito é, evidentemente, uma ideia louvável - mas não é achincalhando os outros que ela se defende. Gostava de saber como viveríamos se não houvesse quem recolhesse o lixo, ou engomasse a roupa, ou nos atendesse num restaurante, ou, ou, ou...(E já agora - o que não dariam muitos doutores, de curso acabado e sem emprego à vista, por um lugarzito de porteiro?)

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