O agosto terrível

LEONÍDIO PAULO FERREIRA    DN   07.08.17

Estive neste ano em Hiroxima e Nagasáqui, as duas cidades japoneses que sofreram o horror atómico. Aconteceu há 72 anos, com a efeméride de Hiroxima a ter sido celebrada ontem e a de Nagasáqui a estar marcada para quarta-feira. Visitei os dois memoriais às vítimas, percorri em ambas as cidades os museus que contam os horrores. Também posso testemunhar o milagre da reconstrução, de como o povo japonês se soube erguer das cinzas e construir uma sociedade próspera e pacífica.
A questão do pacífica não é um pormenor. Hoje não se questiona que o colonialismo tardio japonês na Ásia Oriental foi o início da desgraça do país em 1945 tal como não se questiona que as bombas americanas apressaram o fim da Segunda Guerra Mundial, forçando o imperador a declarar a rendição uma semana depois das explosões atómicas. O novo Japão foi dotado de uma Constituição pacifista pelo ocupante americano, mas com o tempo os japoneses aceitaram a ideia da renúncia à guerra e a vantagem de contar com a proteção das bases militares dos Estados Unidos, quando a União Soviética passou a ser a grande ameaça ao arquipélago. Gastando pouco em armamento, o Japão podia também apostar mais na economia. Hoje é a terceira maior.
Debate-se agora muito se o Japão pode ser uma nação normal do ponto de vista militar. A Rússia já não é a ameaça que foi a União Soviética, mas a China é cada vez mais poderosa e a Coreia do Norte comporta-se como uma ameaça permanente. Acresce a isto que russos, chineses e norte-coreanos possuem armas nucleares, enquanto o Japão se contenta em estar sob o guarda-chuva nuclear dos Estados Unidos, o vencedor de 1945 que se tornou um aliado, facto que nem a chegada de Donald Trump à Casa Branca alterou, apesar do receio inicial do primeiro-ministro Shinzo Abe.
Há alguns meses a Assembleia Geral da ONU votou um tratado para pôr fim a todas as armas nucleares, mesmo as dos países que as possuem legalmente (Estados Unidos, Rússia, China, Reino Unido e França). Claro que os países visados se opuseram e nada na ONU avançará sem eles. Mas, tirando a Holanda (que votou contra), nenhum país da NATO participou sequer na votação, tal como outros aliados dos Estados Unidos, incluindo o Japão. Questionar essa posição japonesa e tentar ver nela uma contradição com a sua experiência traumática em Hiroxima e Nagasáqui é ignorar a geopolítica e a tensão na Ásia Oriental.
Mas, se a história mostra ser difícil travar por completo a proliferação nuclear (e no Japão, depois de Fukushima, até o nuclear civil é debatido), resta-nos a certeza de que conhecendo as centenas de milhares de japoneses mortos pela Little Boy e pela Fat Man nenhum país quererá ser o responsável por uma terceira bomba. O agosto terrível de 1945 foi ontem, não dá para esquecer.

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